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O futuro da saúde no Brasil caberá na palma da mão

O futuro da saúde no Brasil caberá na palma da mão
Leonardo Gross
nov. 30 - 12 min de leitura
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As primeiras missões humanas à Marte estão programadas para a década de 2030. Além dos já conhecidos desafios físicos e psicológicos relacionados aos voos espaciais, uma missão à Marte representará ainda mais ameaças à saúde dos astronautas e aumentará a necessidade de manter um estilo de vida rigoroso por anos.

O controle da missão sempre desempenhou o papel fundamental na prestação de cuidados à tripulação de voo, com tecnologias médicas avançadas. No entanto, a necessidade de assistência médica aumentará devido à duração da missão, ao atraso na comunicação e aos limitados recursos médicos a bordo. 

Assim como um dos fatores críticos de sucesso da empreitada interplanetária será vencer as adversidades e garantir que os astronautas se mantenham saudáveis durante toda jornada, o futuro da saúde no Brasil requer atenção às pautas mais presentes nos eventos da atualidade. Para fazer frente a elas, quatro passos são fundamentais:

 

1- Abrace tecnologias médicas disruptivas

Profissionais da área médica e pacientes devem se preparar para uma revolução tecnológica na medicina - a única maneira de tornar a saúde mais eficaz e humanista. As tecnologias médicas disruptiva já estão sendo desenvolvidas para muitos problemas na área da saúde.

Centenas de milhares de pessoas têm acesso a seus dados genéticos, revelando a quais condições médicas elas são suscetíveis. Dispositivos vestíveis nos permitem medir sinais vitais e parâmetros de saúde em qualquer lugar, não apenas no consultório do médico. A precisão dos robôs cirúrgicos permite que os médicos realizem procedimentos anteriormente impossíveis. Os exoesqueletos permitem que pessoas paralíticas andem novamente e os algoritmos inteligentes ajudam a analisar as imagens radiológicas. Notícias todos os dias nos fazem sentir como se vivêssemos na ficção científica.

 

2- Coloque o paciente no centro dos cuidados de saúde

Os pacientes devem se tornar especialistas em sua própria saúde, para que possam participar das decisões e do planejamento da assistência médica.

 

3- Digitalize informações sobre cuidados de saúde

Assim como aconteceu no setor de aviação, a digitalização tem potencial para tornar os cuidados acessíveis e disponíveis, garantindo sustentabilidade e aumentando a compreensão sobre doenças.

 

4- Mude o foco do tratamento para a prevenção

Viver de forma mais saudável e prevenir doenças por meio da reforma dos cuidados de saúde já é possível, tomando como base o acesso generalizado a dados de saúde.

O modelo de "sickcare" já perdeu seus sinais vitais.


 

Não é preciso ver através de bolas de cristal para prever o futuro da saúde no Brasil sem que estas pautas sejam traduzidas em ações práticas e efetivas. Será preciso deixar de lado o velho paradigma do modelo paternalista de medicina e transformá-lo em uma parceria igualitária entre pacientes e profissionais da saúde, auxiliada e ampliada por tecnologias disruptivas.

A geração que nasce hoje viverá 100 anos. Muitos chegarão aos 120 anos. Pessoas terão câncer duas ou três vezes ao longo da vida. Nunca foi tão importante evoluir em tratamentos e diagnósticos como agora.

A boa notícia é que há uma emergente convergência de preocupações do setor sobre o equilíbrio futuro das operações. Os atores de cada elo buscam cada vez mais ativamente soluções para os desafios atuais e para a construção das oportunidades futuras, apoiando-se principalmente nos cuidados da saúde orientados por dados, no conceito da exponencialidade, na criatividade, na personalização e na descentralização propiciadas pelo mundo digital.

 

Cuidados da saúde orientados por dados

De acordo com o estudo "Challenges and Opportunities Facing Medical Education" de Dr. Peter Densen publicado em 2011, a informação médica do mundo irá dobrar a cada 73 dias a partir de 2020. Com pelo menos 80% desses dados totalmente desestruturados, sem nenhuma correlação clara entre si. Cerca de um décimo desses dados envolverá tratamento, outro terço consistirá em sequenciamento genômico para indivíduos, e metade desses dados virão de instrumentos médicos e dispositivos portáteis.

Em essência, os cuidados de saúde baseados em dados criam a possibilidade de transformar todos os ambientes de cuidados em ambientes de aprendizagem orientado por dados. Neles os médicos operam em um sistema de melhoria contínua, altamente sustentado e racional, que lhes permite gerir de forma ideal os processos ao colher dados, apoiar a aprendizagem contínua e a melhoria do processo ao longo do tempo.

 

O conceito da exponencialidade    

Este termo hype, que sai tão corriqueiramente da boca de empreendedores millennials, surte um efeito devastador ao ser proferido em palcos de inovação e tecnologia. Muitos julgam, automaticamente, como a melhor opção. Mas, do que se trata ser exponencial? Qual é o seu real benefício? E qual é sua relação com dados da saúde? 

A resposta está intimamente ligada tanto à nossa educação formal quanto à nossa intuição, que nos moldaram para fazer associações lineares. A chave está na transição do pensamento linear, atual, para o exponencial. 

Expressão cunhada inicialmente pelos fundadores da Singularity University, ser uma organização exponencial é, em tese, ser capaz de desenvolver soluções pelo menos 10 vezes melhores, mais rápidas e de menor custo que as empresas estabelecidas no mercado. Alavancar a interdisciplinaridade das tecnologias em crescimento exponencial pode afetar o futuro da saúde e bem-estar? Bingo! 

Nos próximos anos, veremos nos hospitais e consultórios tecnologias como CRISPR, impressão 3D em massa, pílulas digitais, big data, inteligência artificial, algoritmos preditivos, nanorobótica dentre outras. Sem rodeios, tudo faz sentido a medida que usamos tais ferramentas a serviço da saúde que queremos.

 

Criatividade

A tecnologia está disponível para todas as empresas de saúde, mas o que garante a inovação é a criatividade. É nisso que essas empresas e executivos precisam investir. Entretanto, na prática, os modelos operacionais das corporações de saúde limitam a criatividade, seja por um marco regulatório desfavorável, seja por uma vontade lasciva de manter o status quo. 

Além de estimular a criatividade é necessário que o executivo possa trabalhar como um microempresário no ambiente da própria organização, identificando oportunidades, organizando recursos e buscando referências. Nesse processo de delegação planejada, os controles essenciais para a sobrevivência existem, mas a responsabilidade é acompanhada de autoridade e autonomia monitoradas. O modelo resgata a motivação pelo prazer de fazer. 

Com nome mais posudo e merecido, o intraempreendedor da saúde será um dos principais agentes transformadores para liderar os maiores desafios enfrentados hoje e amanhã na assistência. Esses desafios passam pela escalada dos custos, envelhecimento da população, progressão dos índices de obesidade e suas devastadoras consequências, o mau uso da informação, a fragmentação da assistência e, frequentemente, o difícil curso da adoção à inovação.

A criatividade sempre terá seu lugar ao sol (ou a sombra) quando apontar soluções que, de fato, resolvam problemas pelos quais tantos de nós sofremos, mas também aqueles que não sabemos que ainda vamos ter. A criatividade pode e deve melhorar o sistema de saúde para que quanto mais ele se automatize, mais se torne humanizado. 

 

Personalização

O futuro já dá sinais de um caos apocalíptico se não houver uma revolução verdadeira: em 2030, o país terá mais idosos do que crianças pela primeira vez na história. Serão 41,5 milhões (cerca de 18% da população) de pessoas acima de 60 anos, contra 39,2 milhões (17,6%) de zero a 14 anos, segundo estimativas do IBGE em 2016. 

