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Reflexões sobre o estudo "Demografia Médica no Brasil 2023"​

Reflexões sobre o estudo "Demografia Médica no Brasil 2023"​
Eduardo Cat
mar. 1 - 8 min de leitura
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Esse excelente estudo conduzido pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) demonstra como dados podem ser traduzidos em informação para compreendermos o cenário atual da carreira médica em um país tão diverso como o Brasil. É um ponto de partida para qualquer projeção ou estratégia de negócio que envolva a nossa força de trabalho tanto na assistência quanto na gestão em saúde.

Antes de trazer as minhas percepções, recomendo a leitura integral do estudo disponível nesse link. Caso as 346 páginas te assustem, espero que esse artigo possa te ajudar resumindo os quatro principais tópicos com tabelas, infográficos, insights e reflexões.

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1 - Benchmarks Internacionais

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A densidade de médicos por habitantes no Brasil ainda é "baixa" quando comparada a outros países. O que observaremos adiante é que esses valor sofre uma grande divergência quando segmentamos entre regiões do país e entre capital / interior.


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O crescimento percentual de mulheres nas últimas décadas é uma vitória parcial. Estamos vencendo a primeira barreira de acesso, mas veremos que ainda existe uma grande diferença quanto à remuneração média.


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Destaque pros EUA com 88,4% de médicos especialistas. Já o Brasil está hoje em um patamar semelhante à média OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), que sistematicamente recolhem e coordenam bases de dados nacionais de saúde de diversos países. E a tendência de queda desse percentual brasileiro é apenas uma questão de tempo ao analisarmos o aumento das vagas de graduação aliado à estagnação das vagas de residência médica.


2 - Panorama do Brasil

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Cuidado para não confundir os números nessa análise:

  • 37,7% de generalistas = 220.213 médicos sem residência médica
  • 41.805 = vagas de primeiro ano de graduação em Medicina
  • 41.853 = vagas ocupadas de todos os anos de residência médica
  • Quando analisamos as vagas de primeiro ano de residência médica, são 16.648 vagas ocupadas dentre as 24.417 vagas autorizadas (mais detalhes no tópico 4).


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A coluna da direita "Renda mulher (%) em relação a homem" comprova que ainda temos muito para evoluir como sociedade.


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Apesar do aumento expressivo das vagas de graduação nas cidades do interior, seguimos com o desafio de distribuir melhor os médicos pelo território nacional.


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Pra quem pretende trabalhar nas grandes capitais, aqui você pode ter uma ideia de onde vai encontrar as maiores concorrências.


3 - Graduação Médica

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mensalidade média das graduções de Medicina em instituições privadas é de R$9.044,92. Em 6 anos de curso, sem considerar nenhum reajuste, o valor total por aluno é de R$651.234,24. Estimando turmas anuais de 100 alunos, uma instituição privada tem um faturamento mensal de 5,4 milhões de reais somente com as mensalidades.


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Como dito anteriormente, percebemos um aumento importante das vagas em cidades do interior, que hoje representam mais da metade do total de vagas.


4 - Residência Médica

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Aqui são dois os destaques:

  • estagnação na quantidade de vagas autorizadas
  • percentual de ociosidade dobrou de 2019 para 2020, chegando a 31,8%


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A carga horária dos programas de residência médica ultrapassa as supostas 60 horas semanais, sendo considerada excessiva por mais de um terço dos residentes.


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Além da carga horária excessiva, quase 75% dos residentes ainda precisam recorrer a outras formas de renda para complementar o valor da bolsa de R$4.106,09.


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Mais da metade dos residentes consideram o tempo para estudo teórico-científico insuficiente, e cerca de 70% sentem falta de apoio para a sua saúde mental.


Conclusão

Espero que, assim como pra mim, esses highlights possam ter ajudado a guiar suas reflexões sobre o que nos aguarda nos próximos anos. O sistema de saúde atual não é sustentável. A pandemia acelerou algumas mudanças, mas ainda há muito pela frente. E, na minha opinião, temos dois pontos essenciais nessa transição para um modelo sustentável.

Atenção primária como coordenadora do cuidado

Lembro de uma aula da faculdade em que discutimos os livros de Barbara Starfield e Geoffrey Rose, e o professor Paulo Poli fez o seguinte raciocínio:

  • Sabemos que cerca de 80% das queixas dos pacientes são queixas primárias. Portanto, 80% da carga global de trabalho dos médicos será lidando com atenção primária.
  • Dessa turma de 100 alunos, 8 disseram que pretendem fazer a residência de Medicina da Família e Comunidade (MFC) e 15 Cardiologia. Digamos que o Brasil siga essa mesma lógica, o que vai acontecer a grosso modo?
  • Os 8 MFC - treinados para resolver queixas primárias com menor consumo de recursos - não vão dar conta de toda a demanda de queixas primárias.
  • Os 15 cardiologistas - treinados para fornecer a melhor Medicina independente do custo - vão atender queixas primárias na maior parte do seu tempo, tendendo a consumir mais recursos para esse perfil de pacientes.
  • O paciente é exposto a riscos desnecessários. O custo aumenta pro sistema. A conta é repassada. Todos saímos perdendo.

Hoje no Brasil, a MFC representa apenas 2,3% do total de médicos especialistas e 6,9% do total de vagas de residência. A lógica predominante na saúde suplementar é a da Medicina especializa. Quem tem uma dor de cabeça vai direto no neuro, dor de barriga no gastro, dor no peito no cardio. Se o médico não pede exames ou não prescreve remédios, o paciente vai atrás de outro profissional pois não se sente "cuidado".

Para combater essa lógica insustentável, torço pelo sucesso de planos de saúde que valorizam a MFC como coordenadora do cuidado assim como era "no tempo dos nossos avós", fortalecendo o vínculo e a confinça por meio da longitudilidade.

Algumas healthtechs bem interessantes que tenho acompanhando são a Alice e a Sami. E digo especificamente planos de saúde pois é onde temos a maior sinergia do conflito de interesse financeiro. O que é excelente pois todos saem ganhando.

Cuidados de saúde e pagamentos baseados em valor (VBHC)

Segundo Porter, autor de livro Redefining Health Care, valor em saúde é a relação entre os resultados que importam para os pacientes (desfechos clínicos) e o custo para atingi-los. Na teoria é simples, basta entregar os melhores resultados com o menor custo. Na prática, trabalhando há 1 ano na 2iM ao lado de referências no assunto (Cesar Luiz AbicalaffeLuiz Ribas), a aplicação desse conceito é extremamente complexa.

  • Como coletar e organizar os dados (quando disponíveis)?
  • Como elaborar indicadores que traduzam valor em saúde?
  • Como ajustar benchmarks por instituição e risco assistencial do paciente?
  • Como acompanhar condições clínicas em tempo real com linhas de cuidado?
  • Como remunerar os profissionais e elaborar contratos com base em valor?

São os desafios que fazem o sistema evoluir. A mudança para o paradigma da saúde baseada em valor é uma peça essencial na construção de um sistema de saúde sustentável. É preciso estimular essa nova cultura, e isso passa necessariamente por regras de remuneração diferenciadas:

  • O médico remunerado por hora é estimulado a desacelerar suas consultas.
  • O médico remunerado por atendimento é estimulado a acelerar suas consultas.
  • O médico remunerado por valor é estimulado a entregar os melhores resultados com o menor custo.

Já existem casos bastante relevantes de implantação dessa metodologia, inclusive com participação da indústria farmacêutica. E, mais uma vez, é uma evolução em que todos saem ganhando, principalmente os nossos pacientes.

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