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Dia Internacional da Visibilidade Transgênero e a Medicina: um longo caminho a percorrer

Dia Internacional da Visibilidade Transgênero e a Medicina: um longo caminho a percorrer
Caroline Ahrens Ortolan
jan. 30 - 6 min de leitura
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No dia 29 de janeiro é comemorado o Dia Internacional da Visibilidade Trans. A data tem como objetivo promover a sensibilização da sociedade por mais conhecimento sobre as identidades de gênero, com o intuito de combater os estigmas e a violência sofridos pela população trans e reiterar os direitos dessa população.

O termo trans, inclusive, abarca um grande número de identidades: travestis, mulheres e homens transgêneros, pessoas intersexo, pessoas não-binárias, entre outras, e é um termo que busca valorizar todos os atravessamentos que se dão dentro da interseccionalidade da letra T, da famosa sigla LBTQIA+.

Aproximadamente 2% da população adulta brasileira (cerca de 4 milhões de pessoas), se identificam como transgênero e não binárias. A legislação brasileira, em seu Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016 - que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional - representa um esforço teórico no sentido de acolhimento desta população. No entanto, sabemos que na prática a realidade é ainda bastante distante.

Lembro-me muito bem da primeira paciente trans que atendi enquanto acadêmica de Medicina. Era uma quinta-feira, final de tarde, durante um plantão no pronto socorro. A paciente Letícia chegou trazida por uma ambulância do SAMU, vítima de agressão corporal. Em seus documentos, constava ainda o nome Pedro. Letícia havia sofrido diversas lesões nos membros, abdome, seios e rosto. Era uma mulher trans que havia sido agredida pelo simples fato de ser Letícia e não mais Pedro.

No Brasil, de acordo com dados da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), pessoas trans têm expectativa de vida de cerca de 35 anos – menos da metade da população brasileira em geral. Pelo 12º ano consecutivo, o Brasil se encontra no topo do ranking mundial como o país que mais mata pessoas trans, em especial travestis e mulheres trans.

Além de toda a violência, preconceito e exclusão que sofrem desde que se assumem (sendo expulsas cedo de casa, tendo dificuldades no acesso à educação e à colocação no mercado de trabalho, acabando por muitas vezes a encontrar na prostituição uma forma de subsistência), as pessoas trans têm maior exposição a uma série de doenças, inclusive ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) e são muito mais propensas a desordens de saúde mental. Elas apresentam índices de tentativa de suicídio em torno de 43%, sendo que na população em geral este valor é de cerca de 3,7%.

Vale destacar que apenas em maio de 2019, durante a 72ª Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra, a transexualidade deixou oficialmente de ser considerada uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS), depois de ter sido por 28 anos mantida como transtorno mental na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde (CID). Pela nova edição (CID 11), a transexualidade passa a integrar agora a categoria de “condições relacionadas à saúde sexual”, sendo classificada como “incongruência de gênero”: um sentimento de profunda angústia devido ao conflito entre a identidade da pessoa e o gênero a ela atribuído no nascimento.

Ainda tratando especificamente do papel da Medicina no atendimento a estas pessoas, cabe lembrar da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, instituída pela Portaria nº 2.836, de dezembro de 2011, que possui o objetivo geral de promover a saúde integral da população LGBT, eliminando a discriminação e o preconceito institucional e contribuindo para a redução das desigualdades e para a consolidação do SUS como sistema universal, equitativo e integral.

O processo transexualizador representa mais uma vitória para a população trans e travesti, instituído pelas Portarias nº 1.707 e nº 457, de agosto de 2008, que garantem o acesso a procedimentos como terapias hormonais (hormonização), acompanhamento multiprofissional e a cirurgias de modificação corporal e genital. O atendimento é composto pela atenção básica, que representa a porta de entrada ao sistema de saúde e realiza avaliações médicas e encaminhamentos; e pela atenção especializada, que pode ser ambulatorial, com acompanhamento psicoterápico e hormonioterapia e hospitalar, para a realização das operações.

Hoje, no Brasil, existem cinco hospitais habilitados a realizar cirurgias de transgenitalização pelo SUS, cerca de seis ambulatórios do SUS e 22 ambulatórios das redes de saúde estaduais. Para que um paciente possa iniciar o processo transexualizador, deve ter mais de 18 anos para poder iniciar a hormonioterapia e mais de 21 para as cirurgias de redesignação sexual. Ainda, o paciente deve ter passado por avaliações psicológicas e psiquiátricas durante um período de pelo menos dois anos.

Embora muitos avanços tenham ocorrido, lembro-me claramente do rosto quase desfigurado de Letícia. Quantas Letícias não devem chegar aos prontos-socorros deste nosso Brasil e serem maltratadas, humilhadas e negligenciadas por profissionais de saúde? Sabemos que a ignorância humana pode ser infinita e os ambientes de saúde não estão ilesos. Temos um longo caminho a percorrer, sendo que este caminho começa na educação. Para começo de conversa, a temática do atendimento à população trans deve estar presente nas disciplinas obrigatórias das universidades.

Os sistemas de saúde devem estar preparados para atender pessoas trans de forma digna, respeitosa e científica. É urgente reconhecer que estes pacientes têm demandas específicas, como homens com útero e mulheres com próstata, realidade frequentemente ignorada pelo SUS e pelos planos de saúde. Mais ainda, é preciso reconhecer que existem pessoas que menstruam e que gestam, para além das normas da cisgeneridade. Precisamos agir na prevenção de enfermidades de corpo, mente e alma, e garantir o acesso à saúde plena destas pessoas, as respeitando e acolhendo. Muitas conquistas foram feitas, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.

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