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O brincar e o brinquedo no Atendimento Pré-Hospitalar

O brincar e o brinquedo no Atendimento Pré-Hospitalar
Maria de Lourdes  de Moraes Pezzuol
dez. 6 - 13 min de leitura
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O presente relato tem como objetivo apresentar a criação da proposta do "Bornal do Afeto", para fazer parte das ações das Brinquedotecas Hospitalares para a implementação de situações lúdicas no Atendimento Pré-Hospitalar, em geral dentro de ambulâncias.

Baseado nos estudos da formação realizada nos cursos oferecidos pela ABBri (Associação Brasileira de Brinquedotecas, 2021), no curso de “Formação em brinquedista e gestão de brinquedoteca" e “A brinquedoteca em ambiente de saúde"  - Módulo Avançado”,  busquei a aplicabilidade de todo meu conhecimento adquirido.

Destaco que a proposta da ABBri é promover e fortalecer um trabalho para que as crianças tenham o direito de brincar, em diversos ambientes, desde escolas até hospitais. É filiada a Associação Internacional de Brinquedotecas (ITLA) e realiza cursos de formação para brinquedistas - pessoas que trabalham com o objetivo de proporcionar um brincar livre e seguro para as crianças e, porque não, para adultos também! (ABbri, 2021).

É uma instituição que vem trabalhando em prol da divulgação do brincar, bem como formando brinquedistas e auxiliando na montagem de brinquedotecas por todo país. Busca fortalecer e ampliar a implementação dos direitos de políticas e normas relacionadas ao brincar e a brinquedoteca.

Enquanto educadora, brinquedista e gestora da Ecobrinquedoteca do IES - núcleo de Mogi das Cruzes, S.P, Brasil, realizando o curso de Brinquedoteca Hospitalar Avançado e esposa de um Enfermeiro que atua há mais de 30 anos nessa área e que atualmente faz parte da equipe do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e do GRAU (grupo de resgate da Secretaria Estadual de Saúde do Estado de S.P), participo diretamente de algumas experiências e criações junto com meu marido, que está sempre à frente buscando otimizar ações para melhorar e aprimorar seu trabalho. 

Meu apoio e auxílio está na confecção de bolsas e acessórios para melhorar o suporte de alguns equipamentos das ambulâncias durante o período do Pré-Atendimento até a chegada no hospital.

                        Figura 1. Bolsa criada para transportar um monitor

                           Figura 2. Suporte para oxímetro de pulso portátil 

E, contextualizando com meu marido sobre os objetivos da formação do curso que realizei, muito me chamou a atenção, quando ouço dele que "utilizou uma lanterna" ou “inflou uma luva e desenhou uma carinha de um bichinho" para tentar entreter ou fazer com que uma criança esquecesse sua dor e exteriorizasse suas emoções e sentimentos com auxílio de um recurso adaptado que se tornou lúdico. 

E, eu me perguntei? O que posso fazer para auxiliar a melhorar a aplicabilidade desses conhecimentos adquiridos e nessa ação envolver o brincar como um elemento motivador, um recurso e uma estratégia para  impulsionar sentimentos de alegria, prazer e satisfação. Como por exemplo outro dia, em um dos relatos do meu marido sobre uma garotinha que foi atendida em sua residência onde estava com uma lança transfixada em um dos seus braços, e precisou ficar imobilizada para que a equipe médica realizasse os procedimentos.

Então por que não criar também um recurso lúdico?

Em formato de um saco: "O Bornal do Afeto”, uma sacola construída com material plástico que pode ser higienizada e pode armazenar alguns recursos como diversos brinquedos sensoriais, terapêuticos, livros e outros que nesses momentos, e às vezes horas tão difíceis de dor e transtornos traumáticos para essas vítimas e familiares, possam ser amenizados, menos tristes e tensos.

Figura 3, 4 e 5.  Bornal do Afeto um saco construído com material plástico para armazenar diversos brinquedos sensoriais, terapêuticos, livros, etc

Os brinquedos poderão ser construídos com materiais recicláveis ou industrializados e deverão ser utilizados pela equipe das ambulâncias para entreter os acidentados e depois doados para as vítimas. Sendo uma iniciativa que irá promover e não apenas improvisar o recurso lúdico que atuará como facilitador das inter-relações pessoais ali naquele local e naquela situação atípica. O brincar e o brinquedo sendo o remédio para todos em todos os lugares.

