Um estudo publicado em JAMA Network Open focou em descrever as causas de mortes infantis pós-neonatais. Conforme mencionado, o declínio no número de mortes de crianças com menos de cinco anos tem sido notável nas últimas décadas, reduzindo-se de mais de 17 milhões de mortes anuais nos anos 1970 para estimados 5,3 milhões em 2019. No entanto, a situação é contrastante quando analisado diferentes regiões geográficas, com os países de baixa e média renda ainda apresentando uma parcela desproporcional destas mortes – até 99% do total global.
Muitas das estatísticas atuais sobre as causas dessas mortes em países de baixa e média renda são baseadas em métodos com confiabilidade questionável, como autópsias verbais e registros clínicos anteriores ao óbito. Esses registros frequentemente não oferecem detalhes suficientes para determinar com precisão a causa da morte. Além disso, a forma como as causas de morte são tradicionalmente resumidas e descritas para fins estatísticos frequentemente simplifica demais um processo que, na realidade, pode ser multidimensional e complexo.
Neste contexto, a rede CHAMPS (Child Health and Mortality Prevention Surveillance) foi estabelecida em 2016 para conduzir uma vigilância padronizada e abrangente das causas de mortalidade infantil em locais com alta mortalidade na África subsaariana e na Ásia. Uma das principais inovações introduzidas pela CHAMPS foi o uso da abordagem MITS (minimally invasive tissue sampling) pós-morte para investigar as causas da morte. Esta técnica tem se mostrado mais confiável do que as autópsias verbais e os registros clínicos, além de ser mais aceitável culturalmente.
A análise das principais causas de mortalidade infantil revelou que a desnutrição foi a causa subjacente mais comum, presente em 16,5% das mortes. Além disso, 45,5% de todas as mortes estudadas apresentavam critérios para desnutrição grave. Outras causas relevantes incluíram HIV/AIDS, infecções do trato respiratório inferior, septicemia, malária e doenças diarreicas. Significativamente, patógenos como Klebsiella pneumoniae e citomegalovírus também emergiram como importantes contribuintes para a mortalidade infantil, apesar de anteriormente não serem amplamente reconhecidos neste contexto.
Na figura abaixo, extraída do estudo original é possível observar a contribuição relativa de diferentes patógenos para as síndromes ou condições mais comuns:
Fonte: JAMA Netw Open. 2023. doi:10.1001/jamanetworkopen.2023.22494
Importa ressaltar que quase 8 em cada 10 mortes estavam associadas a infeções, com destaque para a prevalência significativa de S. pneumoniae e H. influenzae, indicando lacunas na cobertura de vacinação. Além disso, até 82,3% das mortes foram consideradas evitáveis ou potencialmente evitáveis, reforçando a necessidade urgente de intervenções direcionadas.
Fonte: JAMA Netw Open. 2023. doi:10.1001/jamanetworkopen.2023.22494
Na figura a seguir, também oriunda do estudo, é expresso a frequência de ocorrência dos 20 diagnósticos mais comuns de acordo com a posição na cadeia de eventos:
Fonte: JAMA Netw Open. 2023. doi:10.1001/jamanetworkopen.2023.22494
Embora os resultados da CHAMPS sejam valiosos, é importante considerar suas limitações. Os dados são fortemente inclinados para os locais de estudo na África subsaariana, e podem não ser totalmente representativos para outros contextos. Além disso, a metodologia do CHAMPS, embora inovadora, ainda possui desafios relacionados à padronização entre os locais de estudo.
Em conclusão, as descobertas da CHAMPS proporcionam uma compreensão mais precisa das causas da mortalidade infantil, destacando a necessidade de aprimorar e redefinir abordagens para a construção de estimativas de causa de morte. Estes insights são cruciais para direcionar estratégias de intervenção mais eficazes e baseadas em evidências, buscando melhorar a sobrevivência infantil em regiões desfavorecidas.
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Referência:
Bassat Q, Blau DM, Ogbuanu IU, et al. Causes of Death Among Infants and Children in the Child Health and Mortality Prevention Surveillance (CHAMPS) Network. JAMA Netw Open. 2023;6(7):e2322494. doi:10.1001/jamanetworkopen.2023.22494