“Morrer é a única certeza da vida, mas evitamos falar sobre isso, como se falar sobre a morte atraísse coisa ruim, ou até mesmo a própria morte. Pois eu digo que eu não costumava falar dela não, e, mesmo assim, ela me pegou desprevenida. ”
Na madrugada do dia 14 de novembro de 2015, a psicóloga
Luciana Rocha foi acordada por sua irmã e uma amiga, que lhe vieram contar que
seu marido, quem estava havia pouco tempo dormindo a seu lado, havia cometido
suicídio, pulando da janela da sala do apartamento onde a família morava. Ele
deixou uma longa carta, com instruções minuciosas sobre o que a família deveria
fazer após sua partida. Escreveu também o quanto os amava e que estava cada dia
mais insuportável viver com a dor que estava sentindo.
No livro “Nem covarde, nem herói”, Luciana descreve como ela
e o marido, Marden – a quem ela carinhosamente se refere como Salabim - se
conheceram, se apaixonaram e se casaram. Conta como ele sempre foi atencioso,
gentil, divertido, rodeado de amigos. Adorava festas, cantar e dançar. Os
filhos de Marden e Luciana, na época com 10 e 5 anos, amavam o pai. Ambos trabalhavam e viviam uma vida normal.
Ela também descreve, com detalhes vívidos e de forma extremamente
pessoal, todos os sentimentos pelos quais passou com o suicídio de seu
companheiro de vida. Desde o dia de sua morte, os primeiros meses de luto, o
difícil primeiro ano, as datas comemorativas que não foram comemoradas, até o
momento em que decidiu ressignificar esta vivência.
Sim, ressignificar. Embora seja psicóloga, ela percebeu que
tinha pouquíssimo conhecimento sobre morte, luto, suicídio, o sofrimento de
quem fica. Embora exista cada vez mais (ainda bem!) a divulgação de campanhas
de prevenção ao suicídio – como o Setembro Amarelo – a autora ressalta que
ainda há muito trabalho a ser feito. Segundo ela, o suicídio é prevenível, mas
não previsível. E, embora se fale de prevenção do suicídio, pouco se fala sobre
a pósvenção, que nada mais é do que o suporte ao luto e a prevenção do suicídio
aos enlutados e suas futuras gerações.
As estatísticas mostram que aproximadamente 1 milhão de
pessoas tiram a própria vida em todo o mundo. Para cada morte por suicídio,
cerca de 140 pessoas são impactadas – 140 milhões de sobreviventes.
Os sobreviventes, por sua vez, sofrem impactos físicos,
sociais, cognitivos e psicológicos, e muitas vezes se torturam com o “por que”
e o “e se”: E se eu tivesse percebido… E se eu tivesse feito isso… E se eu não
tivesse feito aquilo…No entanto, Luciana trabalha para conscientizar as pessoas
de que o suicídio tem como causas fatores biológicos, sociais, psíquicos,
econômicos e culturais. Luta para desconstruir os mitos que rondam as
tentativas de suicídio. Se envolve em palestras, congressos, encontros sobre
luto. Se dedica a estudar tanatologia e suicidologia e ajudar seus pacientes,
e, com seu livro, busca aumentar ainda mais seu alcance e evitar, assim, que
mais pessoas percam alguém querido por suicídio.
“As pessoas não costumam se expor muito quando perdem alguém por suicídio. Muito pelo contrário – escondem-se por trás de sua dor, da sua culpa e do medo do julgamento que os outros possam fazer das suas famílias e da pessoa que se matou. Mas o que precisa ficar claro é que o suicida não é covarde, nem herói. Precisamos sair desse lugar. As pessoas têm uma visão muito rasa, estreita, errada e preconceituosa sobre esse tipo de morte. ‘Como pode alguém tirar a própria vida enquanto há tantas pessoas lutando para viver?’ escuto até hoje.
A questão é que essa pessoa está doente. Há uma alteração
cognitiva no cérebro dela. Ela não está agindo em sã consciência. A doença
mental, se não tratada, pode ter esse triste fim, da mesma forma que outras
doenças também podem resultar na morte.”.
Luciana ressalta o amor e carinho que recebeu de amigos e
familiares, e os agradece por diversas vezes ao longo do livro. Mas também cita
a presença de “curiosos” e fofoqueiros: “As pessoas sabem tão pouco sobre
suicídio que não falam por mal. Falam por não saberem o que fazer, falam por se
sentirem ameaçadas e fragilizadas. Procuram respostas simplistas para terem a
falsa e desejável sensação de segurança, de que ‘isso nunca vai acontecer
comigo ou com a minha família’. Buscam um culpado, um motivo, uma negligência
por parte de quem estava mais por perto como uma forma de se protegerem do
mal-estar que a situação inspira.”. Não bastasse o buraco deixado pela falta,
um fantasma assombra os sobreviventes, que são alvos de preconceito e estigma.
Por fim, um recado que fica nítido em toda a narrativa de
Luciana é a que todos devem viver e aproveitar a vida, inclusive os
sobreviventes e enlutados: “Parar a vida, deixar de fazer o que você gosta e te
move, em nada irá ajudar. Além de que não vai mudar o fato, de que a pessoa que
você ama não está mais aqui. Fisicamente, ao menos, pois ela continua em você.
Estará e viverá para sempre em você. Em cada show, festa, comemoração ou dificuldade,
em tudo, você levará um pouco dela consigo. Não se permita morrer em vida. Há
muita vida além da perda.”.
Caso precise falar com alguém, ligue para 188 e fale com o Serviço de Valorização da Vida
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Referências:
CARVALHO ROCHA, LUCIANA.
Nem covarde, nem herói – Amor e recomeço diante de uma perdapelo suicídio. 120 pp. Ed Gulliver, Divinópolis, MG. 2022.