Um artigo publicado na American Heart Association demonstrou as consequências cardiopulmonares do uso de cigarros eletrônicos (vape) em adolescentes. Segundo o estudo, o uso desses dispositivos têm consequências inflamatórias, imunológicas e fisiopatológicas no sistema pulmonar e cardíaco.
Efeitos pulmonares agudos
Estudos epidemiológicos com a população usuária do vape encontraram taxas mais altas de sibilos, sendo o cigarro eletrônico um fator determinante para o desenvolvimento de bronquiectasias entre os usuários. Em jovens, o uso pode estar associado a uma maior prevalência e exacerbação da asma. Além disso, o uso de cigarro eletrônico foi associado a um aumento da incidência de doenças respiratórias e pior saúde pulmonar em usuários com doença pulmonar obstrutiva crônica.
Também foram identificadas mudanças significativas na expressão gênica das células pulmonares dos usuários, com alteração significativa do epitélio brônquico e das secreções das vias aéreas, com biópsias brônquicas indicativas de imunossupressão. Essa imunossupressão foi estudada e foi constatado um fator de virulência para o receptor do fator de ativação de plaquetas, o qual foi regulado positivamente nos usuários, sugerindo uma ligação mecanicista entre vaping e aumento do risco de infecções bacterianas.
Em relação a estrutura e função pulmonar, incluindo a espirometria, os autores do artigo apontaram que em exposições a curto prazo houveram alterações leves na função pulmonar por espirometria ou nenhuma alteração. Em alguns estudos, a nicotina tem sido associada a alterações na função pulmonar (diminuição do volume expiratório forçado em 1 segundo) e, em outros, o vape sem nicotina foi a causa dos efeitos na função pulmonar.
Os pesquisadores ressaltam que, embora hajam menos substâncias químicas nos cigarros eletrônicos do que nos tradicionais, as concentrações químicas no pulmão não são conhecidas e assim, levam a mudanças estruturais e funcionais que, se as substâncias fossem conhecidas, poderiam ser evitadas em sua fabricação.
Efeitos cardiovasculares agudos
Sobre os efeitos cardiovasculares, os autores destacaram que há evidências de múltiplas alterações hemodinâmicas agudas, incluindo maior rigidez arterial, função endotelial prejudicada e aumento da pressão arterial, frequência cardíaca e tônus simpático.
Além disso, os efeitos cardíacos incluem aumento reduzido do fluxo sanguíneo miocárdico com exercício, mas sem alterações no relaxamento ventricular. Em curto prazo, há aumento dos níveis de biomarcadores de estresse oxidativo. Esses efeitos são marjoritariamente relacionados a concentração de nicotina presente nesses produtos.
Um estudo recente, citado no artigo da AHA, foi realizado em jovens adultos saudáveis que eram usuários exclusivos de cigarros eletrônicos e não foram encontrados efeitos de longo ou curto prazo na função endotelial. No entanto, este estudo utilizou predominantemente cigarros eletrônicos com menor concentração de nicotina do que os cigarros eletrônicos que são populares entre os adolescentes.
O impacto do uso de vape no sistema imune
Em um estudo com jovens não usuários, o uso a curto prazo de cigarros eletrônicos sem nicotina aumentou a proteína C reativa circulante e os níveis de moléculas de adesão intracelular. O uso de cigarro eletrônico a longo prazo também está associado ao aumento da expressão de biomarcadores inflamatórios sistêmicos em alguns, mas não em todos os estudos.
Consoante o artigo, vários estudos encontraram respostas imunes alteradas que podem ser relevantes para a suscetibilidade a infecções virais e bacterianas em usuários de cigarros eletrônicos. Além disso, o uso prolongado de vape eleva os níveis pró-inflamatórios de glóbulos brancos e de estresse oxidativo em adultos jovens.
THC e as lesões pulmonares associadas ao uso de cigarro eletrônico ou vape (EVALI)
Segundo os estudos epidemiológicos, mais de 80% dos pacientes diagnosticados com lesões pulmonares associadas ao uso de cigarro eletrônico ou vape (EVALI) relataram ter usado tetrahidrocanabinol (THC) e os testes para THC em seus E-líquidos, também conhcecidos como essencias, tiveram resultado positivo para THC, sugerindo que os produtos de cigarro eletrônico contendo THC provavelmente desempenharam um papel importante no surto de EVALI. Apenas 14% dos diagnosticados com EVALI eram vapers somente de nicotina. Entretanto, muitos especialistas acreditam que esse grupo de vapers de nicotina tiveram outras formas de lesão pulmonar induzida por vaping causada por outros produtos químicos tóxicos nos aerossóis de cigarro eletrônico.
