Outro aspecto jurídico muito relevante da relação médico-paciente sob o enfoque civil é a omissão de socorro e abandono de paciente, os quais podem restar caracterizados na hipótese de a objeção de consciência médica não ser corretamente documentada. Em outras palavras, o não tratamento do paciente pelo médico pode ocorrer de forma lícita ou ilícita. Se houver motivação justificável, ela é lícita e se insere no instituto da objeção de consciência.
Por outro lado, não existindo motivação justificável ou não sendo comprovada, está-se no âmbito do não tratamento de caráter ilícito. Dependendo do momento da abstenção ilícita do médico, chama-se de omissão de socorro, se inicial, ou abandono de paciente caso ocorra durante o tratamento.
Diferentemente da objeção de consciência que exige uma conduta positiva na qual o profissional manifesta a sua vontade, a omissão de socorro ou o abandono podem se configurar com a mera abstenção por parte do médico. Mas, quais são os requisitos para a configuração da omissão?
Em regra, a omissão só é juridicamente relevante quando existe um dever jurídico que impõe ao agente atuar para evitar um perigo sem qualquer risco à sua pessoa. Aqui, perigo dever ser entendido como a possibilidade da ocorrência de um evento danoso a terceiro.
Outro ponto importante é que o médico deve, ou deveria, ter ciência da situação que imponha a atuação, mas opte por se abster. Dito de outra forma, deve haver uma intenção de não agir, de praticar a conduta omissa. É bem diferente da intenção de causar o resultado danoso.
Neste particular, é relevante destacar que não se exige que o médico presencie a situação, basta que ele seja informado e não se certifique se havia ou não necessidade de intervenção imediata.
Outra questão importante de se esclarecer é que não se deve confundir negligência e omissão de socorro. Na negligência, é uma conduta omissiva de um dever de cuidado pelo médico que está atendendo o paciente em relação ao protocolo de um procedimento, por exemplo, o esquecimento de uma gaze dentro do paciente por descuido no procedimento de recontagem/conferência do material. Na omissão, não há sequer início do atendimento.
Atualmente, a omissão de socorro está prevista nos art. 7º, 8º, 9º e 33 do Código de Ética Médica. O parágrafo único do art. 9º merece especial atenção pelos médicos em cargos de chefia. A jurisprudência dos Tribunais de Justiça tem sido bem severa em relação aos casos de omissão de socorro por parte do médico.
Por sua vez, o abandono de paciente está previsto no art. 36 do Código de Ética Médica, cuja proximidade com o tema da objeção de consciência médica é tamanha que esta é tratada no seu parágrafo primeiro!
Caso tenha interesse em aprofundar sobre o tema desse artigo, é abordado com maior profundidade e mais detalhes no seguinte vídeo do próprio autor abaixo:
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DO VÍDEO (apenas os livros consultados):
- FONSECA, Pedro H. C.; FONSECA, Maria Paula. Direito do médico: De acordo com o Novo CPC. 1 reimp. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2018.
- FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019.
- KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil dos hospitais: Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. 4.ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Editora Thomson Reuters Brasil, 2019.
- POLICASTRO, Décio. Erro médico e suas consequências jurídicas. 5.ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2019.