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A história de Henrietta Lacks e a importância da blockchain para medicina

A história de Henrietta Lacks e a  importância da blockchain para medicina
Matheus Scalzilli
mar. 22 - 7 min de leitura
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Em 1951, uma jovem mulher, mãe de cinco filhos, chamada Henrietta Lacks, foi à uma consulta ginecológica no Hospital John Hopkins com uma queixa de sangramento vaginal.

Após examinar a paciente e realizar alguns exames, o Dr. Howard Jones descobriu que Henrietta tinha um câncer cervical maligno. Algum tempo depois, ela morreu, mas, curiosamente, o médico  descobriu como manter as células tumorais da moça vivas para sempre. As células foram batizadas com o nome HeLa em homenagem à paciente e revolucionaram a medicina e a ciência

                              Foto: Science Photo Library

 HeLa foi e ainda é utilizada em inúmeras pesquisas que trouxeram avanços na medicina em pesquisas relacionadas à: leucemia,  efeito da gravidade zero nas células humanas e até mesmo no desenvolvimento de vacinas da COVID-19. As células imortais movimentaram milhões de dólares na indústria da saúde enquanto a família, os cinco filhos de Henrietta, passaram anos lutando para pagar o plano de saúde.

Eventualmente, o Hospital John Hopkins reconheceu o papel de Henrietta para a medicina, recompensou a família dela e criou diversos programas de bolsas filantrópicas universitárias em nome de Henrietta Lacks. A história de Henrietta teve um final bom. Porém, ao mesmo tempo traz à tona questões importantes sobre proteção de dados médicos e  domínio sobre os dados do paciente.

Hoje, surge uma nova tecnologia com o potencial para solucionar  esse problema. A mesma tecnologia por trás das criptomoedas e os NFTs: a blockchain.

O que é a blockchain?

O que a blockchain essencialmente propõe é uma forma alternativa de realizar e armazenar dados de forma descentralizada e imutável. 

Para entendermos melhor o que é e como funciona a blockchain vamos dividir o conceito em partes. Primeiramente, o que são os blocos que compõem a blockchain? Os blocos são, em essência, um amontoado de dados que podem ser transações (como no caso do bitcoin e de outras criptomoedas) ou de documentos como veremos adiante. Esses blocos, entretanto, tem um limite de armazenamento e quando esse limite é atingido o bloco é inserido na rede junto com todos os outros blocos. 

A rede conecta todos os blocos juntos o que torna-os interdependentes, ou seja, se alguém tentar alterar alguma informação contida em algum bloco os outros blocos logo “percebem” que essa nova informação não está de acordo e a alteração é recusada o que torna a blockchain essencialmente imutável.

Além disso,  as informações contidas na blockchain são abertas e podem ser verificadas por qualquer um, o que garante que a rede permaneça descentralizada e transparente. Imagine dessa forma: quando você estava na escola sua professora corrigia sua prova e te dava uma nota – uma correção centralizada na professora. É possível, entretanto, que certo dia, na hora de calcular sua nota final, a professora esqueceu de contar a última questão da prova e você recebeu uma nota menor do que deveria, mas como é a palavra dela que vale e você não tem acesso a sua prova a situação ficou por isso mesmo. 

Agora, imagine que após a prova todos os alunos, junto à professora, recebem o gabarito e agora todos vão corrigir sua prova. Diante da segunda situação, mesmo que a professora erre o cálculo da sua nota final, os outros alunos que também vão corrigir sua prova podem perceber o erro da professora e solicitar uma nova correção. 

Em síntese, é assim que funciona a descentralização na blockchain: todos têm acesso ao “gabarito” e podem verificar a veracidade das informações contidas nos blocos.

O blockchain na saúde

Uma vez que entendemos um pouco melhor como essa tecnologia funciona, torna-se mais claro como a blockchain pode ser utilizada na proteção e domínio dos dados médicos pelo paciente.

