Por Emerson Wolaniuk
Aconteceu na tarde do dia 13, no Auditório Vermelho do complexo Hospital das Clínicas - USP, um simpósio sobre os distúrbios do sono. Quem começou a discussão foi o professor Geraldo Lorenzi Filho, coordenador do laboratório do sono do InCor.
Fazendo uma brilhante observação a respeito do funcionamento do corpo humano, disse:
"A vida não é constante, os processos biológicos são oscilatórios."
Esse seria um novo conceito em medicina, indo de encontro com a clássica definição de homeostase como o equilíbrio e a constância do organismo. Não devemos olhar o ser humano por esse prisma. Nossa biologia tem uma maneira cíclica e dinâmica de ser.
A cronobiologia, ciência que estuda os fenômenos biológicos através de medidas temporais, tem trazido explicações factuais e aplicáveis a respeito do funcionamento do corpo humano. Dr. Lorenzi exemplifica: hoje sabemos que a nossa temperatura corporal tem um padrão oscilatório ao longo do dia, chegando às 4h da manhã à nossa temperatura corporal mínima. "É aquele momento da noite em que acordamos e puxamos um cobertor." Dessa forma, explica, sabemos que trabalhadores noturnos têm maior tendência à sonolência nesse horário. Isso não nos permite apenas entender os processos biológicos humanos, mas planejar intervenções para que acidentes não aconteçam. O fenômeno cultural da siesta também pode ser explicado pela diminuição da temperatura corporal, que chega no seu segundo menor valor depois do almoço. E em refeições mais pesadas a temperatura pode diminuir mais ainda, devido aos efeitos circulatórios do metabolismo, aumentando a sonolência.
Outro ciclo envolvido intimamente com a regulação do sono, além do ciclo oscilatório da temperatura corporal é o ciclo claro-escuro, o chamado ciclo circadiano. O sono, durante a vida, explica Lorenzi, inicia-se com um padrão polifásico na primeira infância, passando a monofásico na maior parte da vida e voltando a ser polifásico na velhice.
Polissonografia
A polissonografia foi a grande revolução da medicina do sono. Esse exame é composto de registros de eletromiograma submentoniano, eletrocardiograma, eletroencefalograma e eletro-oculograma. As fases do sono são definidas de acordo com as ondas do eletroencefalograma, sendo 5 fases principais:
1. Fase transicional;
2 e 3. Sono de ondas lentas;
4. Sono profundo;
5. Sono paradoxal ou sono REM.
O último estágio chama-se assim porque as ondas do eletroencefalograma são semelhantes às ondas registradas na vigília - quando a pessoa está acordada. Porém, o cérebro está em funcionamento, mas o corpo está relaxado, é o que registra o eletromiograma. Posteriormente, percebeu-se que nessa fase, os olhos executam movimentos rápidos como se "olhassem as imagens mentais que são produzidas", registro obtido pelo eletro-oculograma. (Fase REM: Rapid Eyes Movement).
É nessa fase do sono que ocorre a consolidação da memória, principalmente da memória operacional, fundamental no processo de aprendizado. Durante o sono de 8 horas, entramos em média 5 vezes nesse estágio.
A segunda palestra do simpósio foi com a acadêmica de medicina da UFMG, Carla Maria Fraga Faraco. Ela apresentou sua pesquisa intitulada "Efeitos da Privação do Sono" que enriqueceu muito o entendimento da fisiologia do processo sono-vigília para os participantes do COBEM.
Ela iniciou explicando o ciclo circadiano é regulado através do núcleo supra-quiasmático, que fica acima do quisma óptico e processa informações referentes à iluminação, transmitindo esses impulsos à glândula pineal, que secreta a melatonina, o principal hormônio indutor do sono. Quando dormimos, o metabolismo sofre alterações na secreção de insulina, no sistema imunológico, no acúmulo de gordura e absorção de nutrientes e principalmente no sistema cardiovascular.
