Que tipo de médico você é?
Vou contar uma breve crônica sobre alguns de nós...
Doutor X sempre foi um excelente aluno, sempre dedicado, obtinha as melhores notas e até laureado foi.
Formou-se ainda muito jovem e é unanimidade para todos. Doutor X está 'fora da curva': domina a fisiopatologia, compreende todos os mecanismos bioquímicos e etiológicos. Além disso, conhece as principais drogas, posologias e efeitos adversos dos principais fármacos que prescreve.
Doutor X tem na ponta da língua inúmeros diagnósticos diferenciais; consegue decorar critérios, valores de referência. Lê eletrocardiograma como ninguém. Quando dá plantões, coloca em prática todo seu manejo com drogas vasoativas, acessos centrais e ventilação mecânica.
Doutor X sabe demais, só não gosta muito de examinar seus pacientes! Não que ele não saiba as centenas de testes, sinais e manobras semiológicas, longe disso; mas ele simplesmente não consegue, tem um bloqueio natural que também nunca fez muita questão de mudar, “afinal, existem pessoas e pessoas”, diz ele.
Doutor X aprendeu tudo o que uma graduação de medicina poderia lhe ensinar. Mas nem tudo sobre medicina é ensinado na faculdade, há coisas que não têm como ensinar e desse modo, por ter dificuldade em tocar o paciente, às vezes, ele erra: diagnósticos passam batidos, pulsos ausentes deixam de ser sentidos, linfonodos deixam de ser palpados.
Para ele, exame complementar é algo essencial: Doutor X acaba, sem má índole, cometendo muita iatrogenia. Sabe aquele ditado: "O que os olhos são veem, o coração não sente!" Não o dele, mas dos seus pacientes sente, sim...
Como já disse, Doutor X é uma enciclopédia, mas no dia a dia o vejo muitas vezes frustrado: não consegue fazer seus pacientes aderirem as suas condutas: seu João rejeita a insulina; Dona Maria se nega a fazer a mamografia; Tiago continua a sofrer de insônia; Murilo não tem sua PA controlada; Josinaldo só vai ao consultório para pedir encaminhamentos e seu Cláudio, que estava bem compensado do hipotireoidismo, marcou consulta com outro médico da mesma clínica.
Outro dia Severina disse que Doutor X é um médico muito sábio mas nem olhou na cara dela e jogou a receita que ele havia prescrito no lixo na saída do consultório particular. Com dona Lindalva não foi diferente, lá na UPA ela contou que Doutor X a examinou e disse que era DNV! Ela não entendeu nada, parece que ele também não...
E aí fico pensando... 6 anos de graduação e mais 4 ou 5 anos de residência médica para não conseguir fazer seu paciente aderir ao tratamento?! 10 anos de formação para se torna um mero prescritor? Congressos e mais congressos para ser um encaminhador? Inúmeros de artigos publicados e não consegue tocar o paciente. Trabalhos premiados, mas não sabe lidar com negativas...
Doutor X estava ocupado demais lendo guidelines e acabou perdendo na aula da vida algo que todo médico deve buscar ter: EMPATIA. Na etimologia significa:
Capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer, de apreender do modo como ela apreende etc.
psic processo de identificação em que o indivíduo se coloca no lugar do outro e, com base em suas próprias suposições ou impressões, tenta compreender o comportamento do outro.
soc forma de cognição do eu social mediante três aptidões: para se ver do ponto de vista de outrem, para ver os outros do ponto de vista de outrem ou para ver os outros do ponto de vista deles mesmos.
do gr. empátheia, as 'PAIXÃO'.
Com o tempo ele esqueceu que, sem construir pontos de igualdade, sem olhar nos olhos ou tocar seus pacientes, eles jamais acreditarão fielmente nele, por mais conhecimento que possa aparentar ter.
E assim Doutor X segue sendo um grande técnico, mas não médico...
Ser Médico é muito mais que compreender mecanismo, posologias e diagnósticos; é mais que participar de congressos; isso se torna insuficiente quando seu paciente não adere a suas condutas, orientações, solicitações e recomendações (dentro de um contexto no qual você poderia tê-lo convencido ou tratado).
Todo conhecimento que ganhamos, todos os congressos e livros que lemos devem ter uma única função: aprimorar nosso saber para que possamos fazer ainda mais e melhor por nossos pacientes! Toda ideia fora dessa é EGO, é retroalimentação de nós mesmo!
Pensem nisso: toquem, sintam, criem pontes, sejam empáticos e amem o que fazem. Ser médico é uma dádiva, sinta isso e todo o resto virá!
"Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." - Carl Jung