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Como consumismo, escassez, desigualdade e falta de saneamento básico impactam a saúde?

Como consumismo, escassez, desigualdade e falta de saneamento básico impactam a saúde?
Lilian Galligani
mar. 25 - 6 min de leitura
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"A arte imita a vida" - Aristóteles 

O filme Wall-E retrata uma Terra pós-apocalíptica destruída devido à poluição ambiental causada pela produção e consumismo desenfreado. Na produção, o homem é enviado ao espaço, porém continua sem consciência de seus atos. É sedentário e consome alimentos fast food, sem se importar com a quantidade dos resíduos gerados e sua destinação. Ao contrário do filme, nós ainda não temos a possibilidade de fugirmos para o espaço.

Leia também: A crise na saúde planetária

Dito isso: como o consumismo, a falta de consciência sobre escassez dos recursos e os problemas de saneamento básico impactam a saúde?  Não é tão simples responder essa pergunta, mas neste texto, eu compartilho algumas reflexões para pensarmos na importância deste assunto em uma perspectiva interdisciplinar.

Recentemente, celebramos o Dia Mundial da Água (22 de Março, e será que há o que celebrar? O Instituto Trata Brasil divulgou um Ranking do saneamento básico, considerando as cinco regiões do Brasil: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste. 

A publicação destaca que o país ainda enfrenta muitos desafios para dar conta dos compromissos nacionais e internacionais sobre água tratada, coleta e tratamento de esgoto. 

Em 2020, o Brasil firmou o compromisso com  Novo Marco Legal do Saneamento (Lei Federal 14.026/2020), tendo como uma das metas, segundo o Art.11-B, garantir o fornecimento de água para 99% da população e garantir a coleta do tratamento de esgoto para  90% do país até 31 de dezembro de 2033, assim como metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento.

Para se chegar à universalização seriam necessários investimentos de R$ 6,4 bilhões nos próximos 35 anos; recursos capazes de incorporar quase 2,5 milhões de pessoas no sistema de distribuição de água tratada e cerca de 6,3 milhões de pessoas no sistema de coleta de esgoto.

Essas metas são muito necessárias, já que a realidade em que vivemos no país, em pleno ano de 2022, é assustadora. Atualmente, 100 milhões de brasileiros vivem sem coleta de esgoto segundo o Ranking do Saneamento Instituto Trata Brasil 2022

O estudo também destaca que  35 milhões de pessoas não tem acesso à água tratada e, diariamente, são despejadas na natureza o equivalente a 5368 piscinas olímpicas de esgoto. Ou seja: água que poderia ser tratada, limpa e garantir mais dignidade para as pessoas.

Afinal, o que saneamento básico, desperdício e escassez de recursos tem a ver com a saúde?

Em 2019, mais de 273 mil pessoas foram internadas no Brasil devido à falta de saneamento básico. Em 2020, a taxa de óbitos em decorrência de doenças por veiculação hídrica chegou foi de 0,07% (óbitos por 10 mil habitantes) segundo dados divulgados no Painel Saneamento Brasil (você pode conferir todos os dados na íntegra no site).

Parte dessas internações afetam crianças e adolescentes que sofrem com vômitos e diarreias frequentes e, consequentemente estão expostos à desnutrição e sequelas neurológicas permanentes que geram outras consequências como o atraso no aprendizado, por exemplo.

Assim, o ciclo de pobreza é alimentado. Afinal, estes futuros adultos não terão condições de competir no mercado de trabalho cada vez mais técnico e complexo.

Essa situação é pior ainda para as meninas conforme apresentei em minha publicação "Vulnerabilidade menstrual, um problema de saúde pública" (te convido à leitura!).

Em síntese: a falta de acesso à água gera um manejo insuficiente ou inadequado da menstruação e, deste modo, as meninas podem desenvolver diversos problemas de saúde como, por exemplo:  alergia e irritação da pele e mucosas, infecções urogenitais como a cistite,  candidíase, e até uma condição que pode levar à morte, conhecida como Síndrome do Choque Tóxico.

Do ponto de vista da saúde mental, a pobreza menstrual pode causar desconfortos, insegurança, estresse. 

De modo geral, se prevê que entre 2021 e 2055, estima-se que o custo com horas pagas e não trabalhadas em razão dos afastamentos por diarreia ou vômito e por doenças respiratórias pode ser em R$ 775,6 milhões graças ao avanço do saneamento.

Além disso, haverá redução das despesas com internações por infecções gastrointestinais e respiratórias na rede hospitalar do SUS. Os gastos anuais devem ficar R$ 861,8 milhões abaixo do que seria incorrido caso não houvesse a universalização do saneamento.

O valor presente da economia total com a melhoria das condições de saúde da população desses municípios entre 2021 e 2055 deve ser de R$ 8,8 bilhões, que resultará num ganho anual de R$ 250,8 milhões.

Por fim, é evidente que o investimento em saneamento básico impacta na saúde pública, nas melhorias das despesas no SUS e na universalização do acesso à água e coleta do esgoto. Com mais investimento, todos serão beneficiados, uma vez que as desigualdades sociais serão atenuadas, as pessoas podem ser mais produtivas e, sem dúvidas, se sentirão melhor tanto fisicamente, quanto mentalmente.

Gostou do tema ou tem alguma contribuição para o debate? Deixe seu comentário!


Referências

  1. INSTITUTO TRATA BRASIL. Ranking do Saneamento 2022. Disponível em: https://www.tratabrasil.org.br/images/estudos/Ranking_do_Saneamento_2022/Vers%C3%A3o_Final_-_Ranking_do_Saneamento_2022.pdf. Acesso em 24 de março de 2022.
  2. INSTITUTO TRATA BRASIL. Painel Saneamento Brasil, Saneamento + Saúde. Disponível em:https://www.painelsaneamento.org.br/saneamento-mais/por-ano?id=1&S%5Bid%5D=3. Acesso em 24 de março de 2022.
  3. BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/lei-n-14.026-de-15-de-julho-de-2020-267035421. Acesso em 24 de março de 2022.

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