A influência das
comorbidades provocadas pela Covid-19 nos desfechos da doença foram percebidas
logo no início da pandemia. No mundo, aproximadamente 1,7 bilhão de pessoas têm
ao menos uma comorbidade que pode aumentar o risco de desenvolver a enfermidade
de forma mais grave. O entendimento do impacto das comorbidades tem dois
principais propósitos: priorização de intervenções preventivas, vacinação e
tratamentos precoces; e entender a biologia da doença.
Os desfechos
mais descritos para definir a severidade da doença incluem hospitalização,
tratamento com oxigênio, suporte artificial de órgãos e mortalidade. Decisões
clínicas de admitir o paciente para hospitalização ou iniciar o suporte de
órgãos são influenciados quando há a presença de comorbidades, visto que
diferentes sequências de eventos biológicos podem levar à morte. A evolução da
Covid-19 possui três fases distintas: doença viral aguda, lesão pulmonar
inflamatória imunomediada e sequelas pós-agudas. Pacientes em cada fase possuem
respostas diferentes aos tratamentos, refletindo diferentes mecanismos
biológicos.
Quando uma
comorbidades influencia o desfecho, seu mecanismo pode não estar relacionado à
Covid-19 em si, visto que comorbidades podem predispor indivíduos à
hospitalização como resultado de diversas doenças agudas. Assim, quando existem
comorbidades, é necessário cautela ao definir a severidade da doença, pois sua
presença pode influenciar decisões clínicas. Estudos restritos a pacientes
hospitalizados por Covid-19 demonstram uma prevalência alta de comorbidades em
relação à população geral.
Entre pacientes
que necessitam de tratamentos mais prolongado, como ventilação invasiva
prolongada, existe risco cumulativo de complicações associadas ao suporte
artificial de órgãos e à doença crítica, incluindo risco de neuropatia e
miopatias, infecções secundárias e delirium. Esses problemas não são exclusivos
da Covid-19, porém possuem mecanismos importantes dos quais comorbidades podem
piorar o prognóstico do paciente por diminuir a tolerância à doença.
Impacto das comorbidades durante cada fase da doença:
Fase da doença viral aguda: comorbidades apresentam grande impacto durante a fase inicial da
doença, onde a replicação viral é maior.
As associações das comorbidades com o Covid-19 dessa fase podem
predispor o paciente a lesão pulmonar inflamatória. Estudo relata que mais de
três quartos dos pacientes hospitalizados possuem pelo menos uma comorbidade.
Além disso, pacientes com doença cardíaca, doença pulmonar, doença renal
crônica, obesidade, câncer, problemas neurológicos crônicos, demência e/ou
doença hepática têm o risco de morte aumentado.
As comorbidades
mais comumente encontradas são hipertensão, seguida de asma e diabetes, sendo
todas associadas com um maior risco de mortalidade. Estão em maior perigo
pacientes transplantados e com doença renal crônica. Nos primeiros, foi
encontrado que a terapia com imunossupressores antes da hospitalização não
estava associada com a mortalidade. Porém, quando as classes de medicamentos
foram analisadas individualmente, houve um aumento da mortalidade para o
medicamento monoclonal anti-CD20 depletor de células B, como o rituximabe.
O HIV também
contribui para a hospitalização, visto que os pacientes portadores do vírus da
imunodeficiência que foram hospitalizados devido à Covid-19 são mais jovens do
que pacientes não portadores do vírus, além do subgrupo apresentar uma maior
mortalidade. A reativação do citomegalovírus (CMV) também foi documentada em
muitos casos de Covid-19 sever, e amostras do trato respiratório indicam que a
infeção latente do CMV está associada ao aumento da severidade da doença, mesmo
na ausência de confirmação da reativação do CMV. Os maiores impactos de grande
parte das comorbidades nessa fase de doença viral aguda é uma consequente
genérica da fragilidade e reserva fisiológica reduzida desses pacientes.
Fase da lesão pulmonar inflamatória: é esperado que os efeitos gerais das comorbidades e fragilidades reduzam
a tolerância de insuficiência respiratória hipoxêmica, uma consequência clínica
da lesão pulmonar inflamatória. Algumas comorbidades possuem efeitos
específicos que afetam essa fase diretamente, como adipócitos na obesidade, ou
doenças respiratórias ou neuromusculares crônicas, que reduzem a tolerância de
falha respiratória.
A obesidade associada
com o estado crítico da Covid-19 é ligada a um pior prognóstico. O efeito está
provavelmente relacionado aos pneumócitos e não à fragilidade, sendo que o
mecanismo associado pode ser pelo desenvolvimento de pneumonite, inflamação
imune inata sistêmica de baixo grau, que pode predispor lesões imunes inatas
quando a replicação viral não é contida na fase inicial da doença.
Também foi identificada
uma associação do diabetes a pacientes hospitalizados por Covid-19. Apesar do
diabetes tipo II geralmente estar associado com obesidade e doença
cardiovascular, também é um risco independente de hospitalização e internamento
na UTI. Outro risco é o controle inadequado do diabetes tipo I. O alto IMC
(obesidade) também foi um preditor de
prognósticos adversos em pacientes com diabetes tipo II e Covid-19.
Além disso,
pessoas com diabetes possuem suscetibilidade a infecções bacterianas, que podem
causar uma resposta hiperinflamatória envolvendo interleucina 1β (IL-1β) e
IL-6, associadas com a severidade da doença e muitas vezes relacionadas a casos
fatais. Estudos também apontaram relação entre o diabetes e a regulação da
inflamação na Covid-19, principalmente envolvendo monócitos e macrófagos.
Fase de recuperação e sequelas pós-agudas da Covid-19: pessoas com comorbidades pré-existentes têm maior probabilidade de
desenvolver sequelas após a Covid-19. Além disso, são menos prováveis de
retornar à sua função física básica após a infeção. Pessoas que possuem mais de
uma comorbidade estão associadas a um maior risco de sintomas persistentes após
a infeção em sua fase aguda. Embora a vacinação seja altamente vertida para
prevenir a forma severa da infecção, evidências indicas que a imunização não é
tão eficaz para reduzir as sequelas pós-Covid-19.
Multicomorbidades: a maior
parte das pesquisas do impacto da Covid-19 a longo prazo foi focada em uma
única comorbidade. Porém, um terço dos adultos globalmente possuem duas ou mais
comorbidades, aumentando esse número conforme a idade. Em estudo realizado no
Reino Unido, a mortalidade de pacientes com multicomorbidade era mais do que o
dobro. Dessa forma, torna-se necessário identificar as comorbidades dos
pacientes para adequar tratamentos e cuidados devido ao prognóstico
piorado.
Referência:
Russell, C.D., Lone, N.I. & Baillie, J.K. Comorbidities, multimorbidity and COVID-19. Nat Med 29, 334–343 (2023). https://doi.org/10.1038/s41591-022-02156-9
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