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Violência sexual - um crime cotidiano e subnotificado

Violência sexual  - um crime cotidiano e subnotificado
Isadora Mesadri
out. 29 - 7 min de leitura
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Eu tinha 13 anos quando estava aguardando o ônibus em Curitiba para ir para a minha aula de ballet. Eu estava de calça jeans, tênis e camiseta. Eram 13:30 quando o ônibus chegou, quando fui subir um homem passou a mão no meu glúteo. Não consegui ver o rosto dele e quem era, mas só conseguia sentir medo e nojo, por me sentir suja depois de ser tocada por alguém que não teve minha autorização. 

Um relato muito parecido foi contado por Claudia Grandi na websérie Legados. Ela, que na época tinha 20 anos, estava sentada com um casaco grande no metrô vazio em São Paulo, quando de repente sentiu que alguém se encostou nela e começou a se esfregar no braço dela. Quando ela viu, era um homem que estava esfregando a genitália dele no corpo dela. Claudia conta que sentiu muito medo, por estar sozinha no metrô com aquele homem, que poderia a agredir ou fazer algo pior com ela. 

Relatos como o meu e o da Claudia são comuns no Brasil. De acordo com o Ipec e o Instituto Patrícia Galvão, cerca de 45% das mulheres no país já tiveram o corpo tocado sem consentimento em local público. 

Apesar das suas particularidades e das diferentes gravidades, todos esses casos configuram atos de violência sexual. Violência essa, como explanado na websérie, que pode ser categorizada em diversos tipo, como: 

  • Estupro;

  • importunação sexual;

  • assédio sexual;

  • jogos sexuais e práticas eróticas não consentidas;

  • pornografia infantil;

  • Pedofilia;

  • Manuseio e/ou penetração oral, anal, genital com pênis ou objetos de forma forçada;

  • Exposição coercitiva/constrangedora a atos libidinosos, exibicionismo, masturbação, linguagem erótica, interações sexuais de qualquer tipo e material pornográfico. 

Claudia reforça que violência sexual é crime e que importunação sexual também, desde 2018. Entretanto, a população em geral desconhece o que são as violências sexuais e quais são as consequências legais de cada uma. Prova disso é que tanto eu, quanto Claudia, imaginávamos ter sofrido um assédio sexual pelas situações que relatamos, quando na verdade sofremos uma importunação sexual. 

Importunação sexual: qualquer prática de cunho sexual, sem a anuência para satisfazer seu desejo sexual. Exemplos: cantadas indesejadas, toque não consentido (puxar o braço ou tentar beijar a força, passar a mão em partes íntimas, “encoxar” no transporte público, entre outros.
Pena: reclusão de 1 a 5 anos, se o ato não constituir em crime mais grave.
Assédio sexual é um ato libidinoso sem o consentimento da vítima, que é cometido por uma pessoa que tenha relação hierárquica ou de subordinação frente a vítima. Exemplos: contato físico não desejado, solicitação de favores sexuais, convites impertinentes, pressão para participar de “encontros“ e saídas, gestos ou palavras escritas e/ou faladas, promessas de tratamento diferenciado, chantagem para permanência ou promoção no emprego. Pena: reclusão de 1 a 2 anos.

Nosso desconhecimento também é corroborado na pesquisa apresentada pelo Ipec, que constatou que somente 5% dos homens admitem a prática de importunação sexual em ambientes públicos. Segundo o psicólogo Alexandre Coimbra os homens não sabem  o que é importunação sexual e por isso, não admitem.

Além do desconhecimento sobre violência sexual e suas definições, a identificação do que houve em cada caso é passivel de interpretações, sendo, muitas vezes, a palavra de uma pessoa, que é vítima e de outra que é a agressora. Por isso, por serem questões sensíveis e complexas, muitas vezes as vítimas não denunciam, principalmente também pelos atos terem sido cometidos por homens que possuem autoridade e relação de poder sobre elas. 

Violência sexual em ambientes de saúde

Em ambientes da área de saúde a violência sexual também acontece, entretanto, é ainda menos subnotificada e os registros são escassos, sendo que foi notificado nas pesquisas estima-se que seja entre 1 a 10% do que ocorre na realidade. Consoante um levantamento feito pelos jornalistas do The intercept em 6 anos(2014-2019) ocorreu o registro de 1.734 casos de violência sexual em ambiente de saúde em 9 estados do Brasil, dos quais 1.239 registros são de estupro. Dos 26 estados brasileiros, 17 não responderam o levantamento, evidenciando a escassez de medidas contra esse tipo de violência e a falta de fiscalização desses casos. 

Em 2017, segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e a lei de Acesso à Informação, O estado de São Paulo teve quase 1 caso de crime sexual por dia, sendo que desses atos, 61,9% ocorreram em hospitais, seguido de clínicas e postos de saúde. 

Além desses dados, Claudia apresentou no primeiro capítulo da websérie dados de outras fontes e outros números sobre violência sexual em instituições de saúde. Além da escassez dos dados, isso aponta outra problemática no assunto, que é a falta de compilação e consolidação dos dados. 

Entretanto, apesar das múltiplas fontes, é possível inferir que ocorrem em média 1,1 casos de violência sexual por dia em ambientes de saúde no Brasil. Por isso, estima-se que, se nada for feito contra esses atos, em 2023 ocorrerão cerca de 400 casos de violência em instituições de saúde no país. 

Para combater essa violência dentro de ambientes de saúde, surgiu o Legados, que é uma capacitação que proporcionará aos interessados combater a violência sexual de maneira ativa, proporcionando os caminhos para a resolução de problemas complexos de forma colaborativa e inovadora. O programa tem como intuito prevenir a violência sexual em ambientes de saúde e, para isso, ao final dos encontros será elaborado um plano de ação pelos participantes, para ser entregue aos gestores e responsáveis por essas instituições. 

Ficou interessado? 

Acesse este link para saber mais sobre o programa. 

Esse texto foi baseado no primeiro capítulo da websérie Legados, você pode assistir as 3 aulas completas até amanhã (30/10)

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REFERÊNCIAS 

  1. ACAYABA, Paola Patriarca e Cíntia. 45% das mulheres já tiveram o corpo tocado sem consentimento em local público, mas apenas 5% dos homens admitem, aponta pesquisa Ipec. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/09/12/45percent-das-mulheres-ja-tiveram-o-corpo-tocado-sem-consentimento-em-local-publico-mas-apenas-5percent-dos-homens-admitem-aponta-pesquisa-ipec.ghtml. Acesso em: 29 out. 2022

  2. LARA, Bruna de. Licença estuprar. Disponível em: https://theintercept.com/2019/04/28/estupros-servicos-saude/. Acesso em: 29 out. 2022.



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