Entre os livros de leitura obrigatória para o vestibular da FUVEST 2021, com certeza a máxima é o livro de Bernardo Carvalho, “Nove Noites”. O livro é uma excelente fonte literária para elucidar assuntos como saúde mental e saúde mental indígena.
Fonte: JORNAL DA USP, 2020.
A narrativa conta a história do antropólogo americano, Buell Quain, que se retalhou e suicidou aos 27 anos em 1939, em Tocantins, ao retornar da aldeia dos índios Krahô. Mas a doença e debilitação mental progressiva de Buell Quain, aqui ficará em segundo plano. O destaque maior vai para o estresse pós-traumático e a solastalgia atual sofrida pelos indígenas no Brasil. A solastalgia é uma palavra cunhada pelo filósofo australiano Glen Albretch, “solas”, significa terra, e “algias” é dor. Dessa forma, solastalgia pode ser utilizada para definir o conjunto de transtornos psicológicos como angústia emocional e existencial causada pelas alterações ambientais, uma espécie de estresse pré-traumático.
A solastalgia é super evidenciada no livro. Qualquer pessoa com o mínimo de empatia ao ler, consegue sentir a angustia dos indígenas descrita pelo narrador no momento em que na aldeia todos se reúnem no centro e ficam observando o escuro esperando um ataque que não iria acontecer. Era o medo que impregnava o ar. O medo de ser atacado por tribos inimigas ou até mesmo pelo homem branco que tem avançado sobre suas terras. Era a ciência que o cerco estava fechando e de saber que o fim um dia viria que causava a solastalgia deles.
Ademais, os mais novos começam a sofrer cada vez mais cedo de solastalgia por ouvirem as histórias de um mundo bom que não existe mais, (contadas dos pelos mais velhos), e saber que cada vez mais os tempos estão mudando. Segundo o Centro de Valorização da Vida, a taxa de suicídio indígena é três vezes maior que a média nacional, sendo 44,8% de crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos.
O autor coloca um trecho interessantíssimo da entrevista do antropólogo Lévi-Strauss que corrobora com o sofrimento da mudança do meio:
“Quanto mais as culturas se comunicam, mais elas tendem a se uniformizar, menos elas têm a comunicar. O problema para a humanidade é que haja comunicação suficiente entre as culturas, mas não excessiva. Quando eu estava no Brasil, há mais de cinquenta anos, fiquei profundamente emocionado, é claro, com o destino daquelas pequenas culturas ameaçadas de extinção. Cinquenta anos depois, faço uma constatação que me surpreende: também a minha própria cultura está ameaçada”.
Assim, o indígena fica cada vez mais angustiado e sem suporte do Estado. Nesse contexto, a professora Érika Pioltine, em sua analise do livro para o canal do You Tube "Fala pra Camões", conta que visitou a região e que ir dar aula nas escolas indígenas é muitas vezes vista como "castigo". Não é preciso pensar ou destrinchar muito para concluir que sem informação essa população fica em vulnerabilidade em questão de saúde. Posteriormente, com a educação deficitária o jovem indígena enfrenta preconceito e dificuldades o ensino superior, como por exemplo o caso da Dra. Miriam de Moraes Veiga, que ouviu da professora da universidade que ela, a mãe e a irmã deveriam voltar para a aldeia e desistir do curso de medicina por não conseguir acompanhar a turma. A mãe e a irmã desistiram, mas felizmente Miriam terminou o curso e atende aldeias.
Desta forma, como supracitado, um dos motivos que se especula pela alta taxa de suicídio indígena é devido as péssimas condições que eles vêm enfrentando como estar em pequenos territórios, no confinamento não tem a possibilidade de desenvolvimento da agricultura, lazer, e são por muitas vezes abandonados pelo Estado em níveis federais, estaduais e municipais. As crianças e os jovens buscam o “pertencimento” a algo – não pertencem ao mundo branco regido pela ordem capitalista, mesmo que por vezes almejem o que o branco faz ou o que o branco tem. Em relação os adultos muitos acabam tendo vícios em álcool e outras substâncias, cria-se conflitos familiares e o suicídio acaba sendo visto como uma última saída em um cenário de desesperança.
Em relação ao suicídio ,termino esse artigo com a própria conclusão do CVV,
"infelizmente, não existe uma receita pronta para o combate do suicídio, mas existe, sim, formas de tentar minimizar o sofrimento existencial de outro indivíduo. No caso dos povos indígenas, seria importante uma tomada de consciência geral, não só no combate do preconceito em relações às suas origens e tradições, mas na criação de ações governamentais mais efetivas que garantam o pleno direito humano dos indígenas de existirem, resistirem e pertencerem!"
*Precisando conversar ligue 188, gratuitamente 24 horas todos os dias ou acesse www.cvv.org.br
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Referências :
Jornal da USP, https://jornal.usp.br/cultura/nove-noites-desconstroi-as-estrategias-da-narrativa-realista/ , acesso 16/09/2021.
Estadão, https://viagem.estadao.com.br/blogs/viagens-plasticas/solastalgia-sera-que-voce-sofre-desse-mal/, acesso 16/09/2021.
Nove noites, Bernardo Carvalho, Companhia de Bolso,1ªedição,2006, página 46.
Fala pra Camões, Nove Noites Bernardo Carvalho,You Tube, acesso 17/09/2021.
Indígena driblou preconceito, virou médica e hoje atende nove aldeias em SP..., https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/10/15/indigena-driblou-preconceito-virou-medica-e-hoje-atende-nove-aldeias-em-sp.htm?cmpid=copiaecola , acesso em 21/09/2021
O suicídio do povo indígena,CVV.
https://www.cvv.org.br/blog/o-suicidio-do-povo-indigena/ , acesso em 21/09/2021.