Muito se tem falado sobre o uso de algumas medicaçãoes (ibuprofeno, aines, IECA e ARBs) nos pacientes com Covid-19 como um fator de piora de prognóstico para os doentes. Isso não é verdade, mas também não chega a ser uma fakenews.
A afirmação se dá a partir de uma leitura desatenta do seguinte artigo "Os pacientes com hipertensão e diabetes mellitus estão em maior risco de infecção por COVID-19?" (Are patients with hypertension and diabetes mellitus at increased risk for COVID-19 infection?) recém publicado no Lancet.
O Coronavírus patogênico humano (COVID-19 ou SARSCoV-2) se liga às células-alvo através da conversão da angiotensina enzima 2 (ACE2), que é expressa pelas células epiteliais do pulmão, intestino, vasos renais e sanguíneos.
A expressão de ACE2 substancialmente está mais exacerbada em pacientes com tipo 1 ou diabetes tipo 2, que são tratados com Inibidores da ECA e angiotensina II bloqueadores do receptor tipo I (BRA) e/ou Tiazolidinedionas (ex: glitazonas).
A hipertensão também pode ser tratada com inibidores da ECA, inibidores e BRA, resultando em uma regulação positiva da ACE2. Esta regulação pode estar aumentada também por Tiazolidinedionas e AINES, incluindo o Ibuprofeno.
Esses dados sugerem que a expressão ACE2 aumentada em pacientes com diabetes e/ou em pacientes em tratamento com os inibidores da ECA e os BRA e/ou com tiazolidinedionas e/ou aines (ibuprofeno) facilitaria a infecção com COVID-19.
Portanto, a hipótese é de que o diabetes e o tratamento com
medicamentos estimulantes (IECA, ARBs, Tiazolidonas e AINES) da ECA2 aumentam risco de desenvolvimento grave e fatal COVID-19.
Caso essa hipótese seja confirmada, pode levar a possíveis conflitos em relação ao tratamento uma vez que a ECA2 reduz a inflamação e tem sido sugerido como uma nova terapia potencial para doenças pulmonares inflamatórias, câncer, diabetes e hipertensão.
Mais um aspecto a ser investigado é a predisposição genética para um risco aumentado de infecção do COVID-19. Essa predisposição pode estar relacionada ao polimorfismos da ECA2 que por sua vez, pode também estar relacionado ao diabetes mellitus, acidente vascular cerebral e hipertensão, especificamente em populações asiáticas.
Resumindo esta informação, a sensibilidade de um indivíduo a infecção pode resultar de uma combinação de terapia e polimorfismo da ECA2.
No estudo, os autores sugerem que pacientes com doença cardíaca, hipertensão ou diabetes, tratados com IECA estão em maior risco para infecção grave por COVID-19 e, portanto, devem ser monitorados.
Cabe destacar, que de acordo com os princípios básicos da epidemiologia, associação não necessariamente leva a causalidade.
Logo, utilizando o método científico clássico, temos uma hipótese que deverá ser testada e uma possível associação poderá ser demonstrada. Para se demonstrar causalidade, uma série de critérios necessitam ser preenchidos.
No estudo em questão, há um fator de confundimento e viés de seleção: os pacientes já possuíam fator de risco de gravidade por serem portadores de cardiopatia e diabetes, bem como poderiam ser portadores de polimorfismo da ECA (mais comum em asiáticos).
Em conclusão, o artigo levanta a hipótese mas não prova associação nem causalidade. Estudos epidemiológicos, de segurança e de vida real (RWE) devem ser realizados para provar essa possível associação e causalidade.
Considerando este "telefone sem fio", o Departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia, se posicionou que os tratamento com IECA e ARBs devem ser iniciados ou continuado de acordo com as diretrizes existentes, em pacientes com hipertensão arterial, insuficiência cardíaca ou infarto agudo do miocárdio, independentemente se positivos para o Covid19. Ainda reitera que não há, até o momento, justificativa para mudança de terapia.
Vamos ajudar a transmitir essa mensagem adiante?
Bruno Scarpellini, Médico Infectologista e Epidemiologista, MD MPH PhD
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