Apesar de 50% das crianças possuírem problemas para dormir, apenas 4% delas são diagnosticadas com distúrbios do sono formalmente. Crianças com distúrbios do sono têm pelo menos duas visitas clínicas a mais por ano, tendo como motivo adoecimento, do que aquelas sem esse distúrbio. Além disso, a prevalência de distúrbios comuns do sono na infância varia de acordo com a faixa etária.
Vale ressaltar que a privação do sono é um problema de saúde com sérias consequências. A maioria dos alunos do ensino médio dos EUA (68%) dorme sete horas ou menos nas noites de escola e não dorme a quantidade recomendada. Crianças e adolescentes que não dormem o suficiente têm maior risco de obesidade, diabetes mellitus, lesões, problemas de saúde mental e problemas de atenção e comportamento.
Mas o que é considerado como uma noite de sono normal para crianças?
Recém-nascidos dormem tipicamente cerca de 1 a 4 horas por noite e acordam para se alimentar. O ritmo circadiano é gerado endogenamente e circula ao longo de 24 horas.
Períodos definidos de sono e vigília geralmente ocorrem após os dois meses de idade.
Os bebês começam a desenvolver a capacidade de dormir a noite toda por volta dos cinco a seis meses de idade.
Para dormir, os bebês devem ser colocados de costas em posição supina até atingirem um ano de idade, para diminuir o risco de síndrome da morte súbita infantil. Dormir de lado não é seguro e não é recomendado.
Além disso, recomenda-se uma higiene do sono adequada, que proporciona um quarto silencioso, escuro e em uma temperatura confortável. Se a criança tiver fome antes de dormir, ela deve ser alimentada. Entretanto, não deve ingerir fluidos em excesso. Também, para que a criança fique mais calma, ela não deve ingerir bebidas e alimentos com cafeína horas antes de dormir e deve evitar atividades vigorosas.
Os distúrbios do sono mais comuns na infância são:
Insônia;
Apneia obstrutiva do sono
Síndrome das pernas inquietas
Parassonias
Síndrome da fase atrasada do sono
Insônia
As insônias da infância são distúrbios do sono ou da vigília caracterizados por dificuldades em iniciar ou manter o sono, levando, em última análise, à insônia crônica. Os critérios diagnósticos especificam que os distúrbios ocorrem pelo menos três vezes por semana durante pelo menos três meses. O diagnóstico de insônia é clínico. A polissonografia não é necessária, a menos que haja suspeita de outros distúrbios do sono.
Problemas na hora de dormir são comuns em crianças pequenas, com uma prevalência estimada de 10% a 30%. As insônias chamadas comportamentais se desenvolvem a partir do treinamento inadequado do sono pelos pais ou cuidadores. Essas não são mais consideradas distintas da insônia crônica, mas continuam sendo usadas para diagnóstico e tratamento. A maioria das crianças com insônia comportamental apresenta características dos tipos de falta de estabelecimento de limites e associação no início do sono (ou seja, um tipo misto).
A insônia associada ao início do sono ocorre quando a criança não consegue adormecer sem certas condições ou ações dos pais ou cuidadores. Por exemplo, quando uma criança é colocada na cama pela primeira vez, um dos pais ou cuidador deve cantar para a criança ou embalá-la para o início do sono. A mesma ação deve ser repetida toda vez que a criança acordar durante a noite para que ela volte a dormir. Essa abordagem não deve ser confundida com rotinas preparatórias para dormir.
Na insônia por problemas de falta do estabelecimento de limites, a criança protela ou resiste a ir para a cama na hora designada. Por exemplo, a criança pode exigir passar um tempo assistindo televisão depois da hora de dormir, geralmente devido à implementação inadequada de um horário de dormir por um dos pais ou cuidador.
Ao fazer um diagnóstico desse tipo de insônia, outras causas de resistência à hora de dormir, como medos subjacentes (por exemplo, pesadelos, estar no escuro, dormir sozinho) e ansiedade precisam ser consideradas.
Os tratamentos de primeira linha para essas insônias são as intervenções comportamentais. As técnicas de extinção são projetadas para promover comportamentos auto calmantes para adormecer. Os bebês aprendem a se acalmar quando colocados acordados no berço.
A educação dos pais sobre horários de sono adequados à idade e hábitos de sono saudáveis (ou seja, higiene do sono) é importante. Seguir uma rotina consistente antes de dormir para acalmar as atividades de transição - como tomar banho, vestir o pijama e ler - é eficaz. É recomendado evitar telas, como televisão e mídias eletrônicas.
