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STJ suspende ações relativas ao cultivo de cannabis medicinal no Brasil

STJ suspende ações relativas ao cultivo de cannabis medicinal no Brasil
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mar. 23 - 10 min de leitura
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A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou, no início desta semana, a suspensão da tramitação de ações individuais ou coletivas que discutem a possibilidade de autorização para importação e cultivo de variedades de cannabis para fins medicinais, farmacêuticos ou industriais.

A medida é válida para todo o território nacional e ocorre, segundo o próprio STJ, após a admissão de incidente de assunção de competência (IAC) sobre o tema, delimitado nos seguintes termos: "Definir a possibilidade de concessão de autorização sanitária para importação e cultivo de variedades de cannabis que, embora produzam tetrahidrocanabinol (THC) em baixas concentrações, geram altos índices de canabidiol (CBD) ou de outros canabinoides, e podem ser utilizadas para a produção de medicamentos e demais subprodutos para usos exclusivamente medicinais, farmacêuticos ou industriais, à luz da Lei 11.343/2006, da Convenção Única sobre Entorpecentes (Decreto 54.216/1964), da Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (Decreto 79.388/1977) e da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Decreto 154/1991)".

Além da suspensão nacional dos processos, a ministra e relatora Regina Helena Costa, determinou, para julgamento do IAC, a comunicação a diversos órgãos e instituições para que manifestem seu interesse de participar do processo. Para entender um pouco mais sobre a determinação e suas consequências, a Academia Médica conversou com o advogado Cristiano Plate, Sócio Titular do Escritório Especializado em Direito Médico e Hospitalar e Saúde Suplementar, Cristiano Plate & Advogados Associados. Confira:


Academia Médica: Por que a questão do cultivo do cannabis no Brasil é tão controversa?

Cristiano Plate: A questão é controvertida porque a legislação proíbe o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, e a cannabis sativa está na Lista I da Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 e integra a lista “E” da Portaria 344/1998 da ANVISA, que é norma sanitária que dispõe sobre as medidas de controle para substâncias Entorpecentes, Precursoras, Psicotrópicas e Outras sob Controle Especial. (Lei 11.343/2006; RCD 66/2016; Resolução nº. 327/2019 da ANVISA; Resolução nº 335/2020 da ANVISA)

Hoje, a utilização de produtos derivados de cannabis para fins medicinais é regulada pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) por meio da Resolução da Diretoria Colegiada 327/2019, havendo, atualmente, mais de 23 medicamentos à base de canabidiol e de outros canabinoides autorizados pela agência. Porém, esses fármacos são produzidos em território nacional mediante utilização de canabidiol e de outros canabinoides oriundos de países onde é autorizado o plantio de hemp (cânhamo industrial) e demais variedades de cannabis.

O Brasil não possui regulamentação específica para cânhamo, pois, cientificamente, entende-se que se trata da mesma espécie já regulamentada como Cannabis sativa, prevista na Portaria nº 344/1998 e suas atualizações, estando controladas a planta e todas as substâncias dela obtidas. A necessidade de controle destes produtos se justifica, entre outras razões, pelo fato de suas propriedades apresentarem potencial de causar dependência e de serem utilizadas de forma abusiva ou indevida.

No STJ, a orientação jurisprudencial das Turmas que integram a 3ª Seção é no sentido de autorizar o plantio de Cannabis por pessoas físicas, para fins medicinais, de sorte a permitir a extração de substâncias necessárias à produção de medicamentos artesanais prescritos por profissionais de saúde, afastando, em consequência, a caracterização dos crimes dos arts. 28 e 33 da Lei n.11.343/2006, diretriz cuja observância, conquanto permita o cultivo das mencionadas culturas de maneira restrita ao uso individual, insere-se no contexto maior de debates atuais acerca das diversas formas de utilização de derivados de Cannabis para fins medicinais ou farmacêuticos (e.g. 5ª T., HC n. 779.289/DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 22.11.2022, DJe 28.11.2022; 6ª T., RHC n. 147.169/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 14.06.2022, DJe 20.06.2022; 6ª T., REsp n. 1.972.092/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 14.06.2022, DJe 30.06.2022)

No âmbito da Câmara dos Deputados, encontra-se em trâmite o Substitutivo ao Projeto   de Lei n. 399/2015, de relatoria do Sr. Deputado Federal Luciano Ducci, o qual versa sobre o Marco Regulatório da Cannabis no Brasil e regulamenta o mercado de cultivo da planta e de industrialização de seus subprodutos para fins medicinais, cujo aspecto abrangente se volta à instituição de regramento direcionado a quaisquer de suas variedades, mesmo aquelas com elevadas concentrações de THC.

Enquanto a discussão legislativa não avança, as pessoas que precisam de medicamentos à base de canadibiol têm recorrido ao Judiciário.


