Em seu trabalho intitulado 'Emergências em Voo: Enquadramento da Atuação do Médico Voluntário', Rui Pombal explora a especialidade da medicina aeronáutica, uma área que se ocupa das questões médicas relativas ao voo e à aviação. Esta especialidade inclui a avaliação da aptidão médica para o voo de profissionais de aviação e passageiros, bem como a resposta a situações médicas que possam surgir durante o voo. No campo dos passageiros, são muitos os que têm questões ou receios relativamente a viajar de avião. Este conteúdo, baseado publicação de Pombal, visa esclarecer algumas dessas questões e auxiliar os profissionais de saúde a responderem eficazmente a situações médicas em voo.
Os efeitos do voo no corpo humano são complexos e variam em função da altitude, da duração do voo, e do estado de saúde individual. Com o aumento da altitude, há uma diminuição da pressão atmosférica e, consequentemente, da disponibilidade de oxigênio. Este fenômeno, denominado hipóxia hipobárica, pode ter efeitos sobre vários sistemas do organismo, nomeadamente sobre o sistema cardiovascular, o sistema respiratório, e o sistema nervoso central. Outros efeitos do voo incluem alterações do ritmo circadiano, desidratação, e a formação de gases nos tratos gastrointestinais e nas cavidades do corpo, como os seios paranasais e o ouvido médio.
Apesar de raras, podem ocorrer situações médicas a bordo que exigem uma resposta rápida e eficaz. É aqui que entra a importância dos profissionais de saúde a bordo. Estes profissionais têm um papel crucial na resposta a estas situações, quer através do seu treino e capacidades médicas, quer através da utilização de equipamentos de emergência presentes a bordo.
A prevenção no ar começa em terra. A priori, doentes nas categorias seguintes devem contactar as reservas da companhia aérea, ou a sua agência, ou seguradora de viagem, para que, preferencialmente mais de três dias antes do voo, o departamento médico da companhia aérea possa determinar quais as medidas adicionais indicadas para prevenir uma descompensação relacionada com alguma combinação dos cinco fatores acima referidos:
• passageiros incapacitados ou que constituam um risco para si próprios, para outros ou para a segurança das operações de voo (incluem-se passageiros com doença em fase contagiosa e doentes psiquiátricos não estabilizados) • passageiros que possam necessitar de cuidados especiais em voo, incluindo maca, oxigênio ou outro equipamento médico • passageiros com gesso ou canadianas • gestantes com complicações ou com mais de 36 semanas • recém-nascidos na primeira semana de vida.
As ocorrências médicas em voo são uma realidade do dia-a-dia da aviação e estima-se que ocorrem cerca de 150 diariamente em todo o mundo. Felizmente, a enorme maioria dos casos é pouco grave, sendo resolúvel ou estabilizável com os recursos a bordo. A aviação, por motivos de segurança, entre outros, é altamente regulamentada, pelo que os recursos logisticamente limitados que existem a bordo se encontram bem definidos com algum grau de previsibilidade.
Em mídia, e mesmo na literatura científica, é comum a disseminação de mitos relativamente à natureza, implicações e abordagem das emergências a bordo, pelo que é relevante que os médicos em geral, potenciais voluntários, tenham presentes alguns conceitos e ferramentas de base que lhes possam facilitar a atuação. Estudos apontam para colaboração de voluntários médicos a bordo, consoante as séries, em 35% a 86% dos casos.
Em conclusão, os médicos voluntários que se apresentam ao chamado "If there’s a doctor on board please make yourself known to the cabin crew." desempenham um papel crucial em situações de emergência em voo. A sua contribuição não só ajuda a estabilizar o passageiro em necessidade, mas também contribui para a segurança e tranquilidade de todos a bordo. Apesar dos desafios únicos apresentados pelas condições de voo, o treinamento médico e os equipamentos de emergência a bordo permitem que esses profissionais respondam efetivamente a uma ampla gama de situações médicas.
A medicina aeronáutica é uma especialidade complexa, com sua própria gama de considerações e desafios. A compreensão e a preparação para os efeitos do voo no corpo humano são fundamentais para a gestão eficaz das emergências em voo. Ainda assim, a colaboração dos médicos voluntários é fundamental, com estudos indicando que eles atuam em uma alta proporção de situações de emergência em voo.
Em última análise, cada voo é uma comunidade temporária, com todos os passageiros partilhando a mesma experiência de viagem. Quando ocorre uma emergência, a resposta da comunidade - neste caso, a tripulação e os médicos voluntários - pode fazer uma enorme diferença. Portanto, o apelo "If there’s a doctor on board please make yourself known to the cabin crew." vai além de um simples pedido de assistência: é um reforço da importância da solidariedade e cooperação para garantir a segurança e o bem-estar de todos a bordo.
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Referência:
Pombal, Rui. Emergências em Voo: Enquadramento da Atuação do Médico Voluntário. Rev. Medicina Desportiva informa, 2023; 14(3):19-20