A pandemia da Covid-19 mudou drasticamente o cenário da prática de todas as especialidades médicas, mas mudou profundamente nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), necessitando cada vez mais a expertise da equipe médica no uso da ventilação mecânica (VM) para tratar e salvar a vida do pacientes. No entanto, muitos desses pacientes necessitam de uma manutenção prolongada da Intubação Orotraqueal (IOT), sendo necessário outros métodos de ventilação invasiva como a traqueostomia.
A traqueostomia é um elemento bem estabelecido no ambiente da UTI, com a indicação de facilitar a ventilação de longo prazo e "desmame" do suporte respiratório. As indicações adicionais incluem obstrução real ou ameaçada das vias aéreas superiores, facilitando a depuração pulmonar e oferecendo um grau de "proteção" contra a aspiração pulmonar. Antes da pandemia da Covid-19, a traqueostomia poderia ser estimada em 8–13% dos pacientes recebendo suporte respiratório avançado em UTIs. As taxas relatadas de traqueostomias utilizadas durante a pandemia de coronavírus variam significativamente entre 16% a 61%, mas são certamente mais altas do que as taxas pré-pandêmicas.
Mas afinal, por que devemos realizar uma traqueostomia em pacientes com Covid-19?
A traqueostomia pode beneficiar pacientes que requerem ventilação prolongada, permitindo que a sedação seja reduzida ou interrompida, possibilitando a remoção do tubo translaríngeo para facilitar a reabilitação laríngea, oferecendo uma interface para suporte ventilatório invasivo variável sem a necessidade de recorrer a nova sedação e reintubação orotraqueal. Além disso, os recursos utilizados na manutenção da traqueostomia tem um menor custo financeiro para manutenção da pessoa doente no hospital. Considerando que o paciente com Covid-19 grave fica mais tempo internado do que aqueles com outras pneumonias virais, ficando claro os benefícios da traqueostomia.
O que torna um paciente com Covid-19 diferente ao considerar a traqueostomia?
Com a alta transmissibilidade e o risco de doença grave, os riscos potenciais para a equipe de saúde precisam ser considerados, além dos benefícios potenciais para o paciente. Um argumento envolve os desafios da extubação primária, com taxas mais altas de reintubação relatadas em pacientes com Covid-19. Períodos prolongados de IOT associados ao uso de bloqueadores neuromusculares e o uso rotineiro de corticosteroides sistêmicos contribuem para o descondicionamento dos músculos respiratórios, o que pode tornar um desafio a passagem direta de um tubo endotraqueal para a respiração autossustentada .
A reintubação urgente de emergência de um paciente com hipóxia grave apresenta riscos claros para o paciente, mas também é importante considerar os riscos para a equipe. Ventilação não invasiva, máscara facial com pressão positiva contínua nas vias aéreas ou oxigênio nasal de alto fluxo apresentam riscos potenciais por meio da geração de aerossol contaminado, agravado pelos riscos associados à reintubação da pessoa doente. No entanto, a realização de uma traqueostomia não está indicada em pacientes que necessitarão de VM em posição prona.
Quando realizar uma traqueostomia?
A primeira máxima ao se considerar o momento ideal para uma traqueostomia é se o procedimento irá beneficiar o paciente. Expor o paciente e a equipe a riscos quando é improvável que o paciente não sobreviva não beneficia ninguém. No entanto, é difícil prever quais pacientes podem se beneficiar, tanto dentro quanto fora do período pandêmico. Sendo assim, as traqueostomias só devem ser realizadas em pacientes que estão melhorando clinicamente e como envolvem decisões complexas, uma abordagem multidisciplinar é recomendada.
Em relação ao tempo em que o procedimento deve ser realizado muito tem se debatido entre realizar a traqueostomia após o pico de carga viral que acontece no início dos sintomas ou realizar o procedimento mais inicialmente levando em consideração os benefícios para o paciente como a redução da lesão e disfunção laríngea associada à intubação traqueal prolongada, redução da carga cumulativa de agentes sedativos e promoção da higiene pulmonar por meio de melhor eliminação da secreção. A imagem abaixo sumariza os principais prós e contras da traqueostomia precoce ou tardia.
Figura 1: Fatores que favorecem a traqueostomia precoce ou tardia em pacientes com covid-19. Retirado de McGrath BA, Brenner MJ, Warrillow SJ, Pandian V, Arora A, Cameron TS, et al. Tracheostomy in the covid-19 era: global and multidisciplinary guidance. Lancet Respir Med. 2020;8:717–25.
Atualmente se recomenda um mínimo de 14 dias de ventilação mecânica antes da traqueostomia, equilibrando os riscos do benefício para o paciente com os riscos para a equipe. Os pontos que favorecem ao paciente para uma traqueo mais precoce se relacionam à diminuição da sedação e reabilitação precoce. Adicionalmente temos um benefício da redução da mortalidade bem como menor custo com recursos das UTIs. Já uma traqueo mais tardia diminui os riscos de contaminação dos profissionais e permitem que o paciente esteja mais estável clinicamente.
Seguimento do paciente traqueostomizado
Para pacientes com Covid-19 que foram submetidos a uma traqueostomia, os objetivos do cuidado são minimizar as intervenções nas vias aéreas e a geração de aerossol mantendo os padrões de cuidado seguro e garantindo que os pacientes sejam reabilitados de forma proativa. Todas as intervenções devem envolver um planejamento completo para reduzir os riscos para os pacientes e a equipe, e os cuidados devem ser realizados por profissionais experientes em traqueostomia.
A fala para pacientes com traqueostomia geralmente requer desinsuflação do cuff, com risco de aerossolização se a ventilação com pressão positiva ou suporte ventilatório ainda for necessário. Métodos de comunicação inovadores incluem placas de comunicação, tubos de traqueostomia "falantes", estratégias de vocalização acima do cuff e outros dispositivos de comunicação alternativos. A alimentação oral, após uma avaliação rigorosa da deglutição, também pode fornecer benefícios psicológicos. No entanto, a decanulação segura deve ocorrer o mais rápido possível desde que o paciente esteja clinicamente estável.
Continua sendo essencial que os benefícios potenciais de uma traqueostomia sejam colocados na balança contra a carga potencial para os pacientes e os riscos para a equipe e os recursos da UTI. A traqueostomia só deve ser considerada em pacientes em recuperação da doença crítica e que tenham boa chance de uma recuperação significativa.
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Referências
Williams T, McGrath BA. Tracheostomy for COVID-19: evolving best practice. Critical Care [Internet]. 2021 Aug 31 [cited 2021 Sep 7];25(1). Available from: https://ccforum.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13054-021-03674-7
Conteúdo elaborado por Diego Arthur Castro Cabral