Por Emerson Wolaniuk
Ocorreu no COBEM de 2012, no Teatro da FMUSP, em São Paulo, um simpósio a respeito da quantidade de médicos e de escolas de medicina necessárias no País. Representantes das duas linhas de raciocínio - pró e contra o aumento desses números - expuseram suas análises acerca do tema.
Quantos médicos e quantas escolas de Medicina o Brasil precisa?
O Dr. Milton Arruda, Presidente Docente deste COBEM, expôs algumas peculiaridades que a educação médica reflete na assistência à saúde do Brasil. Disse que a formação de médicos é uma política que demora para resolver os problemas da assistência à saúde brasileira, que vive um momento agudo e necessita de medidas diversas a essa. Referiu que, seguindo o ritmo de crescimento numérico da medicina que vemos hoje, o reflexo no sistema de saúde será observado apenas daqui a 40 anos. Questionou a postura governamental quanto às condições de trabalho dadas aos médicos que se formarão a partir de agora e também às políticas já existentes, que não suprem as reais necessidades que a medicina exige, por si, para existir.
Além desses fatos, expôs dados do IBGE de previsão de crescimento do país. Esses dados mostraram que estamos chegando um platô, e que o crescimento populacional estacionará em meados de 2030, segundo a curva desse gráfico. Dessa forma, a inflação do número de médicos não se justificaria em âmbito de planejamento futuro, posto que o aumento da demanda seria falso nesse sentido. Outro fenômeno que se segue a esse processo é o envelhecimento da população e, dessa forma, haveria a necessidade de outros profissionais da saúde e atenção ao envelhecimento, políticas diversas às adotadas hoje pelo Ministério da Saúde.
Outras veredas exploradas pelo Dr. Arruda foram em relação à retenção profissional promovida pelos cursos de residência médica. Os cursos concentrados em grandes centros fazem com que os profissionais criem suas raízes familiares e profissionais nesses locais e não migrem para regiões onde a necessidade de médicos é maior. O que mostra a necessidade de interiorização dos cursos de residência no processo de melhorar o cuidado à saúde no Brasil.
O vice-presidente do CFM, Dr. Carlos Vital Corrêa de Lima, começou seu discurso dizendo que há médicos sufientes no Brasil de acordo com a capacidade de trabalho disponível. Em relação à formação médica, ele entende que a formação tecnicista de hoje culmina por não preparar o jovem médico para a realidade de trabalho disponível no país. E salientou que um bom médico generalista é capaz de atender 70% das queixas na atenção básica e é nesse setor que deve ser investido a partir de agora.
"A sociedade precisa do bom generalista, mas não um técnico. Tem que ser médico. E isso significa uma atuação em plenitude das humanidades relacionadas à medicina. Exige-se do jovem que ele seja rico em humanidades, mas o exemplo de educação disponível hoje não ensina isso. Precisamos de melhores condições para o ensino médico para formar o médico que a sociedade precisa. Temos muitas residências que são absolutamente precárias, sem condições minimamente necessárias a esse tipo de formação." - Carlos Vital Correia de Lima
Em relação à revalidação de diplomas, o vice-presidente do CFM diz ainda que é preciso estabelecer um modelo eficaz para esse processo, e deu o exemplo do Canadá, que oferece uma tutoria de um ano ao médico estrangeiro e, subsequente a essa fase, ele necessita de mais 5 anos atuando sob supervisão até que possa exercer a medicina de forma liberal. Terminou sua explanação com a seguinte frase:
"Precisamos de postos de trabalho para o exercício da medicina. E também espaço para exercer a cidadania neste País."
Dr. Jorge Harada, representando o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde - CONASEMS, disse que o SUS enfrenta dificuldades crescentes devido ao subfinanciamento, o que interfere diretamente na gestão do trabalho em saúde. Evidenciou as disparidades entre número de médicos por mil habitantes nas cinco grandes regiões, sendo os extremos de 2.61 médicos por mil habitantes no Sudeste, e apenas um terço desse valor na Região Norte, o,68. E essa heterogeneidade não fica apenas no âmbito territorial, mas também em relação ao setor público versus privado.
"A saúde tem sido tratada como um bem de consumo, e não como um direito constitucional de cidadania."
