O estudo de coorte publicado pela revista Science teve como objetivo investigar associações entre transcriptômica de todo o genoma e o desenvolvimento de lombalgