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O que saber sobre transplante renal em crianças

O que saber sobre transplante renal em crianças
Caroline Cunico
mar. 24 - 7 min de leitura
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 O que saber sobre transplante renal em crianças

O Brasil é hoje o segundo pais do mundo em números absolutos de transplantes renais!

O primeiro transplante renal documentado em caráter experimental aconteceu em 1902, em Viena, pelas mãos do cirurgião Emerich Ullmann. Seu experimento consistiu em implantar um rim no pescoço de um cão, conectando os vasos renais com os vasos cervicais. Agora é aquele momento que você se pergunta: “gente, pra que isso?”. Pois bem, para mostrar que o rim pode restabelecer circulação e pode voltar a produzir urina, o que comprova a sua função excretora!

A história do transplante renal pediátrico se assemelha muito ao dos adultos. O primeiro transplante de rim em crianças aconteceu em Paris e foi realizado em um jovem de 16 anos nefrectomizado após um trauma abdominal. Ele recebeu o rim doado por sua mãe viva. O jovem sobreviveu por um mês e faleceu por rejeição aguda. Vale lembrar que naquela época não havia tratamento para essa complicação e nem a possibilidade de diálise!

No Brasil o transplante pioneiro foi realizado no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro em 1964, em um jovem de 18 anos com pielonefrite crônica. O doador foi um bebê de nove meses! O sucesso da cirurgia foi imediato, mas transitório. Novamente, houve rejeição aguda e o receptor faleceu no oitavo dia por pneumonia.

Mas por que morria tanto? Então vamos desistir de transplantar?

Primeiramente, morria-se muito porque os primeiros transplantes foram realizados antes da era da imunossupressão, que iniciou na década de 60. Além disso, a trombose vascular e as infecções pós operatórias representaram uma parcela significativa da péssima sobrevida nesta fase inicial.

Hoje o transplante renal em crianças é a modalidade terapêutica que tem sido responsável por dar uma chance de maior sobrevivência a crianças em fase terminal de doenças renais crônicas. A indicação é feita para pacientes com necessidade de diálise crônica por insuficiência renal devido a uma causa base.

 Então vamos entender...

Na população pediátrica as causas que vão levar a disfunção renal irreversível e que vão precisar, em algum momento, de diálise diferem das encontradas em adultos, sendo, em ordem de prevalências, as mais comuns: uropatias obstrutivas, displasias renais e as doenças glomerulares (entre elas glomerulosclerose segmentar e focal, a glomerulonefrite tipo I, a síndrome hemolítica urêmica e a oxalose). De todas essas a síndrome nefrótica urêmica é a que apresenta os piores resultados com os transplantes, apesar de ser uma indicação válida, onde os riscos superam os benefícios.

Quando as crianças entram no estágio IV da doença renal crônica deve ser iniciado o seu preparo para o transplante, com avaliação minuciosa de seu estado geral, sorologia, situação vacinal, identificação de possíveis doadores vivos e análise imunológica (entenda-se como a tipagem HLA e painel de células com anticorpos pré-formados), avaliação vascular e cardiológica, entre outras.

Em transplantar crianças, porém, há uma dificuldade extra: o tamanho! Não há um consenso sobre o limite mínimo de idade ou peso para a indicação do procedimento, apesar de que alguns centros restringem a indicação baseando-se nesses parâmetros. Além disso, as demandas metabólicas, imunológicas e hemodinâmicas são diferenciadas nesta faixa etária.

Então um bebezinho muito pequeno pode ser transplantado?

Se o centro hospitalar não restringir nada nesse quesito e se os benefícios do procedimento superam os riscos da cirurgia e do pós operatório, é claro que pode!

Nesse sentido, a evolução das técnicas operatórias foram cruciais na consolidação do transplante em crianças, especialmente nas menores de cinco anos. As crianças possuem uma fossa ilíaca pequena, portanto, existe dificuldade na exposição do campo operatório e falta de espaço adequado para colocar o novo rim, ainda mais se esse for proporcionalmente maior, além é claro, do risco de compressão do enxerto. No início os resultados dos transplantes foram tão desencorajadores que antes dos anos 80 crianças abaixo de dois anos ou de 10kg não eram consideradas candidatas e somente para um grupo seleto era indicado diálise. Somente na década de 90 com a melhoria das técnicas operatórias, aliadas a otimização dos tratamentos imunossupressores e manejo pós-operatório é que o procedimento ganhou mais segurança e a sobrevida se tornou progressivamente maior.

Hoje o transplante renal pediátrico deve ser realizado tão precoce quanto possível, evitando assim longos períodos de diálise, uma vez que a insuficiência renal crônica está associada a falhas no crescimento, manifestações de uremia em crianças maiores e também a alterações no sistema nervoso central, como encefalopatia, atraso no desenvolvimento psicomotor e microcefalia adquirida. Se transplantar não for possível a melhor opção seria manter a diálise peritoneal com nutrição agressiva e considerar um transplante com doador adulto assim que a criança tiver um tamanho adequado.

Doado vivo ou cadáver, qual a primeira escolha?

Em centros com grande experiência em transplantes os resultados tendem a ser bons tanto no caso de doadores vivos ou cadáveres, mas para cada um existe alguma vantagem ou desvantagem. Os transplantes renais com doador vivo têm mostrado uma sobrevida superior em comparação com enxertos vindos de cadáveres, mesmo quando a compatibilidade imunológica é melhor. Isso ocorre porque o transplante com doador vivo representa a oportunidade de planejar um transplante eletivo, no qual se escolhe um órgão com melhores condições, com menor risco de rejeição precoce e de retardo da função do enxerto. Em crianças muito pequenas, porém, deve-se levar em conta a compatibilidade de tamanho entre doador e receptor. Sempre que possível deve-se evitar grandes incompatibilidades no tamanho para que o processo de adaptação ao novo enxerto seja favorecido. Em última instância o que ditará a indicação do tipo de doador é o estado pré operatório, ou seja, as condições nutricionais, o desenvolvimento da criança, as condições clínicas e familiares.

Dedico um agradecimento especial a nefrologista pediátrica Dra. Erika dos Santos Vieira. Sua ajuda foi substancial para falar deste assunto extenso e complexo!

Obrigada Dra. Erika!

 Arquivos consultados:

SILVA Jr.,H.T.; FELIPE, C.R.; FILHO, M.A. et al. The emerging role of Brazilian in Clinical Trial Conduct for transplant. Am J Transplant, v. 11, n. 7, p. 1368-75, 2011.

JOHNSON, R.W.; WEBB, N.J.; LEWIS, M.A. et al. Outcome of pediatric cadaveric renal transplantation: a 10 year study. Kidney Int, supl. 53, S72-6, 1996.

TALBOT, D.; ACHILEOS, O.A.; MIRZA, D. et al. Early risk factors in pediatric renal transplantation at a single center. J Ped Surg, v.33, n.9, p. 1396-8, 1998.

Consulta ao site http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=5828. Em 18 de março de 2016.

VIEIRA, E.S. Análise pré e pós transplante renal em pacientes pediátricos com insuficiência renal crônica secundária à Síndrome Nefrótica. Monografia (especialização médica de Nefrologia) – Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba, 19f. 2015.

 


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