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Perturbações do Espectro do Autismo. Confira um trecho do livro do neuropediatra português Nuno Lobo Antunes

Perturbações do Espectro do Autismo. Confira um trecho do livro do neuropediatra português Nuno Lobo Antunes
Maria de Lourdes  de Moraes Pezzuol
jul. 7 - 7 min de leitura
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Gostaria de compartilhar um dos trechos do capítulo do livro “Perturbações do Espectro do Autismo” (Nuno Lobo Antunes e equipe Técnica do PIN – SENTIDOS, 2021) .  Ao longo de décadas, o neuropediatra e escritor português Nuno Lobo Antunes esteve à frente na área de pediatria. Atualmente, é diretor médico e coordenador das áreas de Neurodesenvolvimento e Neurologia do PIN (Progresso infantil), em Portugal.

“O PIN reúne uma equipe experiente e coesa de pediatras, pedopsiquiatras, psicólogos, terapeutas da fala ou da sexualidade, técnicos de educação especial. O PIN  reúne uma equipa experiente e coesa, de mérito reconhecido dentro e fora de Portugal, unida em torno do ideal de servir as famílias na luta contra a discriminação de quem é diferente ou mais frágil. Para nós, não existem crianças problemáticas, mas sim crianças com um problema. De bom grado aceitamos o desafio de o identificar e minorar o seu impacto. PIN é uma afirmação que se prende ao peito, e onde está inscrita a mensagem que queremos transmitir. Não só por pensar que é importante, mas porque se acredita que é possível passar a outros algo que erguemos como bandeira, ou melhor ainda, como convicção. PIN é também o número que escolhemos porque é nosso, pessoal, único. Vivemos numa era onde o sentimento não tem nome, e o sofrimento não tem rosto. Para nós, cada criança ou família tem um nome, e uma face. PIN é também o alfinete que fixa, e pode ser uma ideia com que um objeto frágil se casa, para revelar a sua importância. Se estamos juntos é porque compreendemos os valores da solidariedade, que também são os da família.” (PIN,2022)

O gelo são os ossos da água. Definição de um jovem com autismo.

“A história do Super – homem está mal contada. Nasceu em Krypton, de pais “Kryptoniticos’. Tanto quanto podemos saber, o seu material genético era bastante diferente do nosso, já que a visão de raio X não faz parte das nossas qualidades habituais. Assim sendo, seria altamente improvável que o bebê, Super-homem se portasse no infantário como um dos nossos filhos. 

Duvidamos de que a sua percepção dos sentimentos, ações e estados de alma dos companheiros de sala fosse intuitiva, que procurasse a chucha com a mesma avidez, ou se agarrasse às saias da educadora em pranto, porque outro menino lhe tirara o boneco. Provavelmente, ficaria sossegado no seu canto, meio perplexo com a agitação que o rodeava, sentindo-se seguro apenas quando o deixavam em paz. A capacidade de audição superapurada devia leva-lo à loucura com a profusão de sons estridentes.   

Quando fosse mais crescido, seria natural que, no recreio, se interrogasse quanto à natureza das pedras, plantas e outras formas de vida terrena, em vez de brincar às escondidas (visão de raios X, recordam-se) ou jogar futebol. Em adolescente, o Super -Homem sentir-se-ia perdido, tentando compreender os milhares de sinais subtis, verbais e não verbais, que os jovens trocam quando comunicam entre si. A nossa face reproduz mais de uma centena de sentimentos diferentes através de um sorriso. Que mundo confuso!

Se o Super-Homem pretendesse fazer parte de um grupo, teria de imitar as ações das outras crianças o melhor que podia, mas duvidamos de que se tornasse muito popular, (a não ser que utilizasse os superpoderes para retirar vantagens no futebol). O Super-Homem, chegou de outro planeta: o Super-Homem tem uma perturbação do espectro do autismo, que é o que acontece quando uma pessoa nasce sem os instrumentos necessários para poder interagir com todas as subtilezas e matizes que a comunicação humana implica, nas variações do tom de voz, da expressão facial e da postura, já que, quando comunicamos, todo o corpo fala.

 Todos os dias se sentiria numa espécie de curso de língua estrangeira onde, com esforço, procuraria compreender as intenções de alguém, quando essa pessoa altera a voz, ou acrescenta ironia à expressão. Até mesmo o valor do silencio teria de ser decifrado. O entendimento que o Super-Homem faria das expressões idiomáticas, provérbios e metáforas seria literal, ficando perplexo perante o sarcasmo ou jogos de palavras: o que quereria dizer o professor quando lhe pediu para “puxar” pela cabeça? Mesmo quando um dos pais é humano e o outro de um planeta diferente, tem-se dificuldade em compreender os terrestres, como acontecia a Mr. Spock, da antiga série televisiva O caminho das Estrelas.

O problema, contudo, não se resumiria à interpretação do que os outros querem transmitir (ou esconder), mas também à informação que o Super-Homem desejaria passar. Clark Kent, o Super-Homem disfarçado de humano, era completamente desprovido de charme e o seu sucesso entre os colegas de trabalho, reduzido. O Super-Homem, é um super-herói sem sex-appeal. Por que?

Porque a sedução se faz através da comunicação que vai ao encontro da sensibilidade do outro. Para isso, é necessário não só compreender os sinais subtis que nos são transmitidos, mas também responder com igual delicadeza, fornecendo pistas não verbais quanto as intenções apenas, sugeridas, e tão mais claramente expressas quanto, no pas-de-deux da comunicação, se percebe que ambos os parceiros estão em sintonia, ou seja, desejam o mesmo. O Super-Homem é incapaz de emprestar emoção ao seu discurso, como alguém que a conversar parece debitar e-mails.

Quando pretendemos comunicar, em geral, usamos palavras, mas o significado muda, e pode até representar o seu contrário, quando dizemos, com ironia: “Bonito serviço!” E há ainda a comunicação não verbal, quando os olhos substituem os ouvidos e a boca. Claro que os nossos olhos falam, e também compreendem o que o outro par de olhos quer expressar, e até pretende esconder. Observe-se a interação de uma mãe com seu bebé, ou de dois amantes que se olham (o que é mesmo), e perceberão de imediato o que pretendemos dizer. “O que pretendemos dizer”... Esta frase revela que a linguagem não verbal, tal como a verbal requer descodificação, e uma resposta também não verbal adequada. O Super-homem teria dificuldades em ambas.” (texto retirado na íntegra do Português de Portugal) 

Interessante, e muito perspicaz essa história. Indico a leitura completa do livro: Nuno Lobo Antunes e equipa Técnica do PIN – SENTIDOS, (2021)                                      

Conheçam um pouco mais sobre o Dr. Nuno Lobo Antunes, e seu trabalho no PIN: 

Referências Bibliográficas:

PROGRESSO INFANTIL-PIN. Missão e Objectivos. Disponível em: https://pin.com.pt/missao-e-objectivos/ Acesso: 03 de jul.2022

ANTUNES, Nuno Lobo e equipe técnica PIN. Sentidos. Ed. Lua de Papel, 2021, Córdova.

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