Efeitos cardiovasculares
Aumento da pressão arterial, arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca e comprometimento vascular. Esses fenômenos são relacionados ao aumento da atividade simpática e à descarga adrenérgica na ausência de qualidade e quantidades adequadas de sono.
Outro estudo, também do InCor, comparou pessoas que dormiram menos de 5h por noites durante 5 dias consecutivos a um grupo controle de pessoas que dormiram 7h por dia. Os resultados demonstraram que há uma diminuição do potencial de vasodilatação venosa em vasos dorsais da mão - mostrando aumento da resistência vascular periférica - e um aumento substancial da norepinefrina sérica (162 pg/mL no grupo estudado contra 119 pg/mL no grupo controle).
Efeitos metabólicos
A privação do sono aumenta a resistência à insulina, levando a hiperinsulinemia e a hiperglicemia, fenômeno mediado também pela hiperativação simpática, que leva ao aumento de cortisol e à diminuição do GH. Esses processos contribuem para aumento do ganho de peso, que ocorre por um distúrbio das leptinas - hormônios que são responsáveis pela saciedade - e aumento da grelina - hormônio responsável pela fome. Foi também registrado um aumento de citocinas pró-inflamatória nesses pacientes com distúrbios do sono, principalmente IL-6 e TNF-alfa. O sono não reparador leva ao cansaço crônico e à menor disposição para atividades físicas, complementando o processo metabólico dessas doenças.
Efeitos imunológicos
Naturalmente, durante o sono, observa-se uma diminuição da síntese protéica e da divisão celular e também quedas nos níveis séricos de GH. Dessa forma, a resposta imune nessa fase do dia é mais fraca. Pacientes com doenças relacionadas ao sono podem ter esses fenômenos amplificados, diminuindo a capacidade de cicatrização e aumentando a susceptibilidade a infecções.
Um outro estudo apresentado mostrou que, após a privação de sono por 48h, houve um grande aumento na contagem de leucócitos e neutrófilos circulantes. Essa contagem volta ao normal após uma boa noite de sono. Porém, a contagem de linfócitos T-CD4 demora até 3 noites para voltar ao normal. Foi aferido também, nesse estudo, diminuição dos níveis de IgA, imunoglobulina relacionada à defesa das mucosas.
A privação do sono tem efeitos que hoje são bem conhecidos e estudados. Ocorre diminuição da percepção visual, confusão mental, dificuldade de raciocínio e da capacidade de atenção e défcit no pensamento estratégico. Na cidade de São Paulo, segundo pesquisa do InCor, 33% das pessoas sofrem de problemas relacionadas ao sono. E, no Brasil, um terço dos acidentes automobilísticos envolvendo caminhões têm sua causa relacionada a esse problema. Dessa forma, a abordagem e o conhecimento da medicina do sono é fundamental para a saúde pública.
A professora da Unifesp, Dra. Lia Rita Bittencourt realizou um estudo com a colaboração do Datafolha e constatou que 63% dos entrevistados (N = 2.110) tinham alguma queixa relacionada ao sono. Mais recentemente, o estudo foi refeito de maneira ampliada e sugere que cerca de 108 milhões de brasileiros estão dormindo mal. A incidência desses distúrbios foi maior no Nordeste e menor no Sul.
A Dra. Bittencourt relacionou as principais dificuldades em relação ao diagnóstico e tratamento desses distúrbios:
1. Desconhecimento dos médicos em relação à medicina do sono, devido à ausência dessa ciência no currículo das escolas de medicina;
2. Má percepção dos sintomas pelos pacientes, muitos associam o mal-estar relacionado à doença do sono como inerente à vida ou a causas externas;
3. Alta complexidade diagnóstica.
Hoje a Sociedade Brasileira do Sono (www.absono.com.br) tem 277 médicos certificados e a Associação Médica Brasileira reconheceu, em 2011, a Medicina do Sono como área de atuação para as especialidades de pneumologia, otorrinolaringologia, neurologia e psiquiatria.
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