Com o aumento significativo do Transtorno do Espectro Autista (TEA), vem crescendo também a busca por formas de otimização do diagnóstico e de intervenções terapêuticas mais efetivas. Na prática clínica, é comum o questionamento sobre a existência de um "teste para autismo", principalmente pela condição de espectro apresentar grande diversidade de características. É importante destacar que, embora não haja um único teste que possa diagnosticar o TEA, existem várias ferramentas clínicas disponíveis e é neste contexto que a Medicina personalizada pode auxiliar tanto no diagnóstico quanto no tratamento individualizado para cada paciente.
Na Medicina personalizada, se reconhece que
cada paciente é único e que suas necessidades de saúde devem ser tratadas de
maneira individualizada. Com ela, os médicos podem usar
informações sobre o perfil genético do paciente, estilo de vida, ambiente e
outros fatores para desenvolver um plano de tratamento personalizado e mais eficaz
e com menos efeitos colaterais, propiciando uma melhor qualidade de vida para o
paciente.
O TEA é uma condição complexa e multifacetada que envolve uma interação
complexa entre múltiplos fatores genéticos e ambientais. Os avanços na pesquisa
genética têm sido fundamentais para uma melhor compreensão da biologia
subjacente ao autismo. Até setembro de 2021, foram identificados mais de 1.150
genes candidatos a estarem envolvidos no TEA, muitos dos quais estão envolvidos
em processos biológicos importantes para o neurodesenvolvimento, como a
regulação da expressão gênica, a formação de sinapses e a migração neuronal.
Embora uma única alteração genética possa causar o TEA, a maioria dos casos envolve a interação de múltiplos genes e fatores ambientais, que podem afetar o desenvolvimento cerebral e levar a alterações no comportamento social, de comunicação e de interesses. A utilização de testes genéticos pode ser uma ferramenta útil no processo diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA), especialmente em casos de diagnóstico clínico incerto ou quando há suspeita de síndromes genéticas associadas ao TEA, como a Síndrome de Rett, por exemplo.
O Colégio Americano de Genética Médica e Genômica recomenda diferentes
opções de testes genéticos para o diagnóstico do TEA, incluindo a pesquisa de
X-frágil, a análise cromossômica por microarray e o sequenciamento de genes
específicos como MECP2, PTEN, SHANK3 e CHD8. O sequenciamento de exoma também
pode ser uma ferramenta poderosa na detecção de variantes associadas ao TEA.
No entanto, é importante ressaltar que a maioria dos casos de TEA apresenta um contexto mais complexo, em que múltiplos fatores genéticos e ambientais interagem para determinar o risco de desenvolvimento do transtorno. Nesses casos, o modelo genético que melhor explica o TEA é o "modelo de copo", em que temos um limiar multifatorial que representa a interação de diferentes fatores genéticos e ambientais com maior ou menor risco associado ao TEA. Os indivíduos que ultrapassam esse limite em que o “copo transborda” estão no TEA.
A
aplicação de testes genéticos pode ser útil no processo diagnóstico do TEA, mas
é importante avaliar cada caso individualmente e considerar a interação de
diferentes fatores genéticos e ambientais que contribuem para o risco de
desenvolvimento do transtorno.
Para os casos de etiologia
multifatorial, o mapeamento genético irá auxiliar no suporte terapêutico,
considerando uma escolha mais assertiva dos medicamentos, a partir da farmacogenética
e suporte nutricional adequado considerando fatores nutrigenéticos. Vale
salientar as especificidades associadas ao TEA, como seletividade alimentar,
peculiaridades metabólicas, intolerâncias e sensibilidades, que também são
aspectos importantes que podem ser avaliadas a partir de análise genômica e
metabolômica.
Uma publicação recente da revista Pharmaceutics analisou a eficácia do tratamento farmacológico em pacientes com TEA e a premissa é que de 30% a 50% desses pacientes não respondem adequadamente ao tratamento, sofrendo com efeitos colaterais graves e duradouros. Foram avaliados 42 pessoas com TEA que eram resistentes ao tratamento farmacológico e, destes, após realização do teste farmacogenético, 93% apresentaram melhora.
Dos participantes, 23 (55%) alcançaram estabilidade
dos sintomas, resultando em uma diminuição na frequência de consultas médicas e
internações hospitalares. A melhora clínica observada no grupo de pacientes que
fizeram o teste foi maior do que a do grupo controle (N=62) composto por
pacientes que não realizaram o teste. Concluiu-se que a intervenção
farmacogenética tem o potencial de melhorar significativamente os resultados
clínicos em populações com TEA comórbidos graves que anteriormente não
respondiam ao tratamento.
O diagnóstico precoce e o tratamento personalizado são fundamentais para melhorar a qualidade de vida das pessoas com TEA e sua progressão clínica. É possível reduzir os sintomas indesejados, como convulsões, dificuldades de aprendizagem e distúrbios gastrointestinais, o que pode melhorar significativamente a qualidade de vida do paciente. Além disso, é importante destacar que o conhecimento genético dos indivíduos com TEA está transformando gradualmente o conceito científico e clínico da condição, e pode ser utilizado para fins mais abrangentes do que apenas para distinguir TEA sindrômicos e não-sindrômicos, otimizando condutas, sendo assertivo na prescrição medicamentosa e mais eficaz nas condutas terapêuticas suplementares.
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