Agentes químicos: Mecanismos de Ação e Efeitos no Organismo
Em tempos de diversos conflitos no mundo e futuros grandes eventos, como as Olímpíadas/ Paraolimpíadas 2016 no Rio de Janeiro, certos agentes químicos são utilizados para fins bélicos, levando desta forma a um número muito expressivo de baixas em um simples ataque, além de reduzir sobremaneira a efetividade operacional do inimigo, visto que há a necessidade de se utilizar equipamento específico, não condizente com o ambiente de combate convencional.
Os primeiros relatos que se têm conhecimento acerca da utilização de tais agentes para fins armamentistas datam da Idade Média. Curiosamente, nativos brasileiros aguardavam o vento favorável para confeccionar fogueiras para então introduzir nestas uma carga considerável de pimenta; a fumaça resultante de tal mistura atingia os soldados de edificações, irritando-lhes os olhos, fazendo-os desta forma sair de seus postos, tornando-se desta forma vulneráveis aos ataques.
Todavia, a importância militar deu-se na Primeira Guerra Mundial, onde o Exército Alemão descarregou 180 toneladas de gás cloro contra os belgas, ocasionando 15000 vítimas, destas 5000 foram a óbito. O mesmo preceito dos indígenas brasileiros foi utilizado, ou seja, o agente químico foi transportado através do vento até as linhas inimigas. Em 1917, no mesmo conflito, o gás mostarda foi empregado. Ao contrário de seu antecessor, o qual lesava o sistema respiratório através da inalação, este causava diversas queimaduras cutâneas, fato que forçava a utilização de vestimentas especiais, reduzindo a operacionalidade do inimigo. Estima-se que ao findar da guerra, o número de vítimas chegou ao número de 1,3 milhões, sendo 100 mil óbitos.
O gás mostarda foi empregado novamente na Etiópia por tropas italianas em 1936. Na Segunda Guerra Mundial houve uma redução drástica ou quase nenhuma utilização desses agentes, respeitando-se o Protocolo de Genebra, o qual proibia a utilização de armas químicas, porém permitia sua produção e armazenamento. A Alemanha neste período realizou produção em larga escala de substâncias organofosforadas e que atuavam em nível de sistema nervoso central, denominadas “neurotóxicas”. Durante o período da Guerra Fria, tanto do lado comunista quanto do lado capitalista os estoques desses gases para fins bélicos foram aumentando. Na guerra do Vietnã entrou em ação o agente laranja, um herbicida cujo composto principal é a dioxina. Em 1988, os curdos sofreram o primeiro ataque dos gases neurotóxicos pelo Iraque; desta vez o gás sarin foi empregado. Mais tarde o mesmo agente foi utilizado em atos terroristas no Japão, nos anos de 1994 e 1995.
Em relação aos meios de absorção, faz-se a seguinte divisão:
a) Oral: em qualquer local do trato gastrintestinal os agentes podem ser absorvidos, dependendo da concentração e pH do meio; porém, há maior probabilidade de absorção no intestino delgado.
b) Respiratória: principalmente por inalação, devido à pequena barreira oferecida pelo trato respiratório, ocasionando uma maior troca de gases em nível alveolar.
c) Cutânea: pelo número de camadas celulares, esse órgão é menos susceptível à absorção desses agentes, com exceção àqueles que têm a propriedade de serem lipofílicos.
MECANISMOS DE AÇÃO E EFEITOS NO ORGANISMO
Após a importante introdução histórica, vamos aos principais mecanismos de ação e efeitos no ser humano. Vale lembrar que o gás sarin é o principal representante dos agentes neurotóxicos, sendo que os agentes tabun, soman e VX também se incluem neste grupo.
GÁS CLORO: ação extremamente irritante e corrosiva, ocasionando um processo inflamatório intenso direto em olhos e vias aéreas. Pode provocar tosses incoercíveis, conjuntivite química, coriza. Dependendo de sua concentração, pode levar a dermatites extensas e quadro de insuficiência respiratória. Tem coloração amareladas e odor característico.
GÁS MOSTARDA: substância com ação vesicante, ou seja, causa queimaduras cutâneas severas com presença de flictenas, além de irritação intensa em mucosa respiratória e olhos, podendo levar até a cegueira. Por ser incolor, o número de vítimas é elevado e os sintomas podem ser tardios. Tem a propriedade de ser lipofílico com a facilidade de atravessar membranas celulares. Em longo prazo pode causar doenças da linhagem hematopoiética por sua ação direta na medula óssea.
GÁS SARIN: tem como principal mecanismo de ação a inibição da enzima acetilcolinesterase, acarretando o aumento de concentração de acetilcolina nas sinapses dos receptores muscarínicos e nicotínicos, sendo para este grupo de agentes uma ligação irreversível, o que condiz com a gravidade do quadro clínico. Como resultado temos um estímulo dos receptores colinérgicos parassimpáticos do SNC e pós-ganglionares (muscarínicos) e pré-ganglionares(nicotínicos). Podemos apresentar os seguintes sinais e sintomas:
- miose, produção excessiva de secreções (salivação, broncorréia, lacrimejamento, sudorese), vômitos, dores abdominais, diarréia, incontinências urinária e fecal, miofasciculações, paralisias musculares até insuficiência respiratória aguda, bradicardia e parada cardio-respiratória.
Algumas vítimas morriam instantaneamente, pois estavam próximas ao local em que o agente era jogado. Percebam que os sintomas são compatíveis com intoxicação exógena com organofosforados, porém neste caso a concentração e a via de absorção são distintas. O tratamento baseia-se na estabilização cardio-respiratória e drogas específicas, como atropina e pralidoxima.
AGENTE LARANJA (DIOXINA): utilizado inicialmente como herbicida, este composto foi utilizado na Guerra do Vietnã pelos EUA. Através de ataques aéreos os vietcongs e civis eram submetidos a tal exposição. Os sintomas iniciais são inespecíficos como náuseas, vômitos, dores abdominais e , dependendo da concentração, queimaduras cutâneas. Porém o maior malefício deste agente é a longo prazo, pois podem ocorrer mutações genéticas nas replicações celulares, originando desta forma variados tipos de neoplasias, principalmente os da linhagem hematopoiética, como linfoma de Hodgkin e Leucemia Linfocítica Crônica e em outros órgãos como adenocarcinoma de próstata. Em gestantes podem induzir a mal-formações como agenesia renal e espinha bífida. Pode permanecer por décadas no meio ambiente, sendo que há casos de vítimas do agente laranja até hoje no Vietnã.
No Brasil as medidas contra o terrorismo químico, biológico e nuclear são realizados pelo 1º Batalhão DQBRN (Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear), localizado no Rio de Janeiro-RJ, subordinado ao Exército Brasileiro e que oferece diversos cursos a militares de saúde. É uma equipe altamente especializada na identificação, descontaminação e tratamento de vítimas expostas a tais agentes. Durante meu Curso de Formação de Oficiais no Rio passei um dia conhecendo esta unidade e pude sentir o efeito do gás CS (lacrimogênio), além de diversas instruções.
Para conhecer mais sobre esse Batalhão, veja o vídeo abaixo: