O sangramento uterino anormal (SUA) é uma condição relacionada a qualquer tipo de sangramento que saia da normalidade e que acaba atrapalhando a vida da mulher.
Pode ser extremamente desconfortável para a paciente, tratando-se de um assunto muito recorrente nos consultórios ginecológicos e pode possuir diversas repercussões a exemplo de:
anemia, dor/dismenorreia, influência sobre aspectos psicológicos, piora de qualidade de vida, procedimentos cirúrgicos, limitação para atividades podendo levar a falta no trabalho ou escola (FEBRASGO 2017).
Por isso, precisa ser avaliado com atenção e cuidado, visto que pode causar repercussões negativas em diversos âmbitos da vida da mulher, seja nos aspectos físicos, emocionais, sexuais e profissionais, trazendo problemas na qualidade de vida e autoestima da mulher.
O SUA pode acontecer em diversas fases da vida da mulher, esse fato vai depender dos níveis hormonais e doenças predominantes e cada faixa etária. Torna-se fundamental sempre excluir a gestação para o início da investigação desse problema.
Segundo a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), o SUA agudo ou crônico, é definido como o sangramento proveniente do corpo do útero, com anormalidades, podendo ser na sua regularidade, no volume, na frequência ou na duração, em mulheres que não estejam grávidas.
A área da ginecologia e obstetrícia está em constante mudança e adaptações, sempre buscando atualizar os conceitos.
Atualmente, por exemplo, os conceitos de padrões de sangramentos uterinos normais são intervalos de 24 a 38 dias e os conceitos de polimenorreia e oligomenorreia, embora ainda utilizados em alguns locais, estão desatualizados de acordo com Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO).
Em relação à duração, é considerada normal uma duração de 8 dias e o volume não é mais determinado em ml, devido à dificuldade de quantidade, atualmente é utilizado os conceitos de volume leve, normal ou pesado – levando em conta o impacto na vida da mulher.
Da mesma forma, em relação a regularidade, é realizado uma conta do ciclo mais longo subtraindo o ciclo mais curto, se o resultado der um resultado < ou = a 9 dias é um ciclo com regularidade normal. Ademais, a denominação sangramento uterino disfuncional também é um termo em desuso.
Classificação
O sangramento uterino anormal pode ser classificado de duas formas: em agudo e crônico.
Agudo, se em mulheres em idade reprodutiva (excluindo gravidez) e que a quantidade não precise determinar uma intervenção imediata a fim de prevenir novas perdas.
Já o crônico, é um sangramento com aumento na sua frequência, regularidade, duração e/ou volume e que esteja presente em pelo menos 6 meses.
Em 2011, especialistas da FIGO propuseram um esquema que auxilia os profissionais da saúde no entendimento, avaliação e tratamento do SUA. Trata-se do mnemônico PALM-COEIN. Assim, será separada as causas estruturais (PALM) e as causas não estruturais (COEIN) que serão elencadas e explicadas abaixo.
Após a exclusão da gravidez, é importante a realização de uma anamnese bem detalhada, seguida de exame físico e ginecológico. Atentar sempre para fatores de risco de câncer ginecológico, coagulopatias, analisar as medicações que a paciente está utilizando, patologias associadas. Ademais, exames complementares como hemograma, dosagem de ferritina e US pélvica.
Agora, vamos exemplificar aqui todas as causas estruturais e não estruturais do sangramento uterino anormal:
Figura 1 Sangramento uterino anormal, FEBRASGO 2017.
Causas estruturais
P- Pólipos: Iniciando com as causas estruturais, temos os PÓLIPOS endometriais e endocervicais, sendo mais comum em pacientes na perimenopausa/menopausa, sendo que a idade avançada pode ser considerado um fator de risco, juntamente com a obesidade e pólipos acima de 1,5 cm. A visualização desses pólipos pode ser realizada por meio de ultrassonografia transvaginal, histeroscopia ou histerossonografia. O tratamento dessa condição geralmente é conservador, a menos que a paciente seja sintomática, tenha a presença de múltiplos pólipos ou um pólipo endocervical prolapsado, nesses casos devem ser avaliados juntamente com o médico para realização da exérese do pólipo.
A- Adenomiose: Dando continuidade, a ADENOMIOSE, é uma patologia caracterizada por uma invasão benigna de tecido endometrial no miométrio, causando uma rotura da zona juncional (ZJ) que é a região limite entre essas duas camadas do útero. Dessa forma, a sintomatologia associada a essa patologia podem ser muito diferenciada, as pacientes podem apresentar por exemplo, dismenorreia, aumento do volume do sangramento menstrual. O diagnóstico deve ser clínico e através de exames de imagem como o USG transvaginal e ressonância magnética. O tratamento é bastante variado, podendo ser feito através de contraceptivos combinados, progestagênio, sistemas intrauterinos, podendo ser realizada também a histerectomia.
