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Medicina Hiperbárica – Tratando doenças com oxigênio

Medicina Hiperbárica – Tratando doenças com oxigênio
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jul. 26 - 11 min de leitura
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Medicina Hiperbárica – Tratando doenças com oxigênio

A medicina é um campo do conhecimento que incorpora quase todas as descobertas feitas pela humanidade e conceito de tratamento médico como algo que envolve apenas cirurgias e remédios é bastante simplório. Lembro-me quando estava ainda na faculdade de medicina e conversava com alguns colegas sobre especialidades das quais já ouvimos falar e que eram bastante heterodoxas às mais usuais, e que realmente pouco compreendíamos, e por isso mesmo nós as considerávamos muitas vezes como pseudociência ou charlatanismo. Uma dessas era a Medicina Hiperbárica.

O que é a Medicina Hiperbárica?

As imagens referentes à medicina hiperbárica pipocam na cultura pop. Desde imagens de Michael Jackson dormindo em uma delas até mesmo do Darth Vader se recuperando em uma delas entre as batalhas na saga de Star Wars.

Câmara hiperbárica na cultura pop. Da esquerda para a direita: Michael Jackson analisando sua câmara particular. Darth Vader emerge de sua câmara pessoal, em cena da série Star Wars. Câmara hiperbárica na cultura pop. Da esquerda para a direita: Michael Jackson analisando sua câmara particular. Darth Vader emerge de sua câmara pessoal, em cena da série Star Wars.

Movido pela minha curiosidade inata, decidi buscar mais e descobri que no Brasil existia um curso, organizado pela Sociedade Brasileira de Medicina Hiperbárica, de extensão pós-universitária que poderia oferecer as bases para compreensão desta especialidade médica.

Os primórdios da oxigenoterapia hiperbárica (OHB) iniciaram-se em 1662, antes mesmo de o oxigênio ser descoberto, quando um médico inglês chamado Henshaw descobriu que, colocando pessoas feridas dentro de um sistema fechado com ar bombeado com um sistema de válvulas, era observada aceleração do processo de cura.

Esse processo foi aprimorado com o passar dos anos, e no início do século XIX já era melhor compreendido. Na década de 1830 surgiram as primeiras câmaras de aplicação de pressão de ar, criadas por Junod e Pravaz, o que os levou a se espalhar pela Europa aplicando o que chamavam de “banhos de ar comprimido”.

Já na primeira metade do século XX, houve foco da Medicina Hiperbárica para tratamento de descompressão com aviadores e mergulhadores e também o uso nas tropas da Segunda Guerra Mundial no tratamento de feridas e das complicações de armas químicas.

As câmaras hiperbáricas atuam utilizando-se de dois princípios científicos, ensinados comumente no ensino médio: A lei de Boyle, que mostra a relação entre volume e pressão para os gases, de forma que ao se injetar grandes quantidades de gás em uma câmara fechada e inelástica a tendência é que a pressão dentro desse sistema aumente; e a lei de Henry, que mostra que num sistema de temperatura constante, o aumento da pressão parcial de um gás torna-o mais solúvel na água.

O efeito do oxigênio em altas pressões no corpo humano

Ao se injetar numa câmara hiperbárica grandes quantidades de oxigênio, a solubilidade deste nos tecidos tende a aumentar, atingindo concentrações ótimas em 2 a 3 ATM. O resultado disso, no corpo é bastante interessante.

Em uma pessoa saudável, com níveis de hemoglobina dentro da normalidade, numa pressão de 1 ATM, a concentração de O2 no sangue é de cerca de 20ml/100ml. Nas condições de um tratamento de oxigênio hiperbárico, essas concentrações podem se elevar de 15 a 25 vezes!

Esses resultados são tão incríveis que em experimentos realizados nos anos 1960, um pesquisador conseguiu manter porcos, dos quais ele havia substituído todo o sangue, vivos em câmaras hiperbáricas devido ao enorme aumento da solubilidade do oxigênio.

O aumento da concentração do oxigênio no corpo tem repercussões muito importantes, pois muitas doenças crônicas podem causar alterações vasculares que impedem a distribuição adequada do oxigênio nas células do corpo, e a OHB pode ajudar bastante, permitindo que o oxigênio alcance os locais em cicatrização e acelerando o processo.

O oxigênio em altas concentrações ainda pode reduzir a gravidade e até ajudar a combater muitas infecções, por seu efeito tóxico a diversas bactérias.

Para embolias causadas pela injeção de gases nos vasos sanguíneos ou como decorrência de síndromes descompressivas o tratamento com OHB é o melhor tratamento disponível.

O oxigênio ainda tem mais um efeito muito curioso: Ao se elevar a sua taxa nos vasos sanguíneos o corpo tende a realizar uma vasoconstricção, que em pacientes com quadro de edema cerebral ou em grandes queimados reduz a perda de água para o terceiro espaço e ajuda a combater o edema de forma significativa.

