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Design de serviço na saúde: abordagem centrada nas pessoas

Design de serviço na saúde: abordagem centrada nas pessoas
Claudia Grandi
abr. 5 - 11 min de leitura
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A Kaiser Permanente, organização americana de saúde, tem um case muito interessante da aplicação do design de serviço em seus hospitais. Há bastante material sobre ele em inglês, por isso resolvemos apresentar uma versão resumida e traduzida para o português.

Trata-se de um trabalho iniciado em 2003 em que o uso do design teve crucial importância. Nesse artigo vamos dar o foco para a fase de implementação do projeto.

Leia o caso e se inspire para mudar rotinas de trabalho de forma consistente na sua organização!

O contexto

Em 2003, a Kaiser Permanente estabeleceu um time interno de consultoria de inovação para melhorar a experiência do cliente e reduzir custos.

O foco inicial foi explorar o impacto de uma abordagem de design centrada nas pessoas, tanto na experiência de pacientes quanto na experiência dos colaboradores.

Aqui vale ressaltar alguns conceitos e diferenciá-los.

No case que vamos apresentar, fica evidente que a Kaiser Permanente estava focada em impactar de forma positiva a experiência do paciente (PX), tornando-o também mais engajado no seu tratamento, prestando um cuidado centrado no paciente.

Um dos primeiros projetos do time de inovação foi a passagem de plantão da enfermagem, em que as informações sobre os pacientes são repassadas para o próximo plantonista. Conheça os detalhes desse projeto a seguir.

 

O problema

Para compreender qual era o problema, empenharam esforços em entender em profundidade tanto a rotina de trabalho da enfermagem quanto os seus impactos na percepção e sentimento de pacientes e da própria equipe.

São nessas etapas de imersão que as hipóteses iniciais são validadas ou descartadas, e novas hipóteses são levantadas. Buscando entender o contexto, o usuário e o serviço em si, levantaram os seguintes desafios no processo de passagem de plantão:

  • Informações sobre pacientes eram repassadas em um quarto silencioso, geralmente nas salas de descanso da equipe, que tinha a vantagem de permitir a não interrupção, mas a desvantagem de deixar o paciente sozinho por muito tempo;
  • Os enfermeiros ficavam muito tempo distantes dos pacientes durante a passagem de plantão;
  • Pacientes se sentiam isolados e distantes das decisões tomadas sobre o seu cuidado;
  • Pacientes se referiam ao momento da troca de plantão como se estivessem em uma “cidade fantasma”, pois a equipe sumia durante as trocas de turno;
  • Às vezes, informações chave sobre o tratamento se perdiam pelo modo não sistematizado de registro;

Algumas informações eram repassadas pela gravação em áudios com o status de cada paciente (a informação ficava registrada no áudio, porém nem sempre no sistema).

A solução

Fonte: https://pt.slideshare.net/tedeytan/marilyn-chow-and-ted-eytan-kaiser-permanentes-innovation-journey?nomobile=true

 

Na nova solução chamada Nurse Knowledge Exchange (NKE), as trocas de plantão passaram a ser feitas à beira leito, com discussões e decisões sendo registradas visualmente próximo ao leito, além do registro digital.

As placas à beira leito listam os nomes de todos os cuidadores, contatos telefônicos, procedimentos agendados, como testes de laboratório, objetivos diários, como controle da dor, e a data prevista da alta do paciente. Os enfermeiros entrantes atualizam os conselhos para manter pacientes, familiares e funcionários atualizados e envolvidos.

As salas de descanso passaram a ser utilizadas estritamente para pausas. E os turnos de trabalho passaram a ter uma sobreposição de 30 minutos, para que as informações do NKE dos pacientes sejam repassadas e recebidas pelos enfermeiros.

Quando o paciente estava consciente, além de não ficar mais sozinho durante as trocas de plantão, passou a entender mais sobre o seu tratamento, ouvindo qual era o objetivo do próximo enfermeiro durante o seu plantão.

O envolvimento com a equipe de cuidados e a confiança também se fortaleciam pela significativa melhora na comunicação. Com o NKE, houve melhora também na comunicação com o acompanhante do paciente.

 

Os resultados

Com a implementação da solução os resultados foram visíveis! O paciente passou a se envolver mais no próprio cuidado, e foi desenvolvida uma maneira mais eficiente de registrar informações importantes.

A nova rotina foi implementada em 37 hospitais. Houve uma melhora de quase 20% no tempo da equipe de enfermagem à beira leito – melhorar este indicador era uma das métricas do projeto.

Fonte: NKE cange package, 2010.
Disponível em: https://issuu.com/kpinnovation/docs/nkechgpkg_overview

 

Contudo...

Após alguns anos, verificaram muita disparidade na implementação do projeto nos hospitais. Em alguns, a abordagem evoluiu bastante, em outros, houve grande resistência da equipe.

Entre os problemas encontrados, percebeu-se que alguns times achavam que havia outras prioridades no hospital, como tratar da dor de um paciente, e por isso não achavam que a passagem de plantão à beira leito, que era mais demorada, gerava resultados.

Outros não acreditavam que o processo NKE fazia diferença na experiência do paciente.

 

A abordagem não estava funcionando

Simplesmente apresentar o projeto realizado nos hospitais piloto, demonstrando as “dores” iniciais e motivações para a mudança, contando a história de como a solução foi desenvolvida e, “treinando” o hospital para realizar o mesmo, não funcionou.

Uma abordagem de treinamento focado nas tarefas gerou ceticismo, críticas da equipe, e uma reação muito forte à mudança. Eles não acreditavam na necessidade da mudança.

Nos trabalhos de design de serviço, não é possível fazer um lindo projeto e pedir que as pessoas o sigam. Porque as pessoas fazem o que elas querem. Precisamos fazê-las querer! E para isso, a abordagem precisa ser diferente.

O time da Kaiser Permanente percebeu, então, que eles precisavam de facilitadores que pudessem ajudá-los a ver e sentir as razões por trás da mudança.

 

Usando o design para implementação

O time voltou à mesa de desenho e criou um processo de "início suave" de três semanas que propositadamente criaria conversas e outras oportunidades de interação com o design do serviço antes da implementação.

Novamente vamos apresentar alguns conceitos e diferenciá-los, para ajudar no entendimento deste caso.

Na implementação, fica clara a importância de se utilizar o pensamento do design (ou design thinking), e o design de serviço para melhorar os resultados que os clientes (e pacientes) atingem ao interagir com o hospital (sucesso do cliente).


Treinamento feito inicialmente com abordagem tradicional – slides demonstrando como se chegou a solução gerada e roteiro para a passagem de plantão. Fonte: http://www.ijdesign.org/index.php/IJDesign/article/view/928/348

 

Um novo processo foi iniciado, totalmente focado nas pessoas desde a implementação. Na imagem, exemplo de como aconteciam os encontros na “abordagem suave” para encorajar uma comunicação aberta entre os participantes. Fonte: http://www.ijdesign.org/index.php/IJDesign/article/view/928/348

 

Murais com observações foram criados para facilitar a comunicação e troca entre a equipe. Fonte: http://www.ijdesign.org/index.php/IJDesign/article/view/928/348

 

O modelo utilizado (The cake model for change)

As abordagens iniciavam com a base do bolo, e iam evoluindo para as camadas acima:

Adaptado de http://www.ijdesign.org/index.php/IJDesign/article/view/928/348

Então antes de apresentar um modelo fechado, de forma expositiva, a implementação com o “início suave” começava envolvendo as pessoas, entendendo como era o problema para elas, o que percebiam como oportunidades e possibilidades, o que já tinham realizado para tentar solucionar o problema, o que tinha funcionado e deveria ser continuado.

Desta maneira, a implementação não era mais um modelo rígido, mas uma “coreografia”, com delineamento das boas práticas que estavam sendo aplicadas e adaptadas a cada contexto.

Vale trazermos um dos conceitos de design de serviço defendido pela Birgit Marger, em 2010: "Coreografar processos, tecnologias e interações
em sistemas complexos para cocriar valor para os stakeholders relevantes."

A coreografia é um norte, é a “linha”, mas cada bailarina pode realizar de uma forma um pouco diferente, porque os corpos das pessoas são diferentes, uns mais altos, outros mais fortes, outros mais alongados. Da mesma forma, no dia a dia das empresas, as pessoas adaptam processos ao seu entendimento, a quem os está recebendo, mesmo seguindo uma coreografia.

Acreditamos que é muito mais real pensar que devemos definir coreografias nas empresas e não roteiros rígidos, que tendem a ser abandonados ou pelo menos modificados.

 

Envolver e engajar

“Para iniciar o processo de "início suave", em vez de apenas dizer à equipe da linha de frente os objetivos a serem alcançados, nós os envolvemos e nos conectamos com eles em um nível emocional e visceral primeiro.”

É possível observar três grandes resultados ao se incorporar o design em atividades de melhoria, que passam pela motivação das pessoas em mudar um comportamento ou rotina:

  1. Permite a criação de ações significativas – melhorando o significado do trabalho. Percebendo maior significado no que fazem diariamente, os índices de absenteísmo, presenteísmo, rotatividade e burnout tendem a diminuir.
  2. As pessoas veem seus esforços conectados a um resultado valioso e são responsáveis e livres para tomar decisões (ao invés de receber ordens) – responsabilização pelos resultados. É precioso que a equipe tenha uma visão mais abrangente das suas atividades e dos resultados que gera individualmente e como time, ligando cada um em um objetivo maior.
  3. Existem oportunidades de aprendizagem e feedback – transparência e conhecimento dos resultados alcançados, causando sensação de evolução. Ao saber os indicadores de desempenho e os impactos de melhorias implementadas, o próprio time pode acompanhar sua evolução, ao longo do tempo.

 

Os resultados da aplicação do design para implementação

Os resultados dessa nova forma de implementação geraram resultados muito contundentes, evidenciado o sucesso do uso do design de serviço para processos de melhorias e mudanças na área da saúde.

Métricas do processo: abordagem inicial e abordagem com “início suave”


Adaptado de http://www.ijdesign.org/index.php/IJDesign/article/view/928/348

 

Pode-se observar com o quadro acima que, a partir do quarto mês de implementação, as metas do projeto foram plenamente atendidas.

 

Por que a cultura e o mindset do design se tornaram essenciais para a implementação?

A partir do case apresentado, percebe-se que a cultura e o mindset do design foram essenciais para uma implementação bem-sucedida. Mas por que?

Bem, para as empresas, o mindset do design é um motor para a inovação guiado por uma abordagem centrada nas pessoas, considerando soluções que sejam desejáveis e que atendam a necessidades dos diversos stakeholders envolvidos no serviço, mas que sejam também tecnologicamente viáveis e economicamente sustentáveis.

Já para as pessoas, o mindset do design significa a humanização de processos e o engajamento dos times, ao envolver e considerar a realidade e os pontos de vista dos diversos atores. Significa também um desenvolvimento ativo, que permite uma aprendizagem enquanto se faz a atividade, desburocratizando modelos rígidos.

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Referências

 


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