As revoluções mudaram o planeta e a todos que nele vivem. Desde a revolução agrícola até a industrial, mudanças cada vez maiores e mais rápidas aconteceram. Era impossível que uma mesma geração vivesse duas dessas revoluções. Passamos a pouco pela revolução da informação e agora não só a revolução digital, mas toda área do saber sofre uma nova revolução a cada ano ou mês, inclusive na nossa forma de pensar. Precisamos aprender mais rápido, errar mais rápido e consertar mais rápido. Precisamos ser mais eficientes. São características referidas aos Millenials, que nasceram em época de múltiplas revoluções e qualquer rotina não revolucionária altera, de sobremaneira, o equilíbrio do modo de pensar dessa geração.
Essas revoluções só aconteceram por um bem comum: o de construção de sociedade. E sociedade é, acima de tudo, colaborar. O que nos faz diferente dos outros animais é a nossa capacidade de colaborar. Assim podemos conviver em sociedades que se conectam e colaboram entre si, inclusive a dezenas de milhares de quilômetros de distância. Nossa colaboração é cada vez maior, mesmo que não percebamos de forma direta. A sociedade, como unidade colaborativa, em um meio que exige maior eficiência institui novas formas de pensar. A essas novas formas de pensar, costumamos chamar de inovação.
A inovação é um valor não mensurado, mas percebido. É abstrato, mas individualizado. Uma lagosta no século XVII era servida como comida somente a prisioneiros e criados, encontrar cascas de lagosta numa casa era um sinal de pobreza e degradação humana. O pensamento a respeito dessa mesma lagosta hoje, todos conhecem... A turma do marketing sabe muito sobre preço e valor, sabe muito bem como alterar a percepção do valor de algo, sobre redefinir o formato, o design desse pensamento.
Essa sociedade, que vive cada vez mais colaborativa, porém carente de propósito; mais interligada, porém mais distante; mais homogênea, porém dissemelhante; que resolveu seus problemas antigos, porém não soube como foi conviver com eles... continua mudando e evoluindo. Há uma necessidade de individualizar não só os problemas, mas o ser humano. A ideia de colocar o ser humano no papel de quem pode fornecer subsídios de entender o problema, de quem precisa ser ouvido, é emergente. O conhecido case da Apple tem mostrado perfeitamente todas essas questões.
Novas formas de pensar são necessárias. Uma que individualize o ser humano, que possa servir em sociedade, que falhe rápido, que aprenda rápido, que agregue valor. Com isso o Design Thinking (DT) está se tornando cada vez mais notório. Ao contrário do que se pensa, design é a concepção de um produto no que se refere não somente à sua forma física, mas à sua funcionalidade. Pessoalmente, não considero o DT como processo, abordagem, tampouco como técnica, mas como modo de ver as coisas, como mindset, como um way of life. Portanto, DT é um mindset usado para resolver problemas complexos.
Contudo, diferentemente das abordagens aprendidas na área de administração e gestão, como melhoria de qualidade ou análise de processo, o DT é multidimensional, iterativo e centrado no ser humano. Ao passo que uma iniciativa de aperfeiçoamento da qualidade pode ser restrita em escopo, foco e resultados, o mindset de DT intervém e inspira os resultados em toda organização. Ainda, considerar DT como mindset propõe sua inserção e mesclagem nas abordagens e técnicas existentes. Três pilares sustentam a base do DT: Empatia, Colaboração e Experimentação.
A empatia é um ingrediente fundamental, é a capacidade de entender e compartilhar os sentimentos ou reações dos outros. Bem diferente da simpatia, que é a percepção e reação ao sentimento alheio, a empatia exige mergulhar no mundo do outro e saber como ele vive, como foi sua experiência, o que gosta, qual seu medo. A capacidade de se identificar com o outro e ser capaz de descobrir as necessidades que ele tem, ciente ou não dessa necessidade, pode orientar os esforços de inovação.
A colaboração envolve o pensamento multidisciplinar, o trabalho com outras pessoas que pensam de forma diferente. Forma-se ali uma “micro-sociedade” temporária, com diversos stakeholders participantes do processo do problema, cada um enxergando o problema da sua forma, sem preconceitos estabelecidos, se utilizando de um brainstorming de ideias, experiências e opiniões.
A experimentação é onde ocorrem os testes, a interação, a implementação e reimplementação de um produto ou solução rápida e barata. Coloca-se rapidamente soluções personalizadas em funcionamento, como protótipos, testando sua eficácia e fazendo as melhorias necessárias em iterações sucessivas com base no feedback das partes interessadas.
Formei-me em medicina há pouco mais de uma década e, assim como meus colegas, educado sob modelos lineares tradicionais de inovação, como pesquisa básica e aplicada, seguida de desenvolvimento e comercialização, sempre obedecendo bases fincadas em outros colegas pesquisadores antes de mim, com foco em prevenção e tratamento de patologias. Tecnicamente, os resultados podem ser consistentes, porém sub-ideais do ponto de vista do paciente (vide as agulhas dolorosas de um glicosímetro, ou a dor mamária de uma paciente sadia realizando uma mamografia de rotina).
Além do mais, qual médico nunca viu um antigo resultado tecnicamente consistente deixar de ser verdade, assumindo um outro resultado consistente? Fornecemos o mesmo valor aos estudos que mostram aplicabilidade direta à saúde, assim, essas diferenças fundamentais de pensamento e conceitualização encontradas em estudos científicos requerem revisão.
Os pacientes, no papel de indivíduos da sociedade atual, assumem o importante papel do subsidiário do problema, da doença e do tratamento. Essa co-criação centrada no paciente define um conjunto de abordagens que podem acelerar e humanizar a inovação em saúde. Não se trata apenas de obter maior feedback do paciente durante todo o processo de inovação, mas de assumir o papel de co-desenvolvedores cada vez mais responsáveis por seus próprios e coletivos resultados em saúde.
Parte dos problemas vistos pelos pacientes como importantes não são reparados pelos profissionais de saúde. Isso impacta diretamente não só na experiência do usuário, mas no mal-uso e seguimento das recomendações e prescrições dos profissionais de saúde.
Problemas não enxergados pelos profissionais de saúde são inúmeros. A experiência sensorial e emocional em um corredor de emergência superlotado ou na sala do pré-operatório; as luzes acesas e/ou falta de uma televisão/livro para os aficionados internados numa UTI; a visão sofrida de outros pacientes dialíticos realizando a mesma sessão de hemodiálise; a morte de um outro paciente que dividia quarto; a sensação de pré-morte de um claustrófobo numa máquina de ressonância; longas esperas por uma consulta pré-agendada; múltiplas repetições de suas queixas para os profissionais de diferentes plantões... a lista daria um tratado de medicina interna.
Além do mais, vários erros relacionados à atividade em saúde emergem da pouca atenção dispensada aos profissionais de saúde, às necessidades reais dos pacientes e à maneira como os usuários interagem com equipamentos, software etc.
Métodos tradicionais usados durante a passagem de plantão para trocar dados de pacientes de um profissional de saúde para outro leva a situações que podem causar falha na comunicação e mal-entendidos; os variados dispositivos das UTIs disputam a atenção dos profissionais de saúde, criando uma cacofonia que leva precipitadamente a fisioterapeutas, técnicos, enfermeiros e médicos a ignorar alarmes que sinalizam riscos reais à vida dos pacientes; o prontuário eletrônico com múltiplos caminhos para o mesmo fim, ou um caminho único, longo e operacionalmente difícil para uma conduta simples... também são exemplos. Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos de enfermagem... também são usuários da saúde.
O produto em que há mais percepção de valor é a saúde do indivíduo. Nada mais justo que uma nova forma de pensar, de inovar para o paciente. Diversas mudanças no formato do pensamento estão mobilizando os cuidados de saúde, numa tendência mais centrada no ser humano, no cuidado ao paciente. O cuidado baseado no valor é uma delas, a demonstração de que um paciente pode gerar seus próprios dados vitais para informar ao seu médico o coloca como co-agente do ato do cuidar.
Os dispositivos vestíveis já são uma realidade quase ultrapassada, os wearables, aguardando a disseminação dos insedeables. Essa auto-exploração e transformação do paciente em co-desenvolvedor confere-lhe a ideia de agente proativo, outra forma de pensar. Permite ainda que os próprios pacientes experimentem uma gama enorme de dispositivos (terapia digital), iterando produtos que precisariam de toda uma sequência de liberação de agencias reguladoras. Esse modo de pensamento em saúde, posso chamar de Health Design Thinking (HDT).
O HDT está sendo incorporado em diversas configurações e condições de saúde, desde o mais clínico dos tratamentos até a alta governança em instituições de saúde, desde doenças muito conhecidas até doenças raras e recém descobertas. O HDT pode resultar em intervenções mais utilizáveis, aceitáveis e eficazes, principalmente quando customizado e incorporado a técnicas e abordagens pré-existentes.
É um mindset promissor, que está no início de sua implementação ainda (apesar de alguns afirmarem que o DT “morreu”), imprescindível para o desenvolvimento, implementação e disseminação de intervenções, tecnológicas ou não, que podem aumentar a aceitabilidade e eficácia das intervenções e prescrições na área da saúde, envolvendo pacientes e profissionais no processo de design e interagindo rapidamente com protótipos de inovação para maximizar o êxito na prevenção ou tratamento, com menores efeitos colaterais. Ao materializar e incluir a ideia e o way of life do Health Design Thinking, a saúde tem a brecha de não se decompor diante das convulsões e estresses de hoje, reduzir a ânsia dos Millenials, fragmentar e subjugar o pensamento arcaico, melhorar o legado e aprofundar o frívolo cuidado centrado no paciente.