Indicações da Oxigenoterapia Hiperbárica

De acordo com a Resolução 1457/95 do CFM, as indicações para tratamento com Oxigenoterapia Hiperbárica são as seguintes:

• Embolias gasosas;
• Doença descompressiva;
• Embolia traumática pelo ar;
• Envenenamento por CO² ou inalação de fumaça;
• Envenenamento por cianeto ou derivados cianídricos;
• Gangrena gasosa;
• Síndrome de Fournier;
Outras infecções necrotizantes de tecidos moles: celulites, fasciítes e miosites;
• Isquemias agudas traumáticas: lesão por esmagamento, síndrome compartimental, reimplantação de extremidades amputadas e outras;
• Vasculites agudas de etiologia alérgica, medicamentosa ou por toxinas biológicas (aracnídeos, ofídios e insetos);
• Queimaduras térmicas e elétricas;
• Lesão refrataria: úlceras de pele, pés diabéticos, escaras de decúbito, ulcera por Vasculites autoimunes, deiscência de suturas;
• Lesões por radiação: radiodermite, osteorradionecrose e lesões actínicas de mucosas;
• Retalhos ou enxertos comprometidos ou de risco;
• Osteomielites;
• Anemia aguda, nos casos de impossibilidade de transfusão sanguínea.

Visando ampliar e especificar melhor as indicações de OHB, e baseando-se em evidências científicas atuais, a SBMH elaborou uma lista expandida de indicações e recomendações para o uso de OHB contendo 71 indicações.

Dentre as indicações mais importantes são para tratamento de úlceras varicosas, complicações de feridas cirúrgicas, lesões secundárias causadas por tratamentos de radioterapia e pé diabético. O pé diabético é uma complicação da diabetes que ocorre em cerca de 20% dos pacientes em algum ponto das suas vidas, na qual complicações microvasculares diminuem a oxigenação das extremidades, de forma que microtraumas podem complicar e tornar-se feridas que nunca fecham. O tratamento destes pacientes é muito difícil e cerca de 25% podem evoluir para amputações, porém diversos estudos já demonstraram que o uso de OHB pode reduzir as chances de amputação em até 50%.

O tratamento de hiperbárico

O médico hiperbaricista é o responsável pela avaliação do paciente e indicação ou não de tratamento, além do número de sessões. Os tratamentos costumam ser em sessões diárias, com duração de 90 minutos a 2 horas.

Existem dois tipos de câmara hiperbárica: a monoplace, onde o paciente fica sozinho, deitado, numa câmara transparente, repleta oxigênio com concentração de 100%, com 2 a 3 ATM; ou numa câmara multiplace, que pode acomodar de 4 a 12 pessoas, onde todos ficam num ambiente com ar comprimido, também em altas pressões, enquanto inalam oxigênio puro em máscaras. A efetividade de ambos os tipos de câmara é idêntica, porém a câmara multiplace é melhor para pacientes claustrofóbicos.

Devido à alta combustibilidade do oxigênio hiperbárico, são tomadas diversas medidas de segurança antes e durante cada tratamento para evitar acidentes.

O número de sessões é bastante variável, e pode ir desde 1 sessão, para casos de doença descompressiva, e em geral de 15 a 40 sessões, porém o tratamento pode ser feito de maneira ambulatorial, e a taxa de complicações é mínima, sendo a maioria delas por desconforto nos ouvidos devido as mudanças de pressão, porém estas geralmente podem ser corrigidas com pequenas manobras de Valsalva.

Como contraindições absolutas existem apenas pneumotórax não tratado e o uso dos quimioterápicos doxorrubicina e bleomicina e a medicação acetado de mafenida (Sulfamylon).

O tratamento é coberto pelo SUS para as indicações previstas pelo CFM, e segundo ANS, a cobertura dos convênios é obrigatória. Pela CBHPM, cada sessão de OHB vale R$ 429,85, porém esse valor varia muito entre os convênios, porém o tratamento com OHB é considerado custo-eficaz, por reduzir enormemente número de dias de internação hospitalar e uso de antibióticos.

A Oxigenoterapia Hiperbárica no Brasil

No site da Sociedade Brasileira de Medicina Hiperbárica estão cadastrados 88 serviços funcionantes no Brasil, sendo que muitos estados não possuem nenhum serviço, além de 144 médicos registrados como especialistas.

A medicina hiperbárica, embora seja considerada área de atuação de Pneumologistas, cirurgiões e médicos intensivistas, é exercida por médicos de formações diversas, provavelmente pela falta de programas de residência que incorporem esta especialidade. A formação oficial dos especialistas se dá através do programa de pós-graduação organizado pela SBMH além dos cursos anuais de extensão universitária em medicina hiperbárica.

A maior limitação para quem quer trabalhar neste ramo é receber os pacientes. Apesar de haverem dezenas de indicações para OHB já bem estabelecidas, muitos médicos não encaminham seus pacientes para serem avaliados por um médico hiperbaricista, seja por preconceito ou por falta de conhecimento, pois a maioria dos centros de formação do país não contam com um centro de medicina hiperbárica dedicado. Até mesmo no Hospital da Clínicas da USP, um dos maiores centros de formação de especialistas do Brasil, o serviço de OHB está desativado há anos.

Em conclusão, a Medicina Hiperbárica é uma área cientificamente bem estabelecida, que possui uma demanda reprimida no Brasil, e que tem uma tendência de crescimento nos anos a seguir. Vale a pena se informar e aprender quando encaminhar seus pacientes para a avaliação de um hiperbaricista.

Grande abraço a todos!

Para saber mais sobre outras especialidades médicas, dá uma olhada no nosso livro "Como Escolher uma Residência Médica".

Livros sobre medicina hiperbárica:

Medicina Hiperbárica - Nina Subbotina

Physiology and Medicine of Hyperbaric Oxygen Therapy - Tom S. Newman

Textbook of Hyperbaric Medicine - Kewal K. Jain

Para mais informações sobre Medicina Hiperbárica, favor acesse os seguintes links:


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