A Medicina Baseada em
Evidências traz como princípio a utilização da melhor evidência atualmente
disponível sobre segurança e eficácia para a tomada de decisões sobre as
escolhas de tratamento para os pacientes. Sabemos que durante a pandemia de COVID-19
houve uma corrida desenfreada pela publicação de estudos acerca de possíveis
tratamentos para a doença.
No entanto, muitos estudos
foram mal conduzidos, restritos a poucos pacientes e, muitas vezes, enviesados.
Desta forma, as evidências iniciais da eficácia de alguns tratamentos já foram
reprovadas pela comunidade científica nos últimos anos, embora algumas medicações
continuem a ser utilizadas pelos pacientes e, infelizmente, ainda prescritas
por muitos médicos.
Neste
sentido, um artigo publicado no NEJM em
18 de agosto de 2022 trouxe os resultados de um ensaio clínico de fase III (COVID-OUT)
randomizado, duplo-cego e controlado por placebo para testar a eficácia dos medicamentos metformina, ivermectina e
fluvoxamina na prevenção da progressão para a doença grave de COVID-19.
No
presente estudo, os pesquisadores usaram um desenho fatorial de dois por três
para testar os medicamentos. Eles recrutaram todos os pacientes do teste
remotamente até 28 de janeiro de 2022, que receberam os fármacos. A coorte
do estudo compreendeu adultos de 30 a 85 anos, com sobrepeso ou obesos (que já
compunham grupo de risco para COVID-19 grave), inscritos no estudo dentro de
três dias após o diagnóstico confirmado de COVID-19.
Os
pesquisadores administraram o(s) medicamento(s) de teste dentro de sete dias
após o início dos sintomas da doença. Todas as análises do estudo usaram
controles, ajustados para vacinação contra SARS-CoV-2 e outros medicamentos. Cada
paciente teve uma probabilidade igual de atribuição a qualquer um dos seis
grupos de teste, recebendo as drogas nas seguintes combinações:
- Grupo 1, metformina e fluvoxamina;
- Grupo 2, metformina e ivermectina;
- Grupo 3, metformina e placebo;
- Grupo 4, placebo e fluvoxamina;
- Grupo 5, placebo e ivermectina; e
- Grupo 6, placebo e placebo.
O desfecho primário do estudo foi
COVID-19 grave, definido como um complexo de hipoxemia, visita ao departamento
de emergência (ED), hospitalização ou óbito. O acompanhamento para o
desfecho primário terminou em 14 de fevereiro de 2022. Os desfechos secundários
foram gravidade dos sintomas, pontuação cumulativa alterada dos sintomas e
descontinuação do medicamento.
Havia 1.323 pacientes na análise do
estudo primário, com idade média de 46 anos. Destes, 56% eram do sexo
feminino (6% estavam grávidas no momento do diagnóstico) e 52% estavam
vacinados. O odds ratio ajustado (ORs) para metformina, ivermectina e
fluvoxamina para um evento primário foi de 0,84, 1,05 e 0,94, todos com
intervalos de confiança de 95% (ICs), respectivamente. Além disso, os ORs
ajustados para visita ao departamento de emergência, hospitalização ou morte
para análises secundárias foram 0,58 com metformina, 1,39 com ivermectina e
1,17 com fluvoxamina. As OR ajustadas para hospitalização ou óbito foram
0,47 com metformina, 0,73 com ivermectina e 1,11 com fluvoxamina.
Os pesquisadores concluíram, então, que
nenhum dos três medicamentos impediu a progressão para hipoxemia, visita ao
pronto-socorro, hospitalização ou morte em adultos ambulatoriais com COVID-19. Um
ponto fraco do estudo, no entanto, foi o fato de a população avaliada ser de
pacientes com sobrepeso ou obesidade. Embora nos Estados Unidos essa população
seja representativa de boa parte dos habitantes, estudos que abarquem outras
idades e comorbidades ou a ausência destas são importantes.
Por fim, destaca-se que a prescrição de medicamentos que são conhecidos por
serem ineficazes não é uma opção neutra ou inofensiva, como muitos costumam
propagar. Além de negar aos pacientes o tratamento adequado (que, no caso da
COVID-19, já existe), essa prescrição pode levar a efeitos colaterais sem
qualquer benefício terapêutico e à escassez de medicamentos para pacientes que
precisam de medicamentos para outras condições. Assim, nos resta a
dúvida: até quando iremos aceitar que colegas prescrevam medicações comprovadamente
ineficazes?
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Referências:
Carolyn T. Bramante, Jared D.
Huling, Christopher J. Tignanelli, John B. Buse, David M. Liebovitz, Jacinda M.
Nicklas, Kenneth Cohen, Michael A. Puskarich, Hrishikesh K. Belani, Jennifer L.
Proper, Lianne K. Siegel, Nichole R. Klatt. Randomized Trial of Metformin,
Ivermectin, and Fluvoxamine for Covid-19. N Engl J Med. doi:
10.1056/NEJMoa2201662 Disponível em https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2201662?query=featured_home