No último dia 31 de outubro foi publicado na revista The Lancet Regional Health – Americas o maior estudo (até então) que relaciona o aumento das temperaturas e o seu impactos no aumento no número de hospitalizações por doença renal. O estudo foi realizado aqui no Brasil numa parceria de pesquisadores da USP (Dr Paulo Hilario Nascimento Saldiva) e da Universidade de Monash na Austrália.
Como foi realizada a pesquisa?
Os pesquisadores utilizaram dados do SUS e analisaram os diários de internação hospitalar de 1.816 cidades no Brasil durante o período de 2000 e 2015. Um desenho de caso-cruzado estratificado no tempo foi aplicado para avaliar a associação entre temperatura e doenças renais. Riscos relativos (RRs), frações atribuíveis (AFs) e seus intervalos de confiança (ICs) foram calculados para estimar as associações e a carga atribuível. No período do estudo, foram registradas 2.726.886 internações por doenças renais.
Para cada aumento de 1ºC na temperatura média diária, o risco estimado de hospitalização por doenças renais durante o intervalo de 0 a 7 dias aumentou em 0,9% a nível nacional.
As associações entre temperatura e doenças renais foram maiores no intervalo de 0 dias (ou seja, no mesmo dia com aumento de temperatura), mas permaneceram no intervalo de 1 a 2 dias.
Os pesquisadores revelaram que 7,4% das hospitalizações por doenças renais podem ser atribuídas ao aumento da temperatura no período estudado o que equivale a 202.093 (IC 95%: 141.554−260.594) casos. O risco foi maior em mulheres, crianças de 0 a 4 anos e idosos ≥ 80 anos.
Como o aumento da temperatura afeta os pacientes?
Atualmente um dos mecanismos mais aceitos para justificar o impacto da temperatura na função renal tem relação com o aumento da produção de suor induzido pelo calor, que em alguns casos pode causar desidratação e descompensação da homeostasia renal. Em um ambiente quente, ocorre aumento da perda insensível de água corporal e sais, com a exposição prolongada ao calor, isso leva a um déficit substancial de fluidos que, se não for substituído, pode resultar em vasoconstrição e lesão renal associada. Além disso, com o corpo em um estado de desidratação crônica pode ocorrer uma rabdomiólise subclínica devido a lesão muscular crônica de baixo grau, que por sua vez também pode contribuir para a hiperuricemia. Postula-se que esses fatores podem levar à hipertensão glomerular e lesão tubular renal.
Quais os impactos e perspectivas que temos com esse estudo?
Segundo os próprios pesquisadores que realizaram a pesquisa este é o primeiro estudo no Brasil e o maior do mundo avaliando a associação entre temperatura ambiente e internações por doenças renais. Os resultados demonstraram que há um risco de hospitalizações por doenças renais e foi positivamente associado a um aumento na temperatura média diária. Também foi descrito que 7,4% do total de hospitalizações podem ser atribuídos ao aumento da temperatura ambiente e crianças de 0 a 4 anos são as mais vulneráveis.
Ainda segundo o estudo a sociedade e os gestores públicos devem levar em consideração o contexto do aquecimento global, para desenvolver mais estratégias e políticas públicas para prevenir hospitalizações relacionadas ao calor. As intervenções devem ser promovidas visando indivíduos específicos, incluindo mulheres, crianças, adolescentes e idosos, por serem mais vulneráveis ao calor no que diz respeito às doenças renais.
Os autores concluem o paper salientando que Este estudo nacional fornece evidências robustas de que mais políticas devem ser desenvolvidas para prevenir hospitalizações relacionadas ao calor e mitigar as mudanças climáticas.
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Referências
Wen B, Xu R, Wu Y, Coêlho M de SZS, Saldiva PHN, Guo Y, et al. Association between Ambient Temperature and Hospitalization for Renal Diseases in Brazil during 2000–2015: A Nationwide Case-Crossover Study. The Lancet Regional Health - Americas [Internet]. 2021 Oct [cited 2021 Nov 2];100101. Available from: https://www.thelancet.com/journals/lanam/article/PIIS2667-193X(21)00097-1/fulltext#seccesectitle0028
Flatharta, T. Ó., Flynn, A., & Mulkerrin, E. C. (2019). Heat-related chronic kidney disease mortality in the young and old: differing mechanisms, potentially similar solutions?. BMJ evidence-based medicine, 24(2), 45-47.
Increased temperatures contributed to more than 200,000 cases of kidney disease in 15 years in Brazil alone, world’s largest study finds [Internet]. EurekAlert! 2021 [cited 2021 Nov 2]. Available from: https://www.eurekalert.org/news-releases/932680
Conteúdo traduzido e adaptado por Diego Arthur Castro Cabral