Sabemos que tratar o hipotireoidismo não é uma ciência exata, e recentemente, a Joint British Thyroid Association/Society trouxe novas sugestões que podem abrir caminhos para quem lida com essa condição. Elas estão apontando para a possibilidade de usar Liotironina (LT3) junto com a já conhecida Levotiroxina (LT4) para ajudar alguns pacientes. Essa nova perspectiva vem à tona mesmo sem termos ainda provas concretas de que essa combinação realmente traga benefícios.
A maioria das pessoas com hipotireoidismo primário costuma ter uma boa resposta à reposição de levothyroxina. Mas tem aquele grupo, que mesmo pequeno, não sente uma melhora significativa e ainda luta com sintomas mesmo após o tratamento com LT4. Para esses, a nova sugestão é experimentar a combinação de Liotironina e Levotiroxina , claro, sempre com um médico especialista acompanhando e orientando as condutas.🚩
O uso combinado de LT3/LT4 já é um tema debatido há mais de 20 anos. Até agora, estudos bem estruturados, incluindo 16 ensaios clínicos e quatro meta-análises, não conseguiram provar que a combinação é melhor do que usar somente LT4, seja para a qualidade de vida ou para funções cognitivas. No entanto, muitos pacientes insistem que se sentem melhor com a terapia combinada, o que deixa a questão ainda em aberto.
A comunidade médica continua dividida, mas a pressão dos pacientes e associações tem aumentado por receitas dessa terapia combinada. O professor na área da Universidade de Amsterdã, ressalta a importância do novo posicionamento da Associação Britânica de Tireoide, que traz um pouco mais de luz a esse debate.
Chama atenção que a busca pela combinação LT3/LT4 vem de um grande número de pacientes que, mesmo após o tratamento com LT4, continuam a sentir sintomas como fadiga, sonolência, problemas de memória, dificuldades cognitivas e ganho de peso. É um desafio enorme, pois 60% das pessoas sentem um ou mais desses sintomas mesmo quando seus níveis de tireoide estão normais.
Dessa forma, a terapia combinada de Liotironina (LT3) e Levotiroxina (LT4) vem ganhando cada vez mais espaço como alternativa promissora para o tratamento do hipotireoidismo, especialmente nos casos mais desafiadores, que não apresentam resposta adequada à terapêutica padrão.
Essa abordagem é um lembrete de como a medicina evolui e de como é fundamental para nós, enquanto médicos, manter-nos atualizados e receptivos às novas atualizações e estudos. Afinal, cada novo insight pode nos oferecer ferramentas adicionais para auxiliar nossos pacientes, melhorando sua qualidade de vida e bem-estar.
Contudo, é crucial lembrar que a introdução de novas estratégias terapêuticas, como a combinação LT3/LT4, deve ser realizada com cautela e rigor científico. Essas terapias devem ser conduzidas sob a supervisão de médicos especialistas, para assegurar a segurança do paciente e a efetividade do tratamento. A identificação dos pacientes que podem se beneficiar dessa abordagem requer uma avaliação cuidadosa e personalizada, destacando a importância da prática médica baseada em evidências e do cuidado individualizado.
As diretrizes para a prescrição de Liotironina (T3), conforme descritas no artigo 'Use of Liothyronine (T3) in Hypothyroidism: Joint British Thyroid Association/Society for Endocrinology Consensus Statement', originalmente publicado no periódico 'Clinical Endocrinology', são elencadas a seguir:
▶RECOMENDAÇÕES: A plicáveis à prescrição de liotironina (T3) em combinação com a levotiroxina ou isoladamente, para a terapia de reposição hormonal da tireoide não relacionada ao câncer no hipotireoidismo primário :
1. A maioria dos pacientes com hipotireoidismo deve ser tratada apenas com levotiroxina.
2. Recomendamos o monitoramento da terapia de reposição com levotiroxina em indivíduos com hipotireoidismo primário com medições de TSH sérico, com medições adicionais de T4 livre se o TSH estiver fora do intervalo de referência.
3. Antes de considerar um teste com liotironina, recomendamos confirmar que um diagnóstico de hipotireoidismo primário é fundamentado (TSH documentado ≥10 mU/L; e/ou baixo FT4 pré-tratamento com hormônios de reposição da tireoide). Se não for possível confirmar um diagnóstico de hipotireoidismo explícito, considere um teste sem levotiroxina com uma repetição de TSH sérico após 6 semanas.
4. Antes de considerar um teste com liotironina, recomendamos que comorbidades sejam excluídas como a causa dos sintomas persistentes.
