O rol de procedimentos listados pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) para cobertura de planos de saúde deixou de ser exemplificativo e se tornou taxativo. Muito se tem falado sobre como isso deve afetar ou não os clientes das operadoras de saúde. Mas e para o médico, o que muda? Será que a alteração impacta na autonomia do profissional de saúde?
O especialista em pediatria e nefrologia Donizetti Dimer Giamberardino – que é diretor-técnico do hospital infantil Pequeno Príncipe, de Curitiba, e conselheiro dos conselhos Federal de Medicina (CFM) e Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) – acredita que não. Segundo ele, o médico, baseado em fatos científicos, deve continuar a prescrever o que considera ser mais benéfico ao paciente, sendo que caberá a este e seus familiares buscar a garantia de seus direitos.
“O médico deve fazer a prescrição e explicar ao paciente o que é disponibilizado pelos gestores ou não”, afirma. “Porém, o rol taxativo é uma decisão polêmica. Ele dificulta a demanda judicial em primeira instância e isso, na área da saúde, é muito preocupante. Em alguns casos, se o paciente não tem acesso a determinado tratamento em menos de um ano, ele perde uma grande oportunidade de recuperação”.
Em opinião pessoal, o médico cardiologista e intensivista Júlio Braga, que também atua como conselheiro do CFM, diz que a questão é complexa e pode gerar um dilema médico. Segundo ele, mesmo que a disponibilidade ou não de um determinado tratamento seja informada, pode haver problemas de comunicação que venham a afetar a relação de confiança entre médico e paciente.
“Um paciente ou familiar pode não entender o que foi explicado e vir a reclamar do que lhe foi recomendado. Por isso, acredito que a taxatividade pode fazer sim com que a autonomia dos médicos venha a ser afetada em algumas situações”, comenta. “O rol taxativo pode gerar dificuldades se não forem criados mecanismos de agilidade para autorizar outros procedimentos”.
Já a conselheira do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ), Beatriz Costa, acredita que o rol pode vir a afetar as recomendações feitas por médicos que trabalham em ambulatórios próprios de operadoras de saúde. “Os médicos que trabalham diretamente para as operadoras podem ter comprometidos seus empregos por não seguir o que está definido dentro do rol como prescrição, o que vai contra a autonomia do médico, pelo Código de Ética Médica”.
No âmbito privado, Beatriz diz que os médicos sem relação com as operadoras continuarão tendo a liberdade de prescrever tudo o que julgarem indicado. “Entretanto, os pacientes eventualmente não terão acesso a alguns tratamentos, por estes não constarem no rol, estando aí apenas explícita a limitação de uma relação contratual”.
A conselheira do CREMERJ lembra também que o rol pertence à ANS, “que não tem influência no SUS (Sistema Único de Saúde), que tem seus protocolos e diretrizes determinados pelo Ministério da Saúde (MS), respeitando as leis que o regem”.
Porém, Donizetti Giamberardino prevê que o fato dele ter se tornado taxativo acabe, em um momento ou outro, gerando ônus ao SUS. Não aos médicos ligados a ele, mas ao sistema como um todo. “Levando em consideração que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, ao ter um tratamento negado pelo sistema privado, o paciente vai tentar consegui-lo pelo SUS. A taxatividade contribui com a piora da desigualdade. Socializa o prejuízo e privatiza o lucro”, declara o especialista em pediatria.
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