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Homenagear é bom, mas valorizar mulheres — pesquisadoras, médicas, enfermeiras e outras, é melhor!

Homenagear é bom, mas valorizar mulheres — pesquisadoras, médicas, enfermeiras e outras, é melhor!
Bruna Martins Oliveira
mar. 8 - 11 min de leitura
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Hoje, dia 08 de março, celebramos mais um Dia Internacional da Mulher. Anualmente, essa data gera uma série de discussões sobre o equilíbrio entre as homenagens prestadas às mulheres e as reais ações que visam promover a redução das desigualdades que refletem na falta de reconhecimento, nas disparidades de gênero no meio acadêmico, na desvalorização salarial e opressão (lembra de Nise da Silveira, psiquiatra presa e perseguida por promover a arte como terapia?), em espaços que são, historicamente, ocupados  (ou apropriados) por homens.

Entidades como a Organização das Nações Unidas (ONU) que criou a Agenda 2030 reconhecem a gravidade da desigualdade de gênero e, inclusive, um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) consiste na promoção da igualdade de gênero e autonomia das mulheres. Porém, construir um mundo mais igualitário e menos hostil com elas é um trabalho árduo, já que, além de vontade política e de políticas públicas que visam a inclusão real das mulheres, levando em conta seus contextos de vida, é importante considerar as diferenças de raça e classe que atravessam suas jornadas.

⚠️Um alerta: neste texto, não estou propondo uma solução mágica para mudar o mundo e acabar com as desigualdades. O objetivo é trazer algumas evidências que mostram que as mulheres movem a ciência, a vida e estão à frente do cuidado, mas mesmo assim ainda precisam lutar pelo mínimo: valorização e respeito.

Se você discordar, tudo bem. Estamos em uma comunidade e o objetivo aqui é promover o debate. Enquanto comunicadora e pesquisadora de mulheres, a partir da comunicação, vejo que os estudos nunca bastam. É preciso descer do pedestal e estudar para que possamos construir conhecimento e aprender com as pessoas. Por isso, te convido a reflexão. Vamos?!

Desigualdade de gênero: naturalização, limitação de oportunidades e reconhecimentos

Não faz muito tempo que também celebramos o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência e, realmente, as datas são muito simbólicas e trazem à tona as pautas que devem permanecer vivas durante o ano inteiro. Atualmente, estamos vivendo uma pandemia mundial de COVID-19 há quase três anos e, além disso, há inúmeros conflitos no mundo (sendo o mais recente caracterizado pela Guerra da Ucrânia) e em meio a esse turbilhão de coisas, as feridas são mais expostas e as desigualdades aprofundadas.

Em linhas bem gerais, a construção da história não é generosa e nem bonita com as mulheres. Sobretudo com cientistas, pesquisadoras, médicas e mulheres que mostraram sua força e coragem ao romper barreiras. Elas sempre foram inferiorizadas, silenciadas e violentadas de múltiplas formas, afinal o espaço social destinado a elas era somente um: o ambiente doméstico. E, olhe lá: afinal, as mulheres escravizadas sempre ocuparam o trabalho e a servidão e, podemos dizer que muitas perderam ali suas chances de seguir em uma carreira diferente e mostrar seu talento para o mundo.

Mesmo nas situações em que as mulheres fizeram grandes descobertas na história, é comum que o crédito ao trabalho delas fique para homens. Até hoje, isso é um problema. Segundo pesquisadores da Yale School Of Managent, as mulheres representam apenas 10% dos grupos que detém patentes e, quando são inventoras, possuem mais dificuldade na aprovação dos pedidos. A pesquisa, realizada nos EUA, também destaca que as mulheres representam 50% da população com doutorado nas áreas de ciências da vida, ciências e engenharia e ainda assim, isso não é suficiente.