L- Leiomiomas: são tumores benignos da musculatura lisa uterina, estão mais comumente presentes em mulheres no período reprodutivo e tem uma regressão na menopausa. Alguns fatores de risco associados com essa patologia são menarca precoce, IMC alto, história familiar positiva sendo que, a pós-menopausa e o uso de anticoncepcionais orais. A sintomatologia, além do sangramento uterino anormal presente nessas e nas outras condições, pode causar dor pélvica e infertilidade, porém a maioria das mulheres é assintomática, tendo o diagnóstico apenas com o ultrassom. Pode ser realizado tratamento clínico ou se não houver resposta, pode-se optar por uma abordagem cirúrgica, dependendo sempre do número de miomas, localização e do seu tamanho.
M- Malignidade: A última letra do mnemônico PALM diz respeito à MALIGNIDADE, em que os profissionais da saúde devem estar atentos ao sangramento pós-menopausa para avaliar se trata-se de uma atrofia endometrial ou de um câncer de endométrio, por exemplo. Por isso, torna-se essencial a realização de uma histeroscopia e biópsia para fazer a amostragem do tecido endometrial.
Essas foram as causas estruturais, sabemos como é difícil chegar a um diagnóstico e como isso pode causar preocupação nas nossas pacientes. Mas, aliando uma boa anamnese, exame físico e exames complementares, conseguiremos direcionar a melhor forma de resolução do caso!
Causas não estruturais
C- coagulopatia: Seguindo para as causas não estruturais, a primeira condição são as COAGULOPATIAS, podendo ser elencado aqui doenças como a de Von-Willebran, alterações das plaquetas e alterações dos fatores de coagulação. Nesses casos, o aumento do fluxo menstrual pode ser o único sintoma apresentado pelas pacientes, tendo como início mais comum na menarca. Deve ser realizado uma história clínica completa, solicitar exames complementares como hemograma completo, TP, TTPA, TT e fibrinogênio.
E- endometriais: podem ser causadas por um disfunção primária endometrial, infecções/inflamações endometriais pela chamydia trachomatis ou pode ser também por anormalidades na resposta inflamatória local.
I- iatrogenia: pode ser uma causa de SUA decorrente por exemplo de medicamentos hormonais ou não hormonais e de contracepção intrauterina, por exemplo uso de anticoncepcionais hormonais, DIU de cobre. Também, o uso de medicamentos como anticoagulantes, anticonvulsivantes, antidepressivos tricíclicos, corticosteroides, tabagismo.
N- não classificadas: são as causas mais raras. Nesse caso, pode ser por exemplo, endometrite crônica, Istmocele, más formações arteriovenosas e hipertrofia miometrial.
O tratamento do SUA agudo pode ser realizado por meio do ácido tranexâmico, trata-se de um antifibrinolítico que vai agir no plasminogênio inibindo o ativador tecidual do plasminogênio, mantendo o coágulo.
Como se trata de um assunto extenso e com diversas particularidades, deve-se ter uma atenção muito grande diante de uma paciente com sangramento uterino anormal. Lembrar sempre antes de tudo de excluir gravidez, realizar um exame físico e ginecológico completo para determinar a localização do sangramento, avaliar sempre a quantidade do sangramento, fazer avaliação laboratorial com:
BHCG, hemograma, plaquetas, TP, KTTP, TSH, afastar cervicites, colpites ou lesões do colo do útero. Realização de ultrassonografia transvaginal para afastamento de causas estruturais, histerossonografia, histeroscopia ou ressonância magnética.
Lembrar sempre que o tratamento depende de cada patologia podendo ser cirúrgico com a histeroscopia para tratamento e pólipos, miomas submucosos, hiperplasias endometriais. Tratamento farmacológico principalmente nas causas não estruturais (COEIN) e tratamentos não hormonais como o uso de AINES para redução de prostaglandinas, ácido mefenâmico para redução do sangramento e ácido tranexâmico com ação antifibrinolítica.
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REFERÊNCIAS:
Sangramento uterino anormal. -- São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), 2017.
Passos EP, Ramos JGL, Martins-Costa SH, Magalhães JA, Menke CH, & Freitas F. Rotinas em ginecologia. 7.ed. Brasil: Artmed; 2017.
Lasmar, R. B. et al. Tratado de Ginecologia. 1ª edição. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 2017.