É isso que a MediBloc propõe fazer.  Criada em 2017 na Coreia do Sul, a MediBloc é um projeto que visa criar uma blockchain para armazenar os dados médicos dos pacientes e dar a eles total autonomia sobre suas informações médicas. O plano do grupo por trás do MediBloc é criar um lugar único onde o paciente possa ter todo seu histórico médico armazenado; decidir quem tem acesso a esses dados e por quanto tempo.

 Dessa forma, o histórico médico da paciente fica sob seu domínio armazenado de forma imutável, descentralizada e segura. O MediBloc não é a única iniciativa que aborda o blockchain na saúde. Pelo mundo, projetos semelhantes têm sido desenvolvidos, o governo da Estônia por exemplo já é adepto a tecnologia blockchain para armazenamento de dados médicos. 

No Brasil, a estudante de medicina Vanessa Nicola Labrea está desenvolvendo um aplicativo que migra as informações médicas do paciente para uma blockchain.

Em entrevista concedida à Malu Echeverria e relatada por Pedro Schestatsky no livro “Medicina do Amanhã”, Labrea nos relembra porque essa tecnologia importa:

“Esses dados pertencem ao paciente, por direito. No entanto, até hoje, ficam compartimentados nos locais em que o paciente esteve ao longo da vida. Fragmentados e inacessíveis. Essa falta de comunicação molda nosso sistema de saúde hoje”.

Além da fragmentação dos dados, o vazamento de informações médicas sigilosas ainda é uma realidade nacional e, muitas vezes, ocorre sem que ninguém seja responsabilizado. Lacks teve seu nome eternizado na literatura médica, mas quantas brasileiras já tiveram seus dados violados em situações análogas e permaneceram anônimas sem qualquer reparação?

Leia também: Como compartilhar dados dos pacientes sem explorar os pacientes

Henrietta e sua família não tinham a menor ideia do que iria acontecer com suas células. Eles nunca deram autorização para que seus dados fossem compartilhados, mas, mesmo assim,  milhões de pessoas ao redor do mundo iriam usá-los. De fato, não era costume pedir autorização à paciente naquela época, mas hoje a proteção dos dados médicos do paciente é garantido por lei.

O blockchain não é uma solução milagrosa imune a críticas, mas, por necessidade, torna-se uma tecnologia que merece nossa atenção. Não devemos tentar entender essa ferramenta porque ela é interessante ou inovadora, mas sim porque temos uma responsabilidade moral e legal com nossos pacientes. As células imortais de Henrietta Lacks ainda fazem parte da medicina contemporânea, mas a falta de segurança, organização e autonomia dos dados médicos não pode fazer.


Referências

1.Butanis, B., 2016. The Legacy of Henrietta Lacks. [online] Hopkinsmedicine.org. Available at: <https://www.hopkinsmedicine.org/henriettalacks/> [Accessed 15 March 2022]. 

2.MediBloc Limited. 2022. MediBloc Limited - Own your health data. It's rightfully yours. [online] Available at: <https://medibloc.com/en/> [Accessed 15 March 2022].

3- e-Estonia. 2022. Blockchain and healthcare: the Estonian experience - e-Estonia. [online] Available at: <https://e-estonia.com/blockchain-healthcare-estonian-experience/> [Accessed 15 March 2022].

4- M. E. Sabbatini, R., 2022. LGPD na Saúde: como garantir a segurança de dados dos pacientes. [online] Portal Telemedicina. Available at: <https://portaltelemedicina.com.br/blog/lgpd-na-saude-como-garantir-a-seguranca-de-dados-dos-pacientes#:~:text=LGPD%20na%20Sa%C3%BAde%3A%20como%20garantir%20a%20seguran%C3%A7a%20de%20dados%20dos%20pacientes,-8%20de%20fevereiro&text=Desde%202020%2C%20cl%C3%ADnicas%20m%C3%A9dicas%2C%20hospitais,Prote%C3%A7%C3%A3o%20de%20Dados%20(LGPD).> [Accessed 15 March 2022].


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