A greve dos residentes da UNIFESP como retrato dos investimentos em saúde e educação no Brasil
Desde o dia 23 de junho os médicos residentes da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) declararam greve pela falta de condições de assistência e ensino em seus principais campos de estágio compostos pelo Hospital São Paulo, rede de ambulatórios e rede de Atenção Primária à Saúde. Antes deles, os funcionários técnico-administrativos já haviam aderido à paralisação e agora aderem também os componentes da residência multiprofissional.
Representados pela Associação dos Médicos Residentes da Escola Paulista de Medicina (AMEREPAM), pela Associação dos Médicos Residentes do Estado de São Paulo (AMERESP) e pela Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR), diversas foram as tentativas de evitar que a situação chegasse à greve: ocorreram inúmeras reuniões com a diretoria da faculdade, com a reitoria da universidade e com o conselho gestor da unidade hospitalar, porém a rede de ensino e assistência continua com déficit importante de medicamentos essenciais, suprimentos básicos (como luvas e agulhas), além da redução do número de cirurgias eletivas realizadas por um dos meus maiores dos maiores complexos de saúde do município de São Paulo.
Cientes do impacto que a paralisação das atividades causa à população, os médicos residentes (que compõem aproximadamente 1/3 do corpo clínico do Hospital São Paulo e contribuem de maneira substancial nos ambulatórios e unidades básicas de saúde) reuniram-se com os usuários e até o presente momento já obtiveram aproximadamente 3000 assinaturas em apoio à greve em abaixo-assinado em meio físico e virtual, corroborando a revolta da população frente à situação de filas infindáveis para tratamentos clínicos e cirúrgicos e a desassistência a que estão submetidos.
Mas qual seria a causa da crise de uma universidade e de um hospital federal situado em um dos maiores pólos econômicos do país?!
A resposta a essa pergunta vem primordialmente da alocação ainda insuficiente de investimentos à saúde e à educação. A situação tornou-se, no entanto, insustentável, com a promulgação do decreto nº 8456, de 22 de maio de 2015, pelo Governo Federal, o qual determinou corte de R$11,774 bilhões dos repasses ao Ministério da Saúde, bem como com a decisão do corte de aproximadamente 40% das verbas da UNIFESP e de outras tantas universidades federais do país. A Universidade Federal de São Paulo passa, portanto, a ser mais uma vítima do que já era percebido em outras instituições no restante do país, antes símbolos de excelência do SUS e da formação voltada para a área da saúde, atualmente sofrendo com a adoção de uma política restritiva de investimentos, além de uma gestão deficitária dos recursos.
No aspecto do fortalecimento das universidades federais cabe uma segunda pergunta que vem ao encontro da situação da UNIFESP e dos investimentos relacionados à educação: seria realmente prudente a abertura de mais e mais escolas médicas e universidades (como divulgado recentemente) sendo as já existentes depauperadas dia a dia? A resposta tende a ser negativa quando pensamos que a maioria das faculdades de medicina federais, já em grande número e com diversidade de locais de instalação, não tem estrutura física e pedagógica suficientes para formar profissionais que possam atender às demandas do Sistema Único de Saúde (SUS). Aumentar o número de instituições sem o padrão desejável seria, mais uma vez, uma forma simplista de almejar uma saúde com suposto número de profissionais suficiente sem que haja qualidade de formação e de assistência que os cidadãos brasileiros merecem, apostando os escassos recursos na perpetuação do caos que aí está.
Campus de Medicina da UNIFESP - Complexo Hospital São Paulo e ambulatórios.
créditos: José Luiz Guerra
Da mesma forma em que pensamos na qualidade de formação e no número de profissionais, devemos pensar na fixação dos mesmos nas áreas prioritárias e, a partir disso, segue a terceira pergunta: como fazer com que os médicos se fixem nas regiões onde são mais necessários? E novamente a resposta não passa pela abertura de novas escolas médicas e sim pela melhoria da qualidade de formação das mesmas. O médico que termina sua graduação e vê na própria universidade a oportunidade de realizar sua formação complementar, com perspectivas reais de iniciar suas atividades no município ou região onde se especializa, tem grandes chances de assistir à população do local, sem migrar para grandes centros urbanos a procura de formação e melhores condições de assistência. A (re)conquista de um padrão de excelência na formação de médicos das universidades federais de todo país deve, por esse prisma, levar em conta um plano de reestruturação que compreenda não somente a graduação, mas também a residência médica, uma vez que já se provou cientificamente que a residência é um dos fatores primordiais de fixação do profissional aliado a outros, como estrutura para atuar e plano de carreira.
Assim, pensando na sustentabilidade e na equidade dos escassos recursos que dispomos para saúde e educação (no que se refere à formação de recursos humanos), não podemos pensar que mais qualidade e, inclusive, que mais acesso sejam conseguidos com mais unidades formadoras, mas no investimento naquelas que sempre prestaram um grande serviço aos usuários do SUS por todo país, principalmente em áreas de grande vulnerabilidade, agregando a estas uma visão realista e um diagnóstico crítico do que queremos para o nosso país e do que precisamos.
A questão da greve dos médicos residentes da UNIFESP deixa claro, portanto, que não podemos continuar pensando em investimento somente para os próximos 4 anos, fazendo com que um suspiro breve se dê frente às diversas crises, mas em um plano de reestruturação do SUS passe a ser concatenado com o que se espera para os próximos 20, 30, 50 anos em uma política de Estado construída com o objetivo comum entre usuários, profissionais e gestores de fortalecer o SUS e garantir o direito dos brasileiros a uma saúde pública, universal e acessível em sua plenitude.