Em meio às reações contra a resolução do Conselho Federal de
Medicina (CFM), que estabelece novas regras para a prescrição de medicamentos à base do canabidiol, um derivado da Cannabis, a autarquia federal decidiu abrir
consulta pública à população sobre o assunto. Em nota, o CFM informa que esta
etapa ocorrerá de 24 de outubro a 23 de dezembro deste ano.
A Resolução 2324 de 2022 restringe o uso do canabidiol
apenas ao tratamento de epilepsias da criança e do adolescente que não
respondem às terapias convencionais nas síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut, e
no Complexo de Esclerose Tuberosa. A norma também proíbe médicos de
prescreverem Cannabis in natura para uso medicinal, bem como quaisquer outros
derivados que não o canabidiol. Fica vedada ainda a prescrição de canabidiol
para indicação terapêutica diversa da prevista na resolução, com exceção de
estudos clínicos previamente autorizados pelo sistema formado pela Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa e Conselhos de Ética em Pesquisa (CEP/Conep).
Além disso, a resolução proíbe médicos de ministrarem
palestras e cursos sobre uso do canabidiol, ou produtos derivados da Cannabis,
fora do ambiente científico, nem fazer sua divulgação publicitária. Médicos que
não observarem as determinações da resolução estarão sujeitos a responder
processos no CFM que, no limite, podem levar à cassação do registro e o direito
de exercer a profissão no país.
Na nota em que anuncia a consulta pública, a entidade médica
reafirmou e defendeu o conteúdo da resolução, destacando que foram avaliados
quase 6 mil artigos científicos publicados em "importantes periódicos
nacionais e internacionais", além do recebimento de contribuições de
médicos e instituições durante consulta pública anterior, ocorrida no mês de
julho.
"As conclusões apontam para evidências ainda frágeis
sobre a segurança e a eficácia do canabidiol para o tratamento da maioria das
doenças, sendo que há trabalhos científicos com resultados positivos
confirmados apenas para os casos de crises epiléticas relacionadas às Síndromes
de Dravet, Doose e Lennox-Gastaut", argumenta o CFM. "Diante desse
quadro, o plenário do CFM considera prudente aguardar o avanço de estudos em
andamento, cujos resultados vão ampliar – ou não – a percepção de eficácia e
segurança do canabidiol, evitando expor a população a situações de risco".
No início da semana, o Ministério Público Federal (MPF)
instaurou procedimento preparatório para apurar a legalidade da resolução. De
acordo com o procurador da República Ailton Benedito de Souza, responsável pelo
procedimento, a investigação vai apurar se há compatibilidade entre a resolução
do CFM com o direito social à saúde, nos termos da Constituição Federal, e
outros regulamentos oficiais, como os da própria Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), que em 2019 autorizou a fabricação e a importação de
produtos com Cannabis para fins medicinais. Sobre isso, o CFM respondeu que
encaminhará todas as informações solicitadas.
De acordo com dados da Anvisa, estima-se que mais de 100 mil
pacientes façam algum tipo de tratamento usando Cannabis. Além disso, mais de
66 mil medicamentos à base de Cannabis foram importados em 2021. Cerca de 50
países já regulamentaram o uso medicinal e industrial da Cannabis e do Cânhamo.
"Os pacientes prometem entregar artigos científicos
sobre medicina canabinoide baseada em evidências em mãos ao CFM e esperam ser
recebidos por um representante do colegiado. Além disso, vamos entregar abaixo
assinado com mais de 100 mil assinaturas pedindo a revogação da
resolução", afirma a jornalista Manuela Borges, paciente e fundadora da
InformaCANN, uma rede de apoio aos pacientes que usam Cannabis medicinal.
Pacientes que usam a Cannabis medicinal também planejam
protestos na sede do CFM, em Brasília, contra a resolução. Segundo a Associação
Pan-Americana de Medicina Canabinoide, as supostas evidências científicas
listadas pelo CFM na norma se restringiram a estudos publicados há mais de 8
anos e não atualizou os achados da academia mais recentes, citando a PubMed,
uma das maiores bases de dados da biomedicina do mundo.
"Atualmente, há quase 30 mil pesquisas sobre o uso
medicinal da Cannabis só na PubMed, sem mencionar outras bases de dados
científicos. No site é possível verificar que entre 2018 e 2022 foram
produzidos cerca de 10 mil artigos científicos sobre o uso medicinal da
Cannabis. Mas, ao que tudo indica, as pesquisas que embasam a regulamentação da
Cannabis em mais de 50 países ainda são desconhecidas pelos conselheiros do
CFM", diz nota de pacientes e representantes de entidades da sociedade
civil.
Fonte: Agência Brasil.
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