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O Legado dos eventos adversos ao longo da vida

O Legado dos eventos adversos ao longo da vida
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ago. 22 - 5 min de leitura
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A neurociência vem explorando cada vez mais como os eventos adversos ambientais vivenciados por um indivíduo podem afetar a estrutura e a função do cérebro e, consequentemente, a saúde mental. Uma publicação na revista Nature Neuroscience, de 21 de agosto de 2023, apresentou avanços significativos nesse campo, ao identificar uma assinatura neural associada a adversidades experimentadas ao longo da vida.

O estudo focou na investigação dos efeitos cumulativos de diferentes adversidades - como complicações obstétricas, adversidades psicossociais e baixo status socioeconômico - na estrutura cerebral. Estas adversidades têm sido associadas a um maior risco de transtornos psiquiátricos na idade adulta, embora os mecanismos exatos permaneçam incertos. Tradicionalmente, muitos estudos focaram em regiões específicas do cérebro, como o sistema límbico, conhecido por regular as emoções. Contudo, esta abordagem pode não considerar mudanças cerebrais de âmbito global que ocorrem em resposta a adversidades.

Uma das principais descobertas foi a identificação de uma assinatura neurobiológica, estável no tempo, associada a adversidades vivenciadas durante a vida. Esta assinatura foi observada tanto em indivíduos que enfrentaram adversidades na infância quanto em adultos, e pôde ser replicada em uma amostra independente.

Utilizando-se de técnicas avançadas de aprendizado de máquina, os pesquisadores também mapearam trajetórias específicas de desenvolvimento cerebral associadas a diferentes tipos de adversidades. Por exemplo, adversidades psicossociais pareciam acelerar o desenvolvimento de certas regiões límbicas, enquanto complicações obstétricas, como nascimento prematuro, estavam associadas a um atraso na maturação destas mesmas áreas.

Para médicos especialistas, as implicações desse estudo são vastas. Primeiro, destaca a importância de considerar o histórico de adversidades ao avaliar pacientes com problemas neuropsiquiátricos. Ademais, sugere que intervenções terapêuticas podem ser mais eficazes se adaptadas para abordar os efeitos neurobiológicos específicos dessas adversidades. A identificação de trajetórias cerebrais específicas associadas a diferentes tipos de adversidade também pode fornecer novos alvos para intervenções farmacológicas ou comportamentais.

Além disso, os resultados reforçam a necessidade de uma abordagem abrangente para avaliar os efeitos das adversidades. Adversidades frequentemente não ocorrem isoladamente; uma pessoa que cresce em um ambiente desfavorecido, por exemplo, pode também enfrentar adversidades familiares e outros eventos estressantes ao longo da vida. Assim, é essencial considerar todas as exposições ambientais ao longo da vida ao avaliar o impacto no cérebro e na saúde mental do indivíduo.


✔ Como o estudo foi desenvolvido:

O design e a execução desta investigação foram rigorosamente estabelecidos sob os protocolos éticos da Universidade de Heidelberg. A abordagem adotada teve como base o estudo de coorte MARS, que tem uma longa trajetória na análise de desfechos a longo prazo de fatores de risco precoces.

Os indivíduos incluídos foram meticulosamente classificados em grupos com base no seu histórico de nascimento, gravidez e contexto sociofamiliar. Destes, considerando exclusões devido a critérios como lateralidade e problemas técnicos nas imagens, um total de 169 participantes, dos 309 iniciais, compôs o conjunto final de análise.

✔ Avaliação de Adversidades

Um dos pilares desta investigação foi a análise detalhada das adversidades ao longo da vida. Variáveis como tabagismo materno durante a gravidez, estresse pré-natal materno, complicações obstétricas e traumas na infância foram abordadas. Também se considerou um levantamento abrangente de eventos de vida significativos, desde problemas familiares e escolares até questões legais e condições de moradia.

Os sintomas clínicos foram avaliados utilizando instrumentos consolidados no campo neuropsiquiátrico. A ênfase recaiu sobre manifestações como ansiedade, depressão, tendências agressivas e sinais de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

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O avanço apresentado neste estudo fornece uma visão transformadora de como as adversidades vivenciadas ao longo da vida impactam a neurobiologia e, consequentemente, a saúde mental do indivíduo. A capacidade de identificar uma assinatura neural associada a tais adversidades abre novas portas para diagnósticos mais precisos e intervenções terapêuticas personalizadas. Mais do que nunca, fica evidente que a saúde mental não pode ser compreendida isoladamente, mas deve ser vista à luz das experiências de vida, traumas e adversidades que moldam o desenvolvimento cerebral.

Este estudo não só reforça a necessidade de uma abordagem holística em neuropsiquiatria, mas também sublinha a importância de intervenções sociais e de saúde preventivas, visando minimizar os efeitos das adversidades desde os estágios iniciais da vida.



Leia também]


Referência: 

Holz, N.E., Zabihi, M., Kia, S.M. et al. A stable and replicable neural signature of lifespan adversity in the adult brain. Nat Neurosci (2023). https://doi.org/10.1038/s41593-023-01410-8


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