Aos poucos, elas conquistam seu espaço no mercado de trabalho, mas ainda assim há muitos desafios.  Na pandemia, isso ficou mais evidente. Segundo a ONU Mulheres, 70% da força de trabalho da linha de frente à COVID-19 é composta por mulheres. Ou seja: cientistas, médicas, enfermeiras, técnicas de enfermagem e outras profissionais estão mais expostas ao vírus e além de exercerem o cuidado de pessoas doentes no trabalho, também são mulheres que possuem jornadas triplas e quádruplas. Em casa, o trabalho não-remunerado ainda é direcionado a elas. Com a existência de uma rede de apoio, o cenário pode ser menos pior, mas não há como generalizar esse privilégio. 

No caso das mulheres pesquisadoras, o combo da pandemia, aliado a aspectos de gênero, raça e condições impostas pela maternidade e sobrecarga feminina afetou muito a produção da ciência. Pesquisadores da UFRGS, do grupo Parent in Science, entrevistaram 15 mil voluntários atuando na pesquisa e concluíram que mulheres negras (com filhos ou não) e mulheres brancas e mães são as mais afetadas no momento. O estudo destaca que apenas 13,9% das mulheres afirmam estar conseguindo trabalhar normalmente, de forma remota e a submissão de artigos é menor nos casos em que as mulheres possuem filhos pequenos  (32%) ou crianças na faixa etária entre 1 a 6 anos.

Outro ponto importante e que custa caro para as mulheres, seja pela falta de oportunidades, reconhecimento do trabalho e condições dignas para exercer suas funções  é a saúde emocional.

Na pandemia, elas são especialmente mais impactadas por esse adoecimento na pandemia. Um estudo realizado pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), com três mil voluntários de 26 estados do país revelou que as mulheres apresentam maiores sintomas de depressão, ansiedade e estresse.  Outra pesquisa realizada por estudantes de medicina da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)  com 822 mulheres que são mães de todas as regiões do Brasil também revela que mulheres que mais de 80% das mães sentem-se mais sobrecarregadas no cuidado dos filhos com a pandemia. Foi identificado ainda que 25% das entrevistadas apresentaram sintomas de depressão, 7% estavam mais ansiosas, 23% mais estressadas e 39% tiveram sintomas de estresse pós-traumático.

Como valorizar as mulheres na ciência, na saúde e na vida

Diante do cenário apresentado, a pergunta de milhões: como valorizar as mulheres, sejam elas médicas, cientistas, professoras, enfermeiras, técnicas de enfermagem, profissionais da limpeza em hospitais, biomédicas, entre outras profissionais? Não temos uma resposta pronta, mas algumas dicas podem ajudar. São elas:

1.Divulgue o trabalho das mulheres que você conhece

Ao compartilhar o trabalho das mulheres que você conhece, independente da especialidade, você está enaltecendo esse trabalho e pode ajudar outras pessoas a conhecerem o que ela faz. Aqui na Academia Médica, estamos sempre destacando as produções científicas de pesquisadoras. Recentemente, falamos sobre o trabalho das cientistas Yvonne Bryson, M.D, da Universidade da Califórnia e Deborah Persaud, M.D, da Universidade de Johns Hopkins que anunciaram o 3º caso de remissão de HIV no Mundo e a Comunidade é um espaço aberto às médicas, estudantes de medicina e profissionais que queiram compartilhar suas vivências!

Leia também: As mulheres mais importantes que fizeram e fazem história na ciência brasileira e mundial

2.Combata atitudes sexistas e machistas no ambiente de trabalho

Discriminar mulheres e objetificá-las é algo que infelizmente acontece no trabalho e, se duvidar,  esse problema é comum até mesmo na mesa cirúrgica. Você não precisa ser militante de algum movimento social para combater essas práticas e apoiar suas colegas de trabalho nas denúncias. Assédio moral é crime e atitudes machistas deveriam ter sido enterradas nos séculos passados. Porém, isso ainda acontece e a falta de apoio e combate faz com que tais atitudes sejam naturalizadas. 

3.Compartilhe informações importantes 

As mulheres podem trabalhar tanto ou mais do que os homens, mas ainda assim sofrem com a desigualdade salarial. Segundo  a legislação brasileira, aprovada pelo decreto nº 5.452, de 1º de maio de 1943, tal prática é proibida e nos casos em que for comprovada a discriminação salarial por conta do gênero, a mulher prejudicada pode pedir equiparação salarial “em  dobro, do valor equivalente às diferenças salariais apuradas em relação ao paradigma”.