Em relação aos defeitos do sistema vigente, ele afirma que deve-se investir não só na capacitação e melhoria da mão de obra existente, mas em transporte na integração entre os níveis de complexidade e na maior integração entre eles. Além disso, deve-se dar mais valor aos benefícios do trabalho em equipes de saúde.
Os estudantes também tiveram voz no simpósio. A coordenadora geral do DENEM, Marcela Vieira, de Recife, trouxe dados que reafirmam a disparidade público-privada. Há 7.6 postos de atendimento médico para cada mil habitantes no sistema privado, enquanto o sistema público tem 1.95 para o mesmo número de habitantes.
"Neste momento, o mercado regula a nossa formação. As políticas de saúde são induzidas pelo SUS, mas disputadas pelo setor privado."
Essa realidade ficou especialmente evidente no posicionamento do Secretário de Gestão de Trabalho e da Educação em Saúde, Mozart Sales:
"Não podemos negar que "os russos" existem." - Disse o Secretário em relação à negociação política com os planos de sáude suplementar.
Ele salientou o fato de que o Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes que aceitou o desafio de promover um sistema universal de saúde. O dilema dos gestores, disse Sales, é conciliar as necessidades crescentes com recursos limitados. E ressaltou que o Brasil tem íntimo contato com sistemas reconhecidamente eficazes de saúde, como o Reino Unido e o Canadá para aprender e melhorar as políticas nacionais de saúde.
Defendeu veementemente o Ministério da Saúde, dizendo que precisa-se aumentar o número de médicos. Citou, nesse sentido, a Inglaterra, que tem 2.7 médicos para cada mil habitantes, enquanto o Brasil possui 1.95. Porém, revogamos esse argumento, pois deve-se ter em mente de que não há um indicador amplamente aceito sobre qual deve ser esse número ideal. As necessidades variam de acordo com cada modelo assistencial e com fatores históricos de cada país. Não se pode comparar esses dados nesse sentido.
Ainda sobre a necessidade de aumento de médicos, disse que o sistema de saúde tem capacidade de absorvê-los.
"Há muitas regiões em que há capacidade instalada para três, quatro equipes de saúde, mas só tem uma equipe trabalhando."
Contra o argumento de que 42% das Unidades Básicas de Saúde estavam em desacordo com critérios estabelecidos pela própria Anvisa, ele defendeu o Ministério, dizendo que o governo tem trabalhado para regularizar essa situação. Defendeu também a abertura de cursos de Medicina inclusive na cidade de São Paulo, que já dispõe de 11 faculdades:
"São Paulo tem capacidade instalada demais e gente demais. Guarulhos, por exemplo, tem mais de 1 milhão de habitantes e nenhuma escola de medicina."
Mozart Sales disse ainda que o mercado médico está aquecido, e falou contra a estagnação da empregabilidade médica. Exemplificou, dando o exemplo de que o SUS está adquirindo 50 máquinas de radioterapia - um investimento aproximado de 50 milhões de reais, e que há 6.622 vagas de acesso imediato no Programa Saúde da Família - PSF, no Brasil. Disse ainda que a situação dos médicos não ficará dramática nos próximos dez a vinte anos. Ao defender as posturas governamentais, disse que:
"Precisamos estruturar a saúde, e o Ministério está fazendo isso."
Mas não deu outros esclarecimentos à classe médica sobre como isso está sendo feito em maiores detalhes ou em argumentos mais convincentes.
"O Governo Dilma está investindo no setor público. O Ministério da Saúde está de olho na questão da necessidade com base no território, é criterioso e delicado nesse processo. Estamos avaliando a rede instalada de saúde, e a partir dessa análise é que estamos criando novos cursos de Medicina."
Nesse segundo dia, assistimos a um eterno confronto de dados sobre esses temas no 50 COBEM. Governos estaduais e municipais dão respaldo a atitudes federais, que recebem evidente pressão dos planos de sáude no aumento numérico de médicos e escolas de medicina. Os médicos, utilizando-se do rigor científico e das evidências, buscam diagnosticar as fraquezas do sistema em que trabalham e tratam em regime de urgência a necessidade de uma ampla reformulação da educação médica, das políticas de saúde e da profissão.
Acompanhe no Academia Médica os melhores momentos do 50 COBEM!