A crescente demanda por tratamentos de radioterapia no Brasil e a escassez de recursos dedicados a essa necessidade é motivo de crescente preocupação. O câncer, que é atualmente a segunda principal causa de morte no Brasil, tem projeções de se tornar a principal até 2030. Esse aumento no número de casos de câncer pressupõe um aumento proporcional na necessidade de tratamentos, incluindo a radioterapia.
A radioterapia tem desempenhado um papel crucial no tratamento do câncer. Estima-se que cerca de 50% de todos os pacientes com câncer recebam pelo menos um curso de radioterapia durante seu tratamento. No entanto, o acesso a este tratamento vital ainda é um desafio para muitos pacientes, especialmente em países de baixa e média renda como o Brasil.
Para abordar essas preocupações, o Ministério da Saúde do Brasil lançou o PER-SUS em 2012, um plano para aumentar o acesso à radioterapia em todo o país. A iniciativa planejava instalar 80 máquinas de tratamento de radioterapia, conhecidas como LINACs, especialmente nas áreas subatendidas. No entanto, uma década após o lançamento deste plano, apenas metade das LINACs foram entregues. Pior ainda, essas máquinas não foram instaladas nas áreas de maior necessidade. Esse déficit de equipamentos ficou evidente quando comparado com o aumento de 32% na incidência de câncer no mesmo período.
Em resposta a esta crescente necessidade, a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) criou a força-tarefa RT2030. Este grupo, em colaboração com diversos profissionais da área, conduziu de 1º de março de 2019 à 3 de agosto de 2020, uma análise abrangente dos recursos de radioterapia no Brasil fazendo projeções até 2030. Os resultados deste estudo crítico foram publicados na revista The Lancet Oncology na edição de agosto, 2023 sob o título Radiotherapy resources in Brazil (RT2030): a comprehensive analysis and projections for 2030.
A pesquisa conduzida pelo grupo RT2030 revelou um panorama detalhado dos recursos de radioterapia no país. Foram identificados 263 centros operacionais, com 409 máquinas de terapia, 646 oncologistas de radiação, e 533 físicos médicos atendendo 230.989 pacientes em tratamento de radioterapia. A projeção para 2030 indica uma demanda de 332.797 cursos de radioterapia devido à expectativa de 639.994 novos casos de câncer.
Fonte:
The Lancet Oncology. doi.org/10.1016/S1470-2045(23)00284-X
O estudo destacou preocupações importantes. O Brasil precisa treinar mais de 800 profissionais especializados e adquirir mais de 329 LINACs até 2030 para atender à demanda esperada. No entanto, a problemática questão da radioterapia não se restringe apenas ao Brasil. Em 2018, 12 dos 40 países da América Latina e 29 dos 54 na África não possuíam sequer um centro de radioterapia. Apesar dessa realidade ser uma preocupação generalizada, o cenário brasileiro destaca-se negativamente.
A distribuição dos recursos disponíveis também foi identificada como um problema. De todos os estados brasileiros, 12% não contam com LINACs e 15% não dispõem de centros de braquiterapia. Ainda mais alarmante é o fato de que, enquanto apenas três países da América Latina atendem à recomendação da AIEA de ter um LINAC para cada 250.000 habitantes, no Brasil, a proporção de habitantes por LINAC é duas vezes maior do que o recomendado por essa agência internacional.
Distribution of external beam and brachytherapy treatment machines per state in Brazil
Fonte:
The Lancet Oncology. doi.org/10.1016/S1470-2045(23)00284-X
Em resumo, o Brasil está diante de um imenso desafio em prover tratamentos de radioterapia adequados à sua população. O estudo, fornece uma visão detalhada desse desafio e sinaliza os primeiros passos para se compreender e enfrentar tal situação. Para os profissionais da área médica, este documento é fundamental para compreender o atual panorama dos recursos em radioterapia no país.
Leia também:
Referência:
Accioly Rosa, A., Mendes de Sousa, C. F. P., Furbino Pimentel, L. C., Martins, H. L., Moraes, F. Y., Marta, G. N., & Castilho, M. S. (2023). Radiotherapy resources in Brazil (RT2030): a comprehensive analysis and projections for 2030. The Lancet Oncology, 24(8). https://doi.org/10.1016/S1470-2045(23)00284-X