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Em busca da felicidade por meio da tristeza! O que aprendi durante a pandemia

Em busca da felicidade por meio da tristeza! O que aprendi durante a pandemia
Andressa de Souza Klingenfus
jul. 20 - 5 min de leitura
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Durante os longos meses em que a pandemia aconteceu, assim como toda a população global, tive diferentes trajetos, traçados a partir dos diferentes tipos de lutos que eu estava passando. Faço psicanálise desde os meus 12 anos e na nunca imaginei que passaria por tantas questões tão profundas do meu ser como passei durante esse período de catástrofe mundial.

Imaginava que, por já ter vários aparatos psicológicos, criados por anos de terapia, eu lidaria relativamente bem com qualquer coisa que viesse. Estava errada! Acredito fielmente que o ser humano não consegue se preparar para catástrofes mundiais, pelo menos não no quesito psicológico. Para falar sobre eventos, artes, textos que me apresentaram novos caminhos durante a pandemia, precisarei expor um pouco sobre minhas vivências.

Em meio ao caos em que estava o mundo, tive que passar pelo primeiro término da minha vida, rompi com várias amizades de longa data e não tinha ninguém além de mim mesma (e minha família que foi extremamente importante na época) para lidar com as perdas.

Até o momento de sermos vacinados, eu e meus familiares estávamos seguindo todas as recomendações para evitar contágio pelo coronavírus (incluindo os vídeos informativos semanais do virologista Átila Iamarino). Não entrávamos em contato com ninguém, uma vez que meu pai apresenta vários problemas de saúde e não poderíamos nos arriscar.

Por um lado, foi ótimo, pois estávamos vivos, seguros e aprendendo a conviver e nos amar mais. Mas, por outro, muitas vezes me sentia solitária e extremamente triste, vivendo com a inconveniência de pensar que o que eu estava sentindo não era válido comparado com o que tantas outras famílias estavam sofrendo (perda de entes queridos, doença, falta de comida, moradia...).

Hoje, posso dizer que nunca estive tão triste na minha vida e, logo que o número de casos de Covid-19 na cidade de Curitiba diminuíram, me reuni com três amigos na casa da praia de uma das minhas melhores amigas para comemorar seu aniversário. Uma das pessoas presentes era estudante de Psicologia e, entre as várias conversas que tivemos durante a viagem, falamos sobre a importância de sentir o sentimento que nossa sociedade considera “ruim”: a tristeza.

Diante da visão do filósofo Carl Gustav Jung, somos seres dicotômicos, não sendo possível, portanto, vivenciar a felicidade sem também vivenciar a tristeza. Esta frase, que me foi dita naquele momento, mudou o curso não somente durante a pandemia, mas da minha existência. Aprendi que a tristeza era somente mais um sentimento como qualquer outro e, que no momento em que estávamos no mundo (e que eu estava na minha vida), para sentir felicidade deveríamos sentir também a tristeza.

Foi a partir desse momento que decidi realmente sentir toda a tristeza de tudo o que estava vivendo: a quantidade de vidas ceifadas por má-gestão, meus términos e, por fim, também o luto da pessoa que eu era no passado. Foi nesse momento que o meu processo de cura psicológica começou. Tive a oportunidade de aprender vários aspectos do meu novo ser.  Consegui entender a importância que tem para a saúde mental o exercício físico, se alimentar de maneira saudável, tomar banho de sol e aproveitar os mínimos detalhes que a vida proporciona, que muitas vezes deixamos passar sem observar e sem nos contentar.

Outros hobbies que me marcaram muito na época foi aprender a gostar de ler livros não-acadêmicos, assistir filmes clássicos e aprender a tocar um novo instrumento, o violino, enquanto meu pai aprendia saxofone. Aprendemos juntos a tocar a música que ele cantarolava para eu ninar: Moon River, tema do filme “Bonequinha de Luxo”, estrelado pela Audrey Hepburn.

O filme que mais me marcou durante esse trajeto e que sintetiza bastante o que passei foi “O escafandro e a borboleta” (2007), dirigido por Julian Schnabel. É uma obra-prima que conta sobre um grande aproveitador da vida que sofre um derrame que o deixa paralisado e dependente da equipe multidisciplinar do hospital e de sua família,  a qual antes ele não dava muito valor. Ele passa por vários momentos durante o filme, relembrando coisas incríveis do passado e aproveitando, do jeito que podia, os momentos atuais, pensando em tudo o que perdeu por estar encarceiado em seu próprio corpo.

O filme me marcou muito, principalmente por que, assim como o protagonista, sinto que eu não dava tanto valor às questões “pequenas” que realmente me fazem ser uma pessoa mais feliz. Descobri que existe a possibilidade de ter momentos felizes até nos momentos mais trágicos. As reflexões propostas pela obra me ajudaram a me tornar uma pessoa mais grata a tudo o que tenho, mesmo durante a pandemia, no momento em que facetas do cotidiano eram retiradas para mim e de todo o mundo.

Referências

Filme "Bonequinha de Luxo". Direção de Blake Edwards. Produção de Jurow-Shepherd. Paramount, 1961

JUNG, C.G. "A Prática da psicoterapia: contribuições ao problema da psicoterapia e à psicologia de transferência". Petrópolis: Editora Vozes, 1985.

Filme "O Escafandro e a Borboleta". Direção: Julian Schnabel. Produção de Kathleen Kennedy. França: Europa Filmes, 2007.

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