Artigo escrito em coautoria com a hematologista Dra. Daniela de Oliveira Werneck Rodrigues
A primeira transfusão de sangue bem sucedida foi realizada pelo médico inglês James Blundell no século XIX, em mulheres com hemorragia pós-parto. No século XX, com a descoberta dos diferentes tipos sanguíneos por Karl Landsteiner, o processo transfusional tornou-se mais seguro e durante a Primeira Guerra Mundial foram desenvolvidas técnicas para conservação do sangue, como a refrigeração e o uso dos anticoagulantes. O primeiro banco de sangue do mundo foi fundado em Barcelona (Espanha) no ano de 1936 e a partir do final da Segunda Guerra Mundial, vários bancos de sangue foram criados, inclusive no Brasil, considerando a possibilidade de utilização da transfusão como ferramenta terapêutica.
Com o passar dos anos, o aprimoramento dos processos da hemoterapia somado à crescente indicação deste espécime único, levou à criação de hemocentros regionais, que buscam atender áreas a ele conectadas territorialmente.
A Fundação Hemominas de Juiz de Fora atende atualmente 56 instituições de saúde, distribuídas em 25 cidades da Zona da Mata, Vertentes e Sul de Minas. Sua região de abrangência envolve mais de 70 municípios, alcançando quase 1,5 milhão de habitantes. Em 2020, foram feitas mais de 45 mil transfusões (número considerado alto para o período de pandemia) nesses hospitais, demanda que tem crescido ano a ano, associada ao maior número de procedimentos de saúde de média e alta complexidade, aumento da expectativa de vida da população (com mais acesso aos serviços de saúde) e à ampliação da rede hospitalar da região. Outro relevante serviço é o atendimento aos pacientes com hemoglobinopatias e coagulopatias (principalmente doença falciforme e hemofilia), prestado em ambulatório por uma equipe multidisciplinar (serviço social, psicologia, odontologia, medicina e pedagogia). Ainda, de 2001 até 2020, a unidade cadastrou 52.392 doadores de medula óssea junto ao Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome). Com 114 funcionários, o Hemocentro investe na qualificação e prestação de serviços, desenvolvendo constantes campanhas de sensibilização para a causa da doação de sangue.
Nesse contexto, é inegável que a pandemia por SARS Cov-2, iniciada em março de 2020, impactou negativamente as doações de sangue, uma vez que a necessidade de distanciamento social, com restrições de circulação de pessoas, reduziu o número de doadores e a capacidade funcional dos hemocentros, levando à queda no número de comparecimentos e bolsas de sangue disponíveis. Ressalta-se que a continuidade da pandemia, somado ao lento processo de vacinação, perpetuam o cenário de baixo volume de doações, enquanto, por outro lado, o aumento da demanda é observado pelo crescente número de pacientes graves e hospitalizados por COVID-19.
Visando amenizar esse cenário, a Hemoliga (Liga Acadêmica de Hematologia composta por alunos das três faculdades de Medicina de Juiz de Fora –MG) formulou o projeto intitulado “Amigo de Sangue”, que, em parceria com o Hemocentro de Juiz de Fora e a Fundação Hemominas, visa ampliar o número de doadores de sangue. Inicialmente, o projeto busca conscientizar os estudantes de Medicina sobre a importância do ato solidário da doação, fazendo com que atuem como multiplicadores e agentes responsáveis pela captação de novos doadores na sociedade e no seu círculo social (familiares e amigos).
Para efetivar suas ações, o Projeto Amigo de Sangue utiliza uma ferramenta ao alcance das mãos de todos: as mídias e redes sociais. Somado à impossibilidade de ações educativas presenciais, frente ao momento epidemiológico atual, as redes sociais se mostram cada vez mais eficazes para a divulgação de campanhas, por sua rápida e abrangente velocidade de difusão de informações. Foi criado um perfil no Instagram (@projetoamigodesangue), onde são feitas publicações com esclarecimentos sobre as doações, mitos e verdades, além de tutoriais sobre como se agendar a doação. O estímulo à doação é feito por repostagem de fotos e publicações dos doadores, que usaram a tag criada especialmente para o projeto.
Iniciado em março de 2021, os principais objetivos do projeto são: aumentar o número de doadores de sangue, manter o fluxo de doadores por dia estável, manter o estoque de bolsas de sangue dentro dos níveis ideais, esclarecer alunos de medicina sobre a doação de sangue, a fim de se tornarem agentes de conscientização dessa causa e, assim, ampliar a cultura sobre o ato de doar sangue.
As postagens do projeto buscam esclarecer, de maneira direta e concisa, sobre os principais requisitos para ser doador de sangue, como estar em boas condições de saúde, ter entre 16 e 69 anos (com algumas especificidades de acordo com a idade), pesar no mínimo 50 kg, ter dormido no mínimo 4 horas na última noite e apresentar documento original com foto, entre outros. De modo semelhante, traz informações sobre aqueles que estão impossibilitados de doar, ainda que temporariamente, como gestantes, quem realizou exame endoscópico, fez tatuagem ou aplicou botox nos últimos 12 meses ou teve sintomas respiratórios, febre ou outros sintomas infecciosos com recuperação há menos de 30 dias.
Desse modo, o “Amigo de Sangue” possibilita que estudantes de Medicina assumam, ainda durante a graduação, o seu papel social de atuarem na propagação de ferramentas que possam trazer melhorias ao setor saúde e, com isso, verem refletir suas ações na conquista de uma Saúde Coletiva mais robusta e eficiente. A equipe do projeto acredita que com um diálogo contínuo, informativo e desmistificador é possível despertar na população o desejo pela Doação de Sangue como um ato de cidadania, compaixão, compromisso e preservação da vida.
Quer escrever?
Publique seu artigo na Academia Médica e faça parte de uma comunidade crescente de mais de 215 mil médicos, acadêmicos, pesquisadores e profissionais da saúde. Clique no botão "NOVO POST" no alto da página!