5a. Antes de considerar um teste com liotironina, recomendamos ajustar a dose de levotiroxina para manter o TSH sérico na extremidade inferior do intervalo de referência (por exemplo, 0,3-2,0 mU/L) por 6 meses.
5b. Ao considerar o ajuste de levotiroxina, pode ser preferível ter um TSH sérico baixo, mas não suprimido (por exemplo, 0,1-0,3 mU/L) durante a monoterapia com levotiroxina, se isso melhorar os sintomas, em vez de iniciar liotironina.
6. Enquanto se reconhece a falta de benefício em numerosos ensaios clínicos e o efeito placebo do tratamento com hormônio da tireóide, os autores observam que alguns pacientes hipotireóideos experimentam benefício durante um teste de tratamento com liotironina.
7. Antes de iniciar a terapia de combinação liotironina/levotiroxina, recomendamos que os níveis de TSH sejam detectáveis e dentro do intervalo de referência. A redução da dose de levotiroxina deve ser considerada antes de iniciar a liotironina em indivíduos com níveis indetectáveis de TSH.
8. Para iniciar o tratamento de combinação, recomendamos a substituição de liotironina por cerca de 1/17 da dose atual de levotiroxina; e reduzir a dose de levotiroxina por 3x a dose de liotironina.
9. Deve-se considerar um mínimo de 3 a 6 meses de terapia combinada de liotironina/levotiroxina, mantendo o nível de TSH dentro do intervalo de referência, antes de determinar a resposta a um teste.
10. Para avaliar a adequação da reposição, recomenda-se monitorar apenas com TSH sérico. Em pacientes com TSH sérico baixo ou suprimido, deve-se medir o T3 livre ou T4 livre para evitar super reposição. A interpretação dos níveis séricos medidos de T3 livre deve ser feita no contexto da dosagem, tempo e frequência da terapia com liotironina, e deve ser declarado no pedido de laboratório que o paciente está tomando liotironina.
11. Sempre que possível, recomendamos o uso de um questionário de Qualidade de Vida antes e depois de qualquer teste de liotironina, para avaliar a resposta e confirmar o benefício sustentado com a terapia combinada (de preferência ThyPRO39; Watt et al.73).
12. Recomendamos que cada paciente considerado para um teste de liotironina seja avaliado por um endocrinologista para iniciação e confirmação de resposta sustentada ao tratamento. No entanto, reconhecemos que as políticas locais sobre critérios de encaminhamento para avaliação e monitoramento de longo prazo para terapia com liotironina podem variar.
13. Pacientes que se sentem bem na combinação de liotironina/levotiroxina com um TSH sérico dentro do intervalo de referência não devem ter a liotironina rotineiramente retirada. Após uma discussão com um endocrinologista, algumas pessoas estáveis na terapia combinada de liotironina/levotiroxina podem ter um teste de monoterapia com levotiroxina para ver se a liotironina ainda está beneficiando-as.
14. A Liotironina não deve ser usada como monoterapia, exceto na situação de alergia ou intolerância confirmada à levotiroxina ou seus excipientes.
15. A Liotironina não deve ser usada na gravidez.
16. Não recomendamos o uso de extrato de tireoide dessecado.
▶ Considere um teste de combinação liotironina/levotiroxina nas seguintes circunstâncias:
Existe um diagnóstico comprovado de hipotireoidismo primário explícito. Os sintomas de hipotireoidismo persistem somente com levotiroxina. Levotiroxina foi administrada adequadamente em termos de duração, dose e resposta de TSH. Comorbidades alternativas para explicar sintomas persistentes foram excluídas. Um endocrinologista está disposto a iniciar e supervisionar o teste. Se um teste de 3 a 6 meses de combinação de liotironina/levotiroxina não melhorar os sintomas, recomenda-se que o paciente retorne à monoterapia com levotiroxina.
As recomendações destacam a importância do conhecimento contínuo e do compromisso com a inovação na medicina. Nosso campo está sempre mudando e evoluindo, e é nossa responsabilidade manter o ritmo, sempre buscando o que há de mais novo e eficaz para nossos pacientes.
*Para acesso ao artigo na íntegra, que inclui as recomendações acima, clique aqui
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Referência:
- T3 in Hypothyroidism Gets Extra Recommendation, With Caveats - Medscape - Jul 20, 2023.
- Ahluwalia, R., Baldeweg, S. E., Boelaert, K., Chatterjee, K., Dayan, C., Okosieme, O., ... & Pearce, S. H. (2023). Use of liothyronine (T3) in hypothyroidism: Joint British Thyroid Association/Society for endocrinology consensus statement. Clinical Endocrinology.