Caso a criança não responda às intervenções comportamentais simples ou tenha problemas complexos físicos, psiquiátricos ou de desenvolvimento, devem ser encaminhadas a um especialista em sono.
Apneia obstrutiva do sono
É definida como episódios recorrentes de obstrução parcial ou completa das vias aéreas superiores associada a agitações, despertares ou dessaturações de oxigênio, apesar do esforço respiratório.Essa patologia interrompe os padrões normais de sono e ventilação e é uma causa de morbidade em crianças, com prevalência de 1% a 5%.
A apneia obstrutiva do sono está fortemente associada a roncos. De acordo com a diretriz da American Academy of Pediatrics de 2012, todas as crianças devem ser rastreadas quanto ao ronco nas consultas de puericultura. O ronco tem uma prevalência de 10% a 27% e é definido como pelo menos três noites por semana, sem evidência de hipóxia, hipercapnia ou capacidade de despertar.
Essa enfermidade atinge principalmente crianças entre 2 e 8 anos de idade, coincidindo com o pico de incidência da hipertrofia adenotonsilar, que é a principal causa de obstrução das vias aéreas superiores em crianças. Além disso, há maior prevalência da patologia em meninos após a puberdade.
Para o diagnóstico de apneia obstrutiva do sono, é necessário realizar a polissonografia. A história e o exame físico são úteis, mas não quantificam os distúrbios ventilatórios e outros distúrbios causados por essa doença.
Se não for tratada, a patologia está associada a crescimento prejudicado, enurese noturna, problemas de atenção e emoções e hipertensão pulmonar e sistêmica. A primeira linha de tratamento em crianças é a adenotonsilectomia.Após a adenotonsilectomia, a resolução da apneia obstrutiva do sono ocorre em 70% das crianças com peso corporal normal, mas em menos de 30% das crianças obesas. Por isso, nesses casos, aconselha-se mudanças do estilo de vida, melhora da alimentação e prática de atividade física.
A pressão positiva contínua nasal nas vias aéreas é um tratamento de segunda linha para crianças que não respondem à cirurgia ou para as quais a adenotonsilectomia é contraindicada (por exemplo, tendência grave a sangramento, anormalidade craniofacial, doença neuromuscular e ausência de hipertrofia adenotonsilar). Outras opções de tratamento, como perda de peso, aparelhos orais, tratamentos ortodônticos, estimulação miofascial, corticosteróides tópicos nasais ou montelucaste (Singulair) podem ser consideradas para casos selecionados.
Síndrome das pernas inquietas
Tem prevalência de 2-4% em crianças, sendo mais comum em adolescentes. Cerca de um quarto dos indivíduos que apresentam essa condição sensório-motora possuem sintomas de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e, inversamente, cerca de 12 % a 35% das pessoas com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade têm essa patologia.
Na anamnese, as crianças relatam sensações desagradáveis nas pernas que causam dificuldade em iniciar e manter o sono.Elas podem usar frases como "querer chutar" ao descrever o que sentem. Também podem descrever a sensação de formigas ou aranhas, formigando, ondulando e esquisitos nas pernas. Alguns podem relatar sintomas diurnos com longos períodos de inatividade ou sentados na escola.
Acredita-se que a fisiopatologia seja causada por uma deficiência cerebral de ferro, distúrbios da regulação da dopamina no sistema nervoso central e fatores genéticos. O diagnóstico é clínico e requer as seis seguintes características:
necessidade de mover as pernas devido a sensações desagradáveis ou desconfortáveis;
as sensações começam ou pioram com repouso ou inatividade, deitado ou sentado;
alívio temporário parcial ou completo com movimentos como alongamento ou caminhada;
ocorre principalmente à noite;
os sintomas causam distúrbios do sono ou comprometimento do funcionamento diurno;
os sintomas precisam ser descritos nas palavras da criança.
Os diagnósticos diferenciais para essa síndrome incluem cãibras nas pernas, desconforto posicional, mialgia, estase venosa, edema nas pernas, artrite e batidas habituais nos pés.Na investigação, também é importante triar desencadeadores, como falta de sono e atividade, e medicamentos que podem agravar essa patologia,como: difenidramina, inibidores seletivos da recaptação da serotonina, metoclopramida, cafeína, nicotina e álcool.
O tratamento envolve a remoção de quaisquer causas identificadas ou fatores contribuintes e tratamento da deficiência de ferro, se encontrada. Terapia de ferro com 3 mg por kg por dia de ferro elementar deve ser iniciado se os níveis de ferritina sérica forem inferiores a 50 ng por mL (50 mcg por L). Vale ressaltar que outros tratamentos farmacológicos com medicamentos dopaminérgicos, ligantes alfa-2 (por exemplo, gabapentina), benzodiazepínicos e clonidina não foram adequadamente investigados em crianças.
Parassonias
Afetam até 50% das crianças. A maioria das parassonias se resolve espontaneamente na adolescência. No entanto, até 4% dos indivíduos podem ter persistência na idade adulta. São caracterizadas por eventos físicos indesejáveis ou experiências durante o início do sono, durante o sono ou durante o despertar do sono. Pacientes que desenvolvem parassonias possuem predisposição genética e manifestam os sintomas por privação de sono na presença de fatores precipitantes (por exemplo, Apneia Obstrutiva do Sono, síndrome das pernas inquietas, doença do refluxo gastroesofágico, dor, estresse e estímulos externos).
Durante as transições sono-vigília, as parassonias se manifestam como atividades complexas, às vezes dramáticas, que parecem intencionais ou automáticas, mas não representam interações significativas com o ambiente. A criança pode ser difícil de despertar, parece confusa, pode voltar a dormir rapidamente e pode ter amnésia sobre o episódio.
Despertares confusos, terrores noturnos e sonambulismo são parassonias do sono sem movimento rápido dos olhos e ocorrem na primeira metade do período de sono. A criança pode sentar-se na cama, parecer confusa, gritar precipitadamente ou sair da cama e, geralmente, ter amnésia do evento. Pesadelos ocorrem durante o sono de movimento rápido dos olhos, predominantemente na segunda metade do período de sono, com lembrança de sonho apropriada para a idade quando acordado.
O diagnóstico é feito com base na história. A polissonografia é indicada em 3 casos:
a descrição não é típica ou houve uma lesão;
há preocupação com convulsões noturnas ou distúrbio comportamental do sono de movimento rápido dos olhos;
há preocupação com fatores precipitantes, como apneia obstrutiva do sono ou movimento periódico dos membros distúrbio (movimentos das pernas mediados neurologicamente agrupados que perturbam o sono).
O tratamento é baseado na educação, tranquilização e controle dos fatores precipitantes. Como as parassonias podem envolver sair da cama e até correr, precauções de segurança devem ser tomadas. Isso inclui trancar portas e janelas, usar alarmes de movimento, remover armas de fogo e objetos pontiagudos de locais de fácil acesso, remover o chão de brinquedos e colocar o colchão no chão. Casos de crianças com comportamento violento ou lesão ou sem resposta ao tratamento conservador, necessitam de encaminhamento para um especialista em medicina do sono.
Síndrome da fase atrasada do sono
A síndrome da fase atrasada do sono é um distúrbio do ritmo circadiano no qual o período principal do sono é atrasado em mais de duas horas por pelo menos três meses. Com essa síndrome, os horários do início do sono e do despertar estão atrasados. Assim, o horário do sono-vigília não está alinhado com os horários socialmente aceitáveis.
Essa patologia é mais comum entre os adolescentes, com uma prevalência de 7% a 16%. 40% dos pacientes com essa síndrome apresentam história familiar positiva. Fatores genéticos (por exemplo, polimorfismo no gene 3 do regulador circadiano do período), fatores ambientais (incluindo diminuição da exposição à luz matinal) e aumento da exposição à luz noturna exacerbam a fase circadiana atrasada.
A luz é o mais poderoso controlador do relógio circadiano principal localizado no núcleo supraquiasmático. A exposição à luz antes da hora de dormir desejada (por exemplo, exposição à tela ao usar as redes sociais) diminui a secreção de melatonina, retardando assim o início do sono.
O diagnóstico é clínico e a criança e a família devem ser incentivadas a manter um diário de sono por sete a 14 dias, incluindo fins de semana. As rotinas de dormir e acordar precisam ser praticadas de forma consistente com uma boa higiene do sono.
Como tratamento, deve-se orientar aos responsáveis e aos adolescentes a importância da prática da higiene do sono, como evitar a exposição à luz brilhante e azul (por exemplo, dispositivos eletrônicos) antes de dormir. Pode-se prescrever Melatonina (0,3 a 5 mg) administrada cerca de 1,5 a 6,5 horas antes de dormir e terapia com luz brilhante nas primeiras 1 a 2 horas após acordar.
Esse texto contém os principais pontos abordados pela publicação do American Family Physician em 2022.
Referência:
Deshpande, P., Salcedo, B., & Haq, C. (2022). Common Sleep Disorders in Children. American family physician, 105(2), 168-176. Retrieved from https://escholarship.org/uc/item/3964z9kx
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