Um recurso lúdico que poderá interpretar o: “Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais” (BNCC, 2018, p. 36)

Assim, o “Bornal do Afeto” foi criado com o objetivo de fortalecer e ampliar a proposta da "Brinquedoteca Hospitalar - refere-se a maneiras de diminuir o sofrimento de pessoas hospitalizadas e fragilizadas" (ABbri, 2020).

Trazendo um novo olhar para incluir as pessoas que recebem atendimento no local das ocorrências pela equipe do atendimento Pré-Hospitalar. Esse atendimento consiste no deslocamento de uma equipe médica capacitada até o local em que a vítima se encontra, e constitui-se em um importante componente da assistência à saúde, salva vidas e previne o agravamento no quadro de saúde das vítimas de diversas ocorrências, como traumas e casos clínicos. O atendimento Pré-Hospitalar exige alto nível técnico de conhecimento e humanização nos procedimentos e, certamente, merecem o enriquecimento das estratégias lúdicas para que esses momentos sejam os menos doloridos possíveis.

A crescente demanda por serviços nesta área nos últimos anos, devido ao crescimento do número de acidentes e da violência urbana e à insuficiente estruturação da rede são fatores que têm contribuído decisivamente para a sobrecarga de serviços de Urgência e Emergência disponibilizados para o atendimento da população. (PORTARIA Nº 2048, DE 5 DE NOVEMBRO DE 2002)

A hospitalização, ou o Atendimento Pré-Hospitalar diante das ocorrências que as pessoas estão sujeitas a serem acometidas diante do quadro de condições de agravo a saúde nas internações hospitalares ou pela necessidade de um atendimento básico de urgência, trazem para as pessoas em geral, transtornos traumáticos, alterações na rotina e afastamento dos familiares. Portanto torna-se fundamental viabilizar os “bornais do afeto”. A Ecobrinquedoteca do IES, Mogi das Cruzes vem incentivando o voluntariado para a confecção desse importante e indispensável recurso.

Brinquedoteca hospitalar, um direito adquirido por lei que necessita ser mais bem reconhecido e ampliado como um dever social por todo o país.

Quando há a hospitalização, as pessoas estão suscetíveis ao confronto com muitas doenças e diversos tipos de tratamento, e até mesmo com experiências de morte, circunstancias que interferem no estilo de vida no defrontar-se com a convivência  de situações diversas que não fazem parte do seu meio social, requerendo muita aceitação, adaptação, subordinação e amparo.

“Neste ambiente emocional, é que surge a compreensão e a necessidade da introdução do mais básico no conceito de brinquedoteca: possibilitar o resgate do lado sadio, potencializar o sujeito diante da vida, dar-lhe oportunidade de ter “algum” controle sobre o que quer (fazer) e o que não quer, dentro de um ambiente controlador como o hospital.” (ROMANO e FARIA, 2020, p.143)

A instalação de brinquedotecas nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação deverão contar, obrigatoriamente, com brinquedotecas nas suas dependências. De acordo com o art. 1º, da Lei Federal nº 11.104 de 21 de março de 2005:

Parágrafo único – o disposto no caput deste artigo aplica-se a qualquer unidade de saúde que ofereça atendimento pediátrico em regime de internação.

Art. 2º Considera-se brinquedoteca, para os efeitos desta lei, o espaço provido de brinquedos e jogos educativos, destinados a estimular as crianças e seus acompanhantes a brincar.

Art. 3º A inobservância do disposto no artigo 1º desta Lei configura infração a legislação sanitária federal e sujeita seus infratores às penalidades previstas no II, do art. 1º da Lei nº. 6.437, de 20 de agosto de 1977.

Art. 4º Esta lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação: Brasília, 21 de março de 2005.

Nesse sentido, a construção de brinquedotecas em ambientes hospitalares é de essencial importância. Viegas (2020 apud SOUZA; 2020, p.15) destaca a valiosa contribuição dessa lei:

Representa valiosa contribuição a implementação dessa lei que, para evitar que se reduza a mera conquista forma, é necessário que seja, de fato, a concretização de um direito, o que supõe a formação de recursos humanos da área da saúde especializados na organização e no funcionamento de brinque-dotecas no ambiente hospitalar.