Essas informações podem ser usadas para reivindicar os direitos. E, ao que tudo indica, a realidade ainda não é essa. De acordo com a 4ª Pesquisa Demográfica Médica no Brasil 2018, realizada pela Faculdade de Medicina da USP, a presença feminina das mulheres na Medicina está crescendo, mas a remuneração é mais baixa em relação aos médicos que exercem os mesmos cargos. O estudo foi realizado com 2400 profissionais e revelou que no cenário geral, a diferença salarial em categorias mais baixas é de 80%. Nas áreas mais remuneradas, 51% dos homens estão em vantagem.

4.Denuncie plágios e apropriações intelectuais

Recentemente, um caso de plágio envolvendo o trabalho da pesquisadora e professora Dra. Valeska Zanello, da Universidade de Brasília (UNB) que foi apropriado por um estudante de psicologia e “influencer” em ascensão teve grande repercussão nas redes sociais. Em seu perfil pessoal no Instagram, Zanello desabafou nas seguintes palavras: 

 

"Tenho mais de 25 anos na psicologia e muita estrada de estudo e pesquisa para escrever o que escrevi. Mas claro, o alecrim dourado, num raio ‘intuitivo’, teve aquela ideia do nada. Inclusive usando as MESMAS palavras. Por que é tão difícil para um homem referenciar o trabalho de uma mulher? Isso tem nome: misoginia”.

Ao denunciar casos de plágio e não reproduzir esse crime , você estará valorizando o trabalho de uma mulher e impedindo que terceiros usem todos os créditos para autopromoção. Acredite!

E para você, o que é valorização da mulher?

Se você leu até aqui, espero que essas reflexões te ajudem a fermentar algumas ideias. Mais importante do que trazer informações e exemplos, é também ouvir o que as mulheres pensam sobre o que é necessário para alcançar a tão sonhada valorização.

Leia mais:  11 de Fevereiro: Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência

Por isso, se você tiver alguma contribuição, deixe seu comentário no post e sinta-se à vontade para escrever na Comunidade. Para publicar seu artigo na Academia Médica e fazer parte dessa comunidade com mais de 219 mil médicos, acadêmicos, pesquisadores e profissionais da saúde, clique  no botão "NOVO POST" no alto da página e escreva!

Referências

  1.  SCHEFFER, M. et al. Demografia Médica no Brasil 2018. São Paulo, SP: FMUSP, CFM, Cremesp, 2018. 286 p. ISBN: 978-85-87077-55-4
  2. ONU Brasil. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em 08/03/2022
  3. ONU Mulheres- Gênero e COVID-19 na América Latina e no Caribe: dimensões de gênero na resposta ao COVID-19. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ONU-MULHERESCOVID19_LAC. Acesso em 08/03/2022
  4.  MEDICINA USP. Mulheres foram mais afetadas emocionalmente pela pandemia. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/mulheres-foram-mais-afetadas-emocionalmente-pela-pandemia/. Acesso em 08/03/2022.
  5. UFMS. Mais de 800 mães participam de pesquisa sobre saúde mental na pandemia. Disponível em: https://www.ufms.br/mais-de-800-maes-participam-de-pesquisa-sobre-saude-mental-na-pandemia/. Acesso em 08/03/2022.
  6.  Yale Insights. Why Do Women Inventors Win Fewer Patents?. Disponível em: https://insights.som.yale.edu/insights/why-do-women-inventors-win-fewer-patents. Acesso em 08/03/2022.
  7.  UFRGS. Pesquisa da UFRGS revela impacto das desigualdades de gênero e raça no mundo acadêmico durante a pandemia. Disponível em: https://www.ufrgs.br/ciencia/pesquisa-da-ufrgs-revela-impacto-das-desigualdades-de-genero-e-raca-no-mundo-academico-durante-a-pandemia/.Acesso em 08/03/2022.

 


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