Primeiramente, cabe destacar que a relação entre o nosocômio e o paciente é uma relação de consumo (prestador de serviços versus consumidor) regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) que prevê, como instrumento de preservar a saúde do cidadão, conforme art. 6º, inciso I, a proteção ao direito à saúde, à vida e à segurança, levando em consideração os valores de caráter extrapatrimonial do consumidor.
Não obstante, à luz do artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Para melhor delimitação do tema, segundo Fernández Hierro, doutrinador espanhol, existem os atos extramédicos, paramédicos e essencialmente médicos. Vamos discorrer sobre cada um deles.
Ato extramédico é a obrigação de seguridade, ou seja, a função/prestação de “hospedagem”, o hospital acolhe o doente com o dever de cuidar dele com todo zelo necessário, assegurando a sua integridade física durante toda a estadia no nosocômio, como exemplo o alojamento, a alimentação, o conforto das instalações, o deslocamento do paciente nas dependências do hospital, a manutenção e regular funcionamento de todos os equipamentos que são imprescindíveis para evitar danos aos pacientes.
Nesse caso, se houver danos ao paciente pelo defeito/falha na prestação de serviço, o hospital responde objetivamente, conforme normativa do CDC, abaixo um julgado para demonstração do tema:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CONTRATAÇÃO DE QUARTO SEMIPRIVATIVO. CESARIANA. RESPONSA-BILIDADE CIVIL OBJETI-VA DA ENTIDADE HOSPITALARA responsabilidade do estabelecimento hospita-lar é objetiva (art. 14, caput, do CDC). Assim, para emergir a sua responsabilidade, é desnecessária a demonstração do elemento culpa. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. DEVER DE INFORMAR. INOBSERVÂNCIA. A prestação adequada dos serviços está atrelada ao fornecimento de informações claras ao consumidor acerca dos serviços oferecidos, suas qualidades, características, bem como dos riscos que apresenta (art. 6º, III, do CDC). No caso, a prova produzida nos autos corrobora a falha na prestação dos serviços pelo hospital, que deixou de prestar informações adequadas à consumidora acerca dos serviços e produtos ofertados em cada uma das suas acomodações. Restou comprovada a precariedade do quarto em que a apelada e seu filho foram acomodados. Logo, imperativo o dever da apelante de reparar os danos patrimoniais experimentados pela apelada correspondentes aos serviços pelos quais pagou, mas deles não usufruiu. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. O abalo moral exsurge não só do desconforto a que a apelada e seu filho, recém-nascido, foram submetidos, como também e, principalmente, da frustração das suas expectativas legítimas depositadas no hospital. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. O valor arbitrado a título de indenização por danos morais deve servir de compensação à vítima, sem que, contudo, lhe cause enriquecimento indevido. Em observância às peculiaridades do caso concreto, revela-se excessivo o quantum arbitrado na origem, motivo por que vai reduzido. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70083091942, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Thereza Barbieri, Julgado em: 23-09-2020)
Já os atos paramédicos são realizados pela enfermagem e outros profissionais da saúde como os auxiliares ou colaboradores que executam ordens do médico, como alimentação parenteral, colocação de gesso, administração de medicamentos e outros diversos atos. Nesse caso, segundo Miguel Kfouri, é preciso distinguir entre os danos cometidos por aqueles que estão diretamente sob as ordens do cirurgião, ou os que estão especialmente para servi-lo, daqueles cometidos por funcionários do nosocômio.
Se houver falha na prestação de serviço o hospital responderá, porém, a invocação da responsabilidade objetiva não isenta que seja provada a culpa do preposto (médico empregado ou não, enfermeiro, auxiliar, etc.) no ato danoso, sendo assim, o hospital só responderá se ficar comprovada a negligência, imprudência ou imperícia de seu preposto. Vejamos:
APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE OB-JETIVA DO HOSPITAL. RESPON-SABILIDADE SUBJETIVA DO MÉDICO. ERRO MÉDICO. ERRO DE DIAGNÓSTICO. ÓBITO DA PACIENTE POUCAS HORAS APÓS A LIBERAÇÃO. PERDA DE UMA CHANCE. SITUAÇÃO DEMONSTRADA. CASO CONCRETO. DANOS MORAIS. VALOR. PENSIONAMENTO. TERMO FINAL. RESPONSABILI-DADE SOLIDÁRIA DA SEGURADORA DENUNCIADA. SUSPENSÃO DO PROCESSO. DESCABIMENTO. (Apelação Cível, Nº 70083922336, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em: 27-11-2020)
Por fim, os atos essencialmente médicos, praticados exclusivamente pelos profissionais da medicina, os quais respondem pelos danos decorrentes da própria atuação, desde que comprovada a sua culpa.
Nos atos puramente médicos é necessário que a culpa do profissional seja comprovada para que se estabeleça a responsabilidade solidária entre médico e hospital, se o médico possuir vínculo com o mesmo, seja ele empregatício ou de preposto.
No caso do dano decorrer puramente de falha técnica restrita ao médico que não possuí vínculo com o hospital, não cabe ao nosocômio responder solidariamente, vejamos:
APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILI-DADE CIVIL. ERRO MÉDICO. RECONHECIDA A LEGITIMIDADE AD CAUSAM DA RÉ SOCIEDADE SULINA DIVINA PROVIDÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. FALHA NOS ATENDIMENTOS PRESTADOS PELOS MÉDICOS NO PÓS-OPERATÓRIO PELA DEMORA DE DIAGNÓSTICO DA COMPLICAÇÃO CIRÚGICA ENFRENTADA PELO AUTOR (SÍNDROME COMPARTIMENTAL). AFASTADA A RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL PELOS DANOS ENFRENTADOS. DANOS MATERIAIS E MORAIS. QUANTUM ARBITRADO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MORAIS REDUZIDO. (Apelação Cível, Nº 70080205982, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lusmary Fatima Turelly da Silva, Julgado em: 14-06-2019)
Importante salientar que o cadastro que os hospitais mantém de médicos que se utilizam do espaço para realizar cirurgias não é instrumento que comprova subordinação entre médico e hospital, funcionando apenas como instrumento organizacional empresarial, portanto, para haver a caracterização de vínculo empregatício precisam estar presentes requisitos específicos que são: pessoa física, pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade.
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Referências
Kfouri Neto, Miguel. Responsabilidade civil dos hospitais: Código Civil e Código de Defesa do Consumidor/ Miguel Kfouri Neto 4ª Ed. São Paulo, Brasil, 2019;
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, jurisprudência disponível em www.tjrs.jus.br, acesso 11/01/2021.