Além do próprio processo de envelhecimento, hábitos do nosso estilo de vida atual contribuem para o aumento da obesidade entre os brasileiros, em uma relação quase simbiótica. O sedentarismo ou falta de atividade física e dietas inadequadas são os principais fatores associados à epidemia de obesidade nas sociedades modernas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, globalmente, há pelo menos 41 milhões de crianças entre 0 e 5 anos obesas ou com sobrepeso, e prevê ainda que se o cenário atual continuar, o número saltará para 70 milhões em 2025 - só no Brasil cerca de 11,3 milhões. 

Se haverá mais idosos que hoje, com uma prevalência de 90% com doenças crônicas, e sabe-se que crianças e adolescentes com sobrepeso têm mais chances de se tornarem adultos obesos e, consequentemente contribuírem para o aumento dos índices de doenças crônicas, é evidente dizer que essa conta não tem "jeitinho brasileiro" que faça fechar. O Brasil deverá ter quase 15% de sua população diabética em 2030, a um custo de 120 bilhões de dólares ao ano, aponta pesquisa divulgada em março deste ano pela universidade britânica King's College, em parceria com a Universidade de Gottingen, na Alemanha. 

Para resolver essa equação, em vez de desenvolver tratamentos para as populações e tomar as mesmas decisões médicas com base em características físicas semelhantes entre os pacientes, só nos resta mudar para a prevenção, personalização e precisão. Nessa mudança e transformação cultural, a inteligência artificial entra em cena e será a tecnologia-chave. 

Outro divisor de águas será a adoção dos wearables, tecnologias vestíveis que demonstram um grande potencial para se espalhar nas mais diversas áreas da medicina como: monitoramento constante de doenças crônicas, diabetes, pressão, coração e qualquer outra alteração apresentada pelo organismo humano. Alguns, inclusive, já incluem uma comunicação entre médico e paciente ao enviar um relatório semanal com a evolução do quadro. De acordo com relatório deste ano da CCS Insight, empresa norteamericana de pesquisa, a expectativa é que existam mais de 233 milhões de unidades no mercado até 2022, o que representaria mais de 27 bilhões de dólares.

 

Descentralização

A descentralização, por sua vez, preconiza ausência de ponto central de controle, alta disponibilidade, forte integridade de dados e harmonia em toda a rede de armazenamento. Entre os diversos aspectos de interesse do uso da descentralização, há dois que nos chamam a atenção por satisfazer as necessidades mais prementes.

O primeiro é ser digital – praticamente qualquer documento ou bem, incluindo dados de saúde, pode ser expressado em forma de código e encapsulado ou referenciado por uma entrada do “livro-caixa digital”. Atualmente, 99% dos hospitais norte-americanos já usam prontuário eletrônico (PEP), por exemplo, muito embora a adoção do PEP, por si só, não seja suficiente para produzir os ganhos de eficiência previamente almejados. A melhor eficácia dos sistemas de PEP deve ser buscada na melhoria dos processos organizacionais e com a complementação por modelos de cuidados que dão ênfase na qualidade, valor e eficiência dos serviços e exames. 

O segundo é  o empoderamento dos usuários, que estão no controle de todas as suas informações e transações. Adicionam-se à equação os profissionais de saúde. Estima-se que 20% dos erros médicos evitáveis se devem à falta de acesso imediato às informações de saúde dos pacientes. Dos mais de 400 mil erros médicos evitáveis que levam à morte no Brasil em 2015, conforme apontado em pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (Iess),  estima-se que 80 mil são causados por falta de acesso à informação médica. 


 

O mundo está à beira de uma verdadeira revolução nos cuidados do futuro da saúde. Para chegar a esse patamar, não existe outra opção a não ser pensar na atenção centrada no Paciente, com "p" maiúsculo mesmo. Essa abordagem também exigirá novos direitos e um pacto na relação do paciente com seus médicos e prestadores de assistência em saúde. Uma plataforma que captura todos os dados de um paciente precisa ser compartilhada, curada, colaborada e controlada por todos os indivíduos que contribuem com ela.


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