Ainda em Viegas (2020), para se procurar entender as perspectivas da Brinquedoteca Hospitalar em nosso País, cremos que alguns aspectos precisam ser analisados:

  • O crescimento do número de brinquedotecas Hospitalares no país após a promulgação da Lei° 11.104/2005, tornando obrigatória a sua existência em hospitais com internação de crianças.
  • A possibilidade de as brinquedistas terem direitos trabalhistas.
  • A obrigatoriedade de as brinquedistas serem preparadas e reconhecidas pela Associação Brasileira de Brinquedotecas – Abbri
  •  O incentivo para pesquisas, evidenciando a contribuição da Brinquedoteca Hospitalar para a saúde dos pacientes internados.

Diante do que foi mencionado, e sendo autora deste relato destaco também a necessidade de incorporar ações lúdicas para o Atendimento Pré-Hospitalar Móvel. Onde o brinquedo possa agir como uma atitude positiva para amenizar a dor e o desespero de uma situação momentânea, porém traumática. Que possa agir como um “remédio” de alivio de troca no sentir e fazer coisas que envolvam a manipulação, o olhar, as sensações de prazer pelos objetos (brinquedos) em um tempo e um espaço para diminuir a dor.

Segundo Oliveira (2020), em seu artigo “Brinquedoteca Hospitalar – Algumas Experiencias Internacionais”, destaca que a versão hospitalar de brinquedotecas é uma das práticas que mais tem se difundido e enriquecido nos últimos anos. Destaca essa evidência devido ao reconhecimento cada vez maior da relevância do lúdico para o desenvolvimento saudável e apresenta algumas experiencias internacionais de brinquedotecas hospitalares, em diversas culturas e ambientes e afirma que:

Vê-se, por meio desses relatos, como a brinquedoteca hospitalar rompe aos poucos os liames do espaço restrito fisicamente ao hospital e se expande, alonga e flexibiliza, por meio de várias novas formas de atuação. (Oliveira, 2020, p.84)

Sendo assim, espera-se que esse relato sirva como fonte de informação, conhecimento e inovação para a criação de uma frente de ações integradas à Brinquedoteca Hospitalar para uma proposta efetiva do “Bornal do Afeto”, que poderá ser transportado nas ambulâncias ou nos carros de apoio à emergência no formato de um saco contendo vários brinquedos para serem utilizados quando forem necessários no Atendimento Pré-hospitalar Móvel. Brinquedos que poderão atuar com efeitos terapêuticos auxiliando na superação de dificuldades e conflitos emocionais, a uma situação atípica, como no atendimento de um acidente por um trauma, em uma transferência inter hospitalar, onde a criança terá um tempo para transferir a dor e a doença para fantasias e experimentos lúdicos para controlar seus limites de tolerância para encontrar estratégias para enfrentar seu sofrimento.  Espero que o presente relato de experiência possa contribuir dessa maneira para futuras investigações. 

Referênciais

Associação Brasileira de Brinquedotecas. (ABbri). Disponível em: https://www.brinquedoteca.org.br/ Acesso: 29 de set. 2021

 VIEGAS, Drauzio (Organização). Brinquedoteca hospitalar: isto é humanização. Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABbri) 3.Edição, Rio de Janeiro: Walk Editora, 2020.

_____ . ROMANO, Bellkiss Wilma; FARIA, Janayana. Brinquedoteca do Instituto do Coração do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABbri) 3.Edição, Rio de Janeiro: Walk Editora, 2020.

_____. OLIVEIRA, Vera Barros de. Brinquedoteca Hospitalar. Algumas Experienciais Internacionais. Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABbri) 3.Edição, Rio de Janeiro: Walk Editora, 2020.

Brasil. Presidência da República - Casa Civil. LEI Nº 11.104, DE 21 DE MARÇO DE 2005, Dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de brinquedotecas nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11104.htm Acesso em: 20 de out.2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. PORTARIA Nº 2048, DE 5 DE NOVEMBRO DE 2002. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt2048_05_11_2002.html. Acesso: 30 nov. 2021.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/    Acesso: 30 nov. de 2021.


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