Imagine dois pacientes de mesmo sexo, idade semelhante, que
moram na mesma localidade e possuem a mesma doença. Imaginou? Ora, seria de se
esperar, pela Medicina tradicional, que a eles iriam ser prescritos os mesmos
medicamentos e que eles iriam responder de forma igualmente satisfatória ao
tratamento. É isso que vemos na prática? Não, não mesmo. E a origem desta diferença
de resposta farmacológica, bem como na distinta evolução natural da doença em
questão, manifestação de sintomas e outras características clínicas, pode estar
nos genes.
À medida em que os dados gerados a partir da utilização de
registros eletrônicos de saúde, testes genéticos, análises de big data e inteligência
artificial aumentaram e foram organizados de forma mais eficiente nos últimos
anos, previsões mais assertivas em relação à eficácia de estratégias de
tratamento e prevenção de determinada doença para grupos específicos de pessoas
foram surgindo.
Desta forma, desponta a chamada Medicina de Precisão. Em uma
rápida busca no PubMed, ao digitar os termos “precision medicine”, são
encontrados nada menos que 56.635 resultados, em uma tendência crescente de
publicações científicas especialmente a partir do ano de 2015, quando o
ex-presidente estadunidense Barack Obama criou a Precision Medicine Initiative,
programa cujo intuito era revolucionar a forma como melhoramos a saúde e
tratamos doenças.
Até pouco tempo atrás, a maioria dos tratamentos médicos foi
projetada para o “paciente médio”. Como resultado dessa abordagem de “tamanho
único”, os tratamentos podem ser muito bem-sucedidos para uma porção de
pacientes, mas não para outros. A Medicina de Precisão, por outro lado, leva em
consideração as diferenças genômicas e de expressão genética, heranças, ambientes
e estilos de vida inerentes a cada ser humano. Ela representa um instrumento que
direciona para tratamentos específicos para as doenças, reconhece a
individualidade de cada paciente e auxilia, especialmente, na prevenção destas.
Para isso, alia dados tradicionalmente usados para
diagnóstico e tratamento, como sinais, sintomas, histórico familiar e exames
complementares, ao perfil genético de cada pessoa. Desta forma, a Medicina de
Precisão não é antagônica à Medicina tradicional, mas sim complementar. A
principal diferença está no grau de dependência de dados, principalmente de
informações genéticas, que são uma novidade no kit de ferramentas do médico,
mas tem perspectivas de grandes avanços nos próximos anos.
Embora ao ler termos como Genômica, Proteômica,
Metabolômica, biomarcadores, farmacogenética, exoma e terapia celular você
possa imaginar que está lendo um livro de ficção científica, saiba que a
Medicina de Precisão já é uma realidade ao redor do mundo e inclusive no Brasil
– desde 2015 já contamos com o Brazilian Initiative on Precision Medicine
(BIPMed), que envolve instituições de ensino e pesquisa públicas do estado de
São Paulo e cujo objetivo é criar uma plataforma para estocar dados genéticos da
população atendida nestes locais.
Os benefícios e vantagens que podem ser colhidos com a
implementação da Medicina de Precisão são inúmeros: além de fornecer aos profissionais de saúde
dados concretos para a eleição da conduta de tratamento mais efetiva e segura
de acordo com as características específicas de cada paciente, ela também é uma ferramenta de prevenção. Já imaginou se pudéssemos
descobrir a susceptibilidade genética de cada paciente a diversas doenças e
saber quais pacientes iriam se beneficiar mais de programas de rastreamento
precoce, de tratamentos mais ou menos invasivos, de determinadas mudanças de
estilo de vida? Isso pode ser a realidade muito em breve.
Ademais, entram aqui a certeza de mais assertividade no
diagnóstico e na conduta médica de doenças já bem conhecidas; melhor
entendimento dos mecanismos pelos quais as doenças ocorrem; e a detecção de variantes
genéticas que podem indicar pior prognóstico, alertando a equipe para a
necessidade de acompanhamento médico mais frequente. A otimização do tratamento
gera redução dos custos, minimização dos efeitos colaterais e, obviamente,
objetiva a maximização dos efeitos benéficos, visando a cura. A Medicina de
Precisão também pode trazer melhorias na produção de pesquisas científicas e
dados em saúde.
Embora tais ganhos já sejam bem conhecidos dos profissionais
da oncologia, todas as especialidades médicas podem se beneficiar do uso da
Medicina de Precisão: neurologistas, psiquiatras, imunologistas,
endocrinologistas, cardiologistas, pediatras, dermatologistas, obstetras... A
lista é grande. Além disso, outras profissões da saúde utilizarão as
ferramentas desta nova abordagem em prol de seus pacientes: nutricionistas,
educadores físicos, farmacêuticos, biomédicos e muitos outros.
Apesar do grande potencial da Medicina de Precisão,
alguns desafios precisam ser superados para que sua expansão ocorra, dentre os
quais encontram-se o alto custo dos testes genéticos, questões éticas, legais e
sociais, a necessidade de integração das informações em saúde, entre outros.
A saúde como um todo rapidamente se transforma em direção à Medicina de Precisão, que busca uma melhor compreensão fisiopatológica das doenças, otimiza os tratamentos e oferece um universo de possiblidades de prevenção das doenças e otimização da saúde, melhora de performance e aumento da longevidade. No futuro breve, seremos capazes de oferecer cuidados mais acessíveis e personalizados, utilizando ferramentas da genômica baseada em evidências e outras "ômicas" para trilhar melhores caminhos de cuidados centrados no paciente.
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