Academia Médica: O que representa essa determinação do STJ?

Cristiano Plate: A admissão do Incidente de Assunção de Competência (IAC) pela Primeira Seção do STJ, proferida no REsp 2.024.250, não se trata de uma proibição, mas sim da criação de um precedente vinculante para fixar tese delimitando a questão de direito controvertida, qual seja:

“Definir a possibilidade de concessão de Autorização Sanitária para importação e cultivo de variedades de Cannabis que, embora produzam Tetrahidrocanabinol (THC) em baixas concentrações, geram altos índices de Canabidiol (CBD) ou de outros Canabinoides, e podem ser utilizadas para a produção de medicamentos e demais subprodutos para usos exclusivamente medicinais, farmacêuticos ou industriais, à luz da Lei n. 11.343/2006, da Convenção Única sobre Entorpecentes (Decreto n. 54.216/1964), da Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (Decreto n. 79.388/1977) e da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Decreto n. 154/1991).”

No recurso será avaliado se a vedação ao cultivo e à exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas (artigo 2º da Lei 11.343/2006) também alcança as culturas que produzem diminuta concentração de THC e, por conseguinte, não são empregadas na criação de entorpecentes.

A empresa que ajuizou a ação afirma que o plantio de determinada variedade de Cannabis   nomeada de Hemp (cânhamo industrial), por produzir plantas com baixo teor de THC, é incapaz de ser utilizada na fabricação de drogas e não se enquadra na vedação legal.

O TRF-4 ao analisar a matéria entendeu que uma ampla autorização para importação de sementes, plantio, comercialização e exploração industrial da Cannabis sativa, ainda que somente  uma  de  suas  espécies  e  para  fins  exclusivamente  industriais  e farmacêuticos,  é  matéria  de  natureza  eminentemente  política,  que  depende de  deliberações  dos  Poderes  Legislativo  e  Executivo,  não  cabendo  ao  Poder Judiciário  intervir  nessa  seara,  para  atender  ao  interesse  de  uma  ou  outra empresa.

Entendeu ainda que a legislação proíbe expressamente o cultivo, o comércio e a manipulação da Cannabis sativa, salvo exceções pontuais para fins de pesquisa e uso médico restrito, e o pleito da empresa é amplo, não se limita, por exemplo, a registro e comercialização de um medicamento específico, mas visa ao cultivo, em escala industrial, da Cannabis sativa para fins de extrair dela substâncias a serem utilizadas na fabricação de medicamentos.

Por enquanto, todas ações que versam sobre o mesmo tema ficarão suspensas até que seja proferida decisão nesse recurso. Serão encaminhados ofícios à Secretaria Nacional Antidrogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública-SENAD, à Agência Nacional de Vigilância Sanitária-ANVISA, ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, ao Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime - UNODC, ao Conselho Federal de Medicina-CFM, ao Conselho Federal de Biologia-CFBIO, à Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, ao Departamento de Botânica da Universidade de Brasília - UnB,  à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo-USP e  à Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis Sativa - SBEC para, querendo, apresentarem   manifestação, no prazo comum de  15  (quinze) dias, sem prejuízo de concessão de igual oportunidade a outros eventuais interessados.

Após manifestações, será aberta vista ao Ministério Público Federal para dar seu parecer. O Incidente de Assunção de Competência (IAC - REsp 2.024.250) é importante para o estabelecimento de precedentes vinculantes no País.


Academia Médica: Quem serão os principais afetados?

Cristiano Plate: Segundo alegação da empresa de biotecnologia que ajuizou ação, existe regulamentação da Anvisa para a importação de extratos de canabidiol por aqueles que pretendem fabricar e comercializar produtos derivados da cannabis, mas as mercadorias acabam sendo vendidas em valor alto no mercado nacional em razão dos entraves à importação dos insumos, razão pela qual a autorização do cultivo de hemp no Brasil é necessária.

O Conselho Federal de Medicina editou Resolução CFM 2.324/22 autorizando a prescrição do canabidiol (CBD) como terapêutica médica, se indicadas para o tratamento  de  epilepsias  na  infância  e  adolescência  refratárias  às  terapias  convencionais  na Síndrome de Dravet e Lennox – Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa, e vedando ao médico a prescrição para indicação terapêutica diversa da prevista na resolução.

Posteriormente, o CFM sustou temporariamente os efeitos da referida resolução com a emissão da RESOLUÇÃO CFM nº 2.326/2022, por conta das solicitações para revisão da Resolução pelas entidades médicas e pela sociedade civil em geral.

Os defensores do plantio entendem que a autorização do cultivo da cannabis no Brasil poderá reduzir o custo final de medicamentos feitos à base da planta, diminuindo a dependência dos consumidores em relação aos produtos importados, que são caros.

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