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Proteína virus-like pode revolucionar tratamentos de memória

Proteína virus-like pode revolucionar tratamentos de memória
Guilherme Naves
jan. 23 - 5 min de leitura
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Um gene chamado Arc produz a proteína de mesmo nome que apresenta propriedades semelhantes às que os vírus usam para infectar células hospedeiras, e são originadas de um evento evolutivo casual que ocorreu há centenas de milhões de anos.

De acordo com Jason Shepherd – neurocientista da Universidade de Saúde de Utah – e autor principal de um estudo publicado no jornal Cell no início desta semana, podemos esperar que em um futuro próximo proteínas semelhantes a vírus ou virus-like, como também são conhecidas pelo seu termo em inglês, poderão ser a base para a comunicação célula-célula no cérebro, podendo mudar drasticamente a forma como nossas memórias e lembranças são geradas e transmitidas.

Tudo isso começou quando o grupo de pesquisadores liderados pelo Dr. Shepherd capturaram uma imagem por microscopia eletrônica que mostrava a proteína Arc se ligando a grandes estruturas. Quando ampliaram a imagem, perceberam que a proteína Arc tinha o formato de um módulo lunar, assemelhando-se muito ao formato de retrovírus, como  do HIV (Human Immunodeficiency Virus).  Foi a partir desse momento que o interesse dos pesquisadores pela proteína Arc se renovou.

Módulo lunar semelhante a capsídeo de vírus

Apesar de as descobertas do real papel e potencial da proteína Arc serem recentes, esta proteína vem sendo estudada pelo Dr. Shepherd e sua equipe há mais de 15 anos, e outras pesquisas já comprovaram a importância do seu papel na memória e no aprendizado, como em um estudo prévio em que ratos que não tinham a proteína e não conseguiam se lembrar de coisas que tinham aprendido menos de 24 horas antes. Nesse mesmo estudo, constatou-se que os ratos que não possuíam a proteína Arc perdiam de certa forma a plasticidade cerebral (capacidade do cérebro reorganizar e modificar a sua estrutura neural mediante um estímulo ou ao seu uso), comprovando com isso que é impossível se aprender coisas novas sem a proteína Arc.

Você deve estar se perguntando o porquê de todo esse alvoroço em torno desta proteína, sendo que há anos ela tem seu papel definido no processo de aprendizado, e a resposta para esta pergunta esta justamente no título deste artigo. Como a proteína Arc se assemelha estruturalmente com um retrovírus, os pesquisadores começaram a procurar indícios de que funcionalmente essa proteína se comportasse como um vírus.

Para testar essa hipótese, os pesquisadores fizeram uma série de experimentos. Inicialmente agruparam diversas proteínas Arc afim de montar um capsídeo vírus-like e guardaram em seu interior o próprio material genético, neste caso o próprio RNAm. Quando os capsídeos foram formados, os pesquisadores os adicionaram às células do cérebro de ratos ou a neurônios que estavam crescendo em cultura, e conforme o esperado a proteína Arc transferiu sua carga genética para as células.

Após confirmarem que a proteína Arc conseguia entregar o conteúdo a outra célula, os pesquisadores resolveram comparar se a proteína também tinha a capacidade de permanecer ativa depois de entregar a primeira carga, pois, no caso dos vírus, após invadirem a célula hospedeira, eles saem da célula infectada prontos para infectar uma nova célula. Para comprovar essa capacidade, os pesquisadores reuniram as Arcs que haviam sido liberadas dos neurônios dos ratos e determinaram que as proteínas e sua carga poderiam ser ocupadas por um outro conjunto de neurônios.  Diferente dos vírus, a ativação dos neurônios mobilizou a Arc, desencadeando a liberação dos capsídeos.

Foi essa capacidade de transportar RNAm célula-célula que surpreendeu os pesquisadores e que promete revolucionar a forma como vemos o futuro no tratamento de problemas cognitivos e de memória, pois até então nenhuma proteína não viral conseguia fazer esta função.

Curiosidades sobre a proteína Arc

A história evolutiva da proteína Arc sugere que ela surgiu entre 350 e 400 milhões de anos atrás, quando um ancestral dos retrovírus, conhecido como retrotransposons, inseriu seu material genético no DNA animal, levando a proteína Arc dos mamíferos que conhecemos hoje.

Outro fato interessante é que a proteína Arc também foi encontrada em moscas, e teria o mesmo ancestral comum, os retrotransposons. Porém, segundo os pesquisadores, a incorporação da proteína Arc no material genético desses insetos aconteceu 150 milhões de anos mais tarde. Isso comprova que as mudanças evolutivas acontecem constantemente e que muita novidade pode surgir com descobertas como esta.

Vídeo da The University of Utah - Health

 

O paper original pode ser encontrado aqui.


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