De acordo com os estudos, os achados de EVALI incluem dor abdominal, náuseas, vômitos ou sintomas diarréicos, juntamente com falta de ar, tosse, dispneia aos esforços ou dor torácica.Outros sintomas sistêmicos mais inespecíficos incluem febre, mal-estar, fadiga e perda de peso. Além disso, o quadro patológico de EVALI é amplo e se sobrepõe à pneumonia intersticial aguda, pneumonite de hipersensibilidade, hemorragia alveolar difusa, pneumonia lipoide e síndrome do desconforto respiratório agudo.
Dado que a história natural do EVALI não é clara, os pacientes podem se recuperar quando se abstêm do uso de vape, independentemente de qualquer tratamento específico. De fato, a fisiopatologia da lesão pulmonar em EVALI é consistente com lesão epitelial e acúmulo de macrófagos espumosos que são marcas registradas de toxicidade por inalação.
Além disso, E-líquidos contendo acetato de vitamina E também foram implicados como a causa desta doença, tendo sido detectados na maioria dos E-líquidos usados pelos pacientes e em suas amostras de lavado broncoalveolar. Dessa maneira, tanto as agências de saúde pública quanto a Food and Drug Administration (FDA) identificaram o acetato de vitamina E como o produto químico fortemente associado ao EVALI. Estudos em animais mostraram que o acetato de vitamina E em aerossol causou lesão pulmonar em camundongos de maneira dose-dependente com secreção de quimiocinas e morte celular induzida.
Potenciais efeitos a longo prazo do vaping em adolescentes
Cabe lembrar que o tabagismo tradicional tornou-se uma epidemia entre 1880 e 1900, e levou cerca de 50 anos para que a conexão entre o tabagismo e a multiplicidade de doenças relacionadas ao fumo se tornasse clara. Os adolescentes que começam a utilizar o vape agora podem se tornar usuários de tabaco ou nicotina ao longo da vida, e atualmente não se sabe quais doenças irão desenvolver ao longo de uma vida inteira de vaping.
Acredita-se que os adolescentes que utilizam vape correm o risco de atrofiar ou alterar seu desenvolvimento pulmonar, uma vez que o pulmão continua se desenvolvendo até aproximadamente 20 anos de idade, de modo que nunca irão atingir seu potencial de função pulmonar total, com modulação do estado inflamatório e imunológico do pulmão e o desenvolvimento de doenças pulmonares ao longo do tempo. Sendo assim, esses usuários se tornarão sintomáticos em um limiar mais baixo com qualquer insulto adicional, como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, pneumonia ou doença pulmonar intersticial. Essa tendência é observada tanto com o tabagismo na adolescência quanto com a exposição de adolescentes à fumaça do tabaco.
Além disso, é possível que, conforme evidências de inflamação sistêmica e disfunção endotelial (diminuição da produção de óxido nítrico) semelhantes às observadas em fumantes, haja um possível aumento de Doença Cardiovascular (DCV) com o uso de cigarros eletrônicos. Além disso, as alterações na rigidez vascular, na pressão arterial e na frequência cardíaca suportam a probabilidade de aumento da DCV quando os adolescentes vapers atingem a meia-idade ou mais.
Dados de estudos com modelos animais que foram submetidos a inalação de aerossol de cigarro eletrônico a longo prazo corroboram com as descobertas dos estudos de uso de vape por curto prazo em humanos, com camundongos desenvolvendo fibrose cardíaca, fração de ejeção diminuída e aterosclerose.
Por fim, já se sabe que o vaping afeta negativamente componentes importantes da saúde. Em particular, o uso de cigarros eletrônicos prejudica a qualidade do sono e leva ao vício por meio da ativação das vias de recompensa da dopamina. O uso de substâncias viciantes durante a adolescência altera fundamentalmente os pontos de ajuste para comportamentos viciantes na idade adulta. Isso é altamente preocupante pois pode desencadear vícios ao longo da vida, psicopatologia e disfunção em ambientes sociais e ocupacionais.
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Referência
Loren E. Wold, PhD, FAHA, Chair, Robert Tarran, PhD, Vice Chair, Laura E. Crotty Alexander, MD, Naomi M. Hamburg, MD, FAHA, Farrah Kheradmand, MD, Gideon St. Helen, PhD, Joseph C. Wu, MD, PhD, FAHA, on behalf of the American Heart Association Council on Basic Cardiovascular Sciences; Council on Arteriosclerosis, Thrombosis and Vascular Biology; Council on Hypertension; and Stroke Council