Recentemente, a Ordem Nacional Médica Francesa colocou fim ao atual título de homeopata para futuros médicos.
Com a decisão, médicos que consideram a prática de homeopatia não podem mais se qualificar na área Entretanto, os médicos que já possuem o título de homeopata poderão mantê-lo, pois a medida não é retroativa.
O assunto divide opiniões e, ao longo deste artigo, destaco como este estilo de medicina alternativa é visto pelas instituições de ensino e órgãos de saúde.
Mesmo antes da decisão da ordem, a homeopatia não era considerada uma especialidade
O título de homeopata, utilizado em particular pelos clínicos gerais, é uma derrogação porque não é equivalente a uma especialidade, como por exemplo: cardiologista, pneumologista, psiquiatra, entre outros.
Inclusive, a Ordem Nacional Médica Francesa reconhece a homeopatia como uma "orientação de atividade" desde 1974. E desde 1984, os médicos precisam justificar 300 horas de treinamento (de cunho universitário ou não)
A ordem poderá rever a decisão no futuro
A Ordem dos Médicos convida todas as "universidades a trabalharem juntas no possível desenvolvimento de um diploma mais abrangente sobre a integração da medicina complementar e alternativa".
Caso as universidades decidam criar tal diploma, existe a possibilidade da decisão ser revista. Consequentemente, a aplicação das novas disposições será efetiva para novos e futuros estudantes matriculados em um curso universitário (em homeopatia).
Faculdade de Medicina de Lille x suspensão do diploma de homeopatia
Inventada há mais de 200 anos, a homeopatia é a medicina alternativa mais popular na França. A maioria de seus remédios vem na forma de pequenos grânulos em tubos coloridos. A homeopatia foi introduzida no final do século XVIII por Samuel Hahnemann, com duas hipóteses: a das semelhanças (curar o mal com o mal) e a das altas diluições. Até o momento, os dados científicos não permitem que nenhuma dessas hipóteses sejam comprovadas. As metanálises* não demonstraram a eficácia das preparações homeopáticas.
Em 2018, a Faculdade de Medicina de Lille anunciou, em sua conta no Twitter, a suspensão do diploma universitário em Homeopatia. A decisão levantou debates sobre temas como: utilidade da homeopatia e dados publicados em uma pesquisa no mês março de 2018, no jornal “Le Figaro”. No levantamento, assinado por 124 profissionais de saúde (hoje 3.337), os participantes julgaram que os medicamentos alternativos incluindo a homeopatia ineficazes, perigosos e caros para a Previdência Social francesa.
Sendo assim, no mesmo ano a faculdade de Lille decidiu suspender os diplomas na área. A decisão final saiu somente em fevereiro de 2019.
O corpo docente de Lille decidiu de acordo com o parecer da Autoridade Máxima de Saúde (HAS ) sobre a suspensão e a decisão das Academias.
"Dado o estado atual de nossos conhecimentos e a inadequação da pesquisa experimental e clínica, parece inapropriado que as faculdades médicas e farmacêuticas emitam um diploma ou certificado em homeopatia. Um tal título universitário teria o efeito de endossar um método terapêutico que não é aceito nem utilizado pela maioria da profissão médica. Por outro lado, cabe aos professores de terapêutica fornecer aos estudantes informações sobre homeopatia como parte de seu ensino normal".
Em entrevista concedida à FranceTVinfo, o reitor da faculdade de medicina de Lille, Didier Gosset, justificou a suspensão do diploma de homeopatia com as seguintes palavras:
"Não podemos ensinar o que não está alinhado com um medicamento e que não se baseia em evidências. Há trinta ou quarenta anos, todas as faculdades médicas da França começaram a oferecer diplomas de homeopatia com a ideia de que esta prática seria melhor supervisionada dentro da faculdade do que em farmácias "externas não controladas". O tempo passou, o conhecimento médico evoluiu e a homeopatia não , ela permaneceu como uma doutrina à margem do movimento científico. Não há estudos que possam demonstrar eficácia além de seu efeito placebo".
*A metanálise é uma abordagem estatística que combina resultados de estudos relevantes para responder uma questão
Homeopatia no Brasil: opiniões sobre a eficácia da prática se dividem, mas abordagem é aceita
No Brasil, a homeopatia é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, a prática é tem um espaço como matéria optativa na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Entretanto, a eficácia deste tipo de tratamento ainda gera debate entre médicos, principalmente porque tem pouco respaldo de publicações científicas respeitadas.
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Os defensores, como Rubens Dolce Filho, segundo secretário do Departamento Científico de Homeopatia da Associação Paulista de Medicina(APM), afirmam que há preconceito por "pura ignorância ou má vontade de entender seus princípios". De acordo com ele, os "argumentos fundados em revisões sistemáticas e estudos publicados em revistas de excelente conceito são desconsiderados porque não se encaixam nas crenças médicas vigentes sobre o mecanismo de ação dos medicamentos".
Quem é contra, questiona a falta de demonstração científica em periódicos de primeira linha. Drauzio Varella, por exemplo, em uma entrevista de 2017, afirmou que se um pesquisador tem uma teoria, é preciso comprová-la antes de aplicá-la amplamente. Segundo ele, não é apenas a teoria que confirma o efeito.
"Temos uma tendência em estabelecer relações de causa e efeito. Por que os índios fazem a dança da chuva? Porque uma vez dançaram e choveu, e aí fazem a dança de novo. Por sorte, uma vez choveu de novo, mas uma dezena de outras vezes não choveu", exemplificou o médico.
Por fim, Natalia Pasternak, pesquisadora colaboradora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP) e diretora-presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), afirmou, em texto publicado no jornal O Globo, a que não é a favor da homeopatia, mas que isto não é, simplesmente, um posicionamento pessoal.
"Não é minha opinião, são dados científicos. A homeopatia não tem plausibilidade científica para funcionar, está baseada em conceitos que desmentem tudo o que sabemos de química e física".
E você, médico, acadêmico de medicina ou profissional de saúde: o que pensa sobre o assunto? Deixe seu comentário!
Referências
- UOL. Homeopatia ainda divide opiniões sobre sua eficácia, mas é aceita no Brasil. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/02/10/homeopatia-ainda-divide-opinioes-sobre-sua-eficacia-mas-e-aceita-no-brasil.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em abril de 2022.
- O GLOBO. Homeopatia é feita de nada! Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/a-hora-da-ciencia/post/homeopatia-e-feita-de-nada.html. Acesso em abril de 2022.
- LE FIGARO. Les Académies de médecine et de pharmacie se prononcent contre l’homéopathie. Disponível em: https://sante.lefigaro.fr/article/les-academies-de-medecine-et-de-pharmacie-se-prononcent-contre-l-homeopathie/. Acesso em abril de 2022.
- THE GUARDIAN. French healthcare system 'should not fund homeopathy. Disponível em: https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2019/mar/29/homeopathy-french-healthcare-system. Acesso em abril de 2022.
- AGENCE SCIENCE-PRESSE.5 mythes tenaces sur l’homéopathie. Disponível em: https://www.scientifique-en-chef.gouv.qc.ca/impacts/ddr_5-mythes-tenaces-sur-homeopathie/.Acesso em abril de 2022.
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