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Ninguém brinca de médico dentro do hospital

Ninguém brinca de médico dentro do hospital
Isadora Mesadri
nov. 2 - 5 min de leitura
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Você já ouviu a expressão “brincar de médico”? 

Certamente sim. E normalmente, quando 2 adultos falam isso um pro outro, a intenção não é brincar em um ambiente hospitalar e sim, em um local reservado, como um espaço doméstico. 

Essa sexualização que ocorre na profissão médica é histórica, como explicou  Áureo Lustosa Guérios, doutor em Humanidades Médicas pela Universidade de Pádua, na websérie Legados. 

Em sua aula, Áureo demonstrou as pinturas de Jan Steen sobre o atendimento médico domiciliar entre 1658 e 1662 e os elementos que reafirmam a sexualização e sedução da prática médica nas casas daquela época. 

Áureo ressalta que a criação hospitalar foi entre os meados do séculos 18 e 19 e popularizado apenas no século 19-20, antes disso, era o médico que ia nas casas dos pacientes para fazer consulta. Além disso, naquela época, a medicina era composta por apenas homens, sendo as mulheres destinadas a atuar como enfermeiras ou curandeiras, as quais tinham como função cuidar das mulheres e da alma.

Dessa forma, ao analisar as obras de Jan Steen, Áureo destacou o semblante do médico na pintura, os elementos que mostram, em entrelinhas, a sedução na prática médica domiciliar daquela época, como: um menino brincando com arco e flecha representando o cupido; o marido ao fundo, desinteressado na consulta médica, mas mostrando que a paciente é casada e, como código na pintura, referindo que ele não participa da inseminação; a cama; a pintura na parede com dois amantes e  a paciente ser jovem.

Todos esses elementos juntos nos permite inferir que ou essa doença é fingida, para que o médico e a jovem tenham um momento a sós, ou que ela esteja passando mal por estar grávida do médico e não do marido, já que ele está longe. 

Obra: A visita do médico, de Jan Steen

Também, a relação da prática da medicina com a sexualição é admitida pelo juramento de Hipócrates em sua versão mais antiga, do século 2 da era comum, o qual diz:

“Irei a toda casa para o benefício dos enfermos e me absterei de todo ato voluntário de maldade e corrupção; e também da sedução de mulheres ou homens, sejam livres ou escravizados.”

Na medicina Chinesa, o documento de introdução à medicina é ainda mais rígido. Nele, é recomendado que os médico examinem apenas as mulheres que estão com uma doença grave e ainda assim, com a cortina da cama entre o médico e a paciente e o médico usando uma gaze para pegar o pulso da enferma, para não tocá-la diretamente com a pele. Ainda, para aquelas que estavam levemente doentes, o aspecto físico deveria ser perguntado a um parente próximo, presumindo-se um homem, pois o médico não deveria entrar no quarto da paciente. 

Além da prática médica ser predominantemente masculina desde o seu início, a medicina acadêmica até século 20 também era composta majoritariamente por esse gênero. Esses homens tinham acesso a uma educação médica profundamente sexualizada e que envolvia a violência sexual. Um dos exemplos trazidos por Áureo é o uso das "Anatomical Venus”, que são bonecas usadas para o aprendizado da medicina. O próprio nome das bonecas remete à deusa do amor e do sexo, Vênus. Essas bonecas eram em sua maioria mulheres, jovens, bonitas, vestidas com roupas elegantes e jóias, que ficavam em camas com lençóis de cetim e que eram feitas em posições e semblantes erotizados. 

Essa é uma Anatomical Venus, que não está vestida, mas está na cama com lençol de cetim, possui semblante e posição erotizados, é jovem, com um cabelo longo e está usando uma tiara de ouro. 

Todos esses elementos históricos contribuem para a construção da banalização atual da violência sexual em ambientes de saúde. Por ser uma cultura estrutural e enraizada é necessário falar sobre e agir contra esse movimento, para que a violência sexual, assim como a sexualiação no meio da saúde, minimizem-se. 

O professor Áureo será um dos mestres que participará como facilitador da websérie Legados. O Legados é uma capacitação que proporcionará aos interessados combater a violência sexual de maneira ativa, proporcionando os caminhos para a resolução de problemas complexos de forma colaborativa e inovadora. O programa tem como intuito previnir a violência sexual em ambientes de saúde e, para isso, ao final dos encontros será elaborado um plano de ação pelos participantes, para ser entregue aos gestores e resposáveis por essas instuições. 

Ficou interessado em mudar esse cenário? 

Acesse este link para saber mais sobre o programa e fazer sua inscrição! 

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