Por Yan Kubiak Canquerino - Colaborador da Academia Médica
Olá, se você chegou até aqui, no nosso 3º texto das série sobre doenças inflamatórias intestinais, nossos parabéns por estar fazendo o melhor por seu(a) paciente, além de estar fazendo do mundo um lugar melhor. Lembre-se, pode não ser o mundo macro, mas ao diagnosticar e auxiliar uma pessoa com doença inflamatória intestinal (DII) e conseguir dar suporte a ela sem dúvidas estará tornando o mundo dela melhor.
Nos nossos textos anteriores falamos sobre o que Retocolite Ulceratica e Doença de Crohn, qual sua etiologia, como e quantas pessoas são acometidas no Brasil, e como prometido no último artigo, agora que já sabemos como identificar a doença, já suspeitamos dela, temos que saber como confirmar ou descartar nossa suspeita, então vamos aprender um pouco mais sobre como fazer o diagnóstico dessas doenças.
Lembrando, caso alguém esteja chegando pela primeira vez nesse assunto por aqui, a Academia Médica encontrou por meio da produção de conteúdo e compartilhamento de conhecimento uma das melhores formas de ajudar na celebração desse maio roxo que busca trazer mais atenção e conscientização para as DIIs.
Por onde começar?
Assim como todas as outras doenças em medicina ou melhor, em todos os atendimentos, iniciamos com a melhor anamnese possível e um exame físico detalhado e bem executado.
Algumas das perguntas que devem estar presentes na entrevista clínica são:
Houve alguma viagem nos últimos dias? Houve exposição a alguma forma de infecção, comeu algo mal conservado?
Usou antibióticos? Fez o uso de anti-inflamatórios não esteroidais?
Existem fatores de risco para DII na sua família?
Fuma?
Ao realizar o exame físico, como já falado anteriormente, é comum a presença de dor abdominal, muitas vezes secundária a uma inflamação no íleo, causando dor no quadrante inferior direito na maioria dos casos, podendo, no entanto, estar localizada por todo o abdômen. Pode existir uma massa palpável resultante de um abcesso ou flegmão. Um exame retal é pertinente para avaliar alguma variação perianal, como fístulas, fissuras, abcessos ou elevações na pele.
Exames complementares
Exames laboratoriais
Dentro dos exames laboratoriais, é comum encontrar uma trombocitose e anemia. Hipoalbuminemia e deficiência de vitaminas podem sugerir má absorção decorrente da DII. Uma amostra de fezes pode ser enviada para o EPF para avaliar a presença de elementos patogênicos tais como ovos, parasitas ou então Clostridium difficile.
Os marcadores inflamatórios são extremamente inespecíficos, não sendo tão importantes para o diagnóstico, mas sim para acompanhamento da doença após um diagnóstico feito e bem estabelecido.
A proteína C nesse caso faz seu papel, sendo o marcador sanguíneo mais sensível, os níveis desse marcador inflamatório podem estar entre 500 a 1000 vezes mais altos que os normais, apesar de ser uma boa pista, é importante lembrar que tem meia vida curta (19h) e seus níveis podem variar por mecanismos em vários tecidos além de poder estar presente no tabagismo, obesidade e terapia com outras drogas. Portanto, a proteína C reativa pode ser uma carta na manga, no entanto, deve-se lembrar que em até 30% dos pacientes com Crohn ativo ela pode estar negativa assim como é incapaz de distinguir se estamos lidando com Crohn ou retocolite ulcerativa.
Saindo de um cenário mais incerto, um outro artifício importante de ser conhecido no que tange os exames laboratoriais é o nível de calprotectina, um marcador específico de inflamação de mucosa intestinal. Trata-se de uma proteína derivada da degranulação neutrofílica. Devido a isso, ela pode estar presente na diverticulite, colite infecciosa, neoplasia intestinal, cirrose, e com o uso tanto de anti-inflamatórios não esteroidais e inibidores da bomba de próton. A proteína em questão pode estar presente até 7 dias após a produção em amostras fecais. Valores de calprotectina, segundo Bressler et al., entre 50 a 100 µg/g representam uma doença quiescente, quanto que níveis acima de 250 µg/g sugere inflamação, enquanto que níveis entre 100 a 250 µg/g são indeterminados.
Uma vez conhecidos os dois marcadores possíveis, é importante saber que eles podem ser utilizados para o acompanhamento da resposta terapêutica. No entanto, é importante saber que podem existir tratamentos que mascaram os níveis desses marcadores, existem imunoterapias que diminuem o nível de IL-6 por exemplo, o que no fim irá diminuir os níveis de marcadores inflamatórios, sem necessariamente estar controlando a doença do(a) paciente. Uma alternativa para isso é analisar o nível de medicamento plasmático com o nível dos dois marcadores, para ver se pode haver correlação positiva ou não.
Além do exposto, existem outras ferramentas como marcadores ou bateria de testes. Por exemplo, a positividade do anticorpo antiproteína perinuclear neutrofílica (p-ANCA) é encontrada em 6 a 39% dos pacientes com doença de Crohn em 41 a 73% dos(as) pacientes com Retocolite e entre 0 a 8% de indivíduos saudáveis. Isso confere a esse teste uma baixa especificidade para diagnóstico de doença de Crohn (19%), e sua utilidade está em distinguir entre uma e outra DII com 52% de sensibilidade e 91% de especificidade.
O anticorpo anti Saccharomyces cerevisiae (ASCA) está presente em aproximadamente 60% dos pacientes com doença de Crohn, mas apenas em 13% dos pacientes com Retocolite e em 3% dos indivíduos saudáveis, mostrando uma sensibilidade de 72% e uma especificidade de 82% no diagnóstico de doença de Crohn.
Até 20% dos familiares de pacientes com doença de Crohn também expressam a ANCA, apesar de já existirem grupos étnicos específicos, principalmente asiáticos, mesmo com doença de Crohn, que não testaram positivo para a proteína em questão. Caso queira se aprofundar nisso, pode acessar esse artigo.
Além desses, existem outros anticorpos para o diagnóstico da doença que podem ser visualizados aqui nessa tabela.
Existem alguns outros testes que podem ser realizados ainda, os quais podem ser encontrados com mais especificidade aqui.
Endoscopia
A endoscopia é o padrão ouro para o diagnóstico das DII. Todo paciente que está sendo investigado para DII deveria realizar endoscopia a fim de examinar o íleo terminal se possível. Os segmentos com doença visível devem ser biopsiados e ao menos ser pegas duas biópsias de cada lugar em 5 locais diferentes, incluindo o íleo e o reto. Além da biópsia de tecido danificado, o mais indicado é também captar tecido normal para ter uma ideia da condição histológica do paciente em sua totalidade.
Existem maneiras de fazer a graduação da gravidade da doença, que estão resumidas nessa tabela:
Além disso, os encontrados mais comuns da endoscopia podem ser consultados nessa tabela:
A endoscopia não é recomendada no atendimento de pacientes assintomáticos, mesmo que afecções no trato gastrointestinal alto sejam encontradas em 16% dos pacientes com doença de Crohn. Esofagogastroduodenoscopia é feito porque existe uma sobreposição entre sintomas das DII e outras desordens do TGI, quando realizada recomenda-se que 2 biópsias sejam pegas do estômago, esôfago e duodeno.
Outra possibilidade é a enteroscopia, que pode ser feita por cápsula ou por balão assistido, mas deve apenas ser feita se o exame de imagem confirmar doença intestinal inacessível por técnicas endoscópicas tradicionais. Apesar disso, as lesões da DC raramente necessitam que essas regiões mais difíceis sejam monitoradas, existindo outras áreas mais fáceis para isso.
Modalidades de imagem
Apesar de alterações colônicas e ileais poderem ser identificadas endoscopicamente, a ausência de doença nessas porções não exclui outras regiões doentes. Para avaliar o intestino delgado, pode-se lançar mão tanto da tomografia computadorizada quanto da ressonância magnética, em ambos os casos o paciente receberá um líquido que irá contrastar nas regiões que possa haver alguma lesão. Para você ter uma ideia da importância disso, em mais de 50% dos casos de Crohn com colonoscopia normal são encontradas alterações no exame de imagem com secção transversal (Ressonância ou tomografia computadorizada).
Além desses dois exames citados acima, a ultrassonografia também pode ser utilizada, também com uso de contraste, podendo auxiliar na diferenciação entre parede intestinal inflamada e fibrosada.
Considerações finais
Se você chegou até aqui parabéns, você acaba de investir um tempo para si mesmo, para seu conhecimento e isso te ajudará a ajudar e agregar valor para outras pessoas, vamos organizar as ideias então?
Existem diversas considerações a serem feitas na análise de um(a) paciente com suspeita de DII. O diagnóstico primário envolve os exames de imagem, tanto a endoscopia como os seccionais, conjuntamente com marcadores, podem guiar o raciocínio. Em caso de dúvida ainda, existem baterias de exames e marcadores bem específicos que podem ser adquiridos para tirar a dúvida em questão. Além disso, para realizar a diferenciação das doenças, caso não queira realizar a bateria de exames, o ideal é realizar a biópsia com posterior análise histológica.
Ufa, chegamos ao final, o que achou do conteúdo? De 0 a 10, quanto sente que esse conteúdo te ajudará a realizar uma prática clínica melhor?
Deixo ainda algumas sugestões de leitura sobre assuntos relacionados!
Maio Roxo: Doenças Inflamatórias Intestinais. Você sabe identificar?
A revolução intestinal: microbiota, tecnologia e perspectivas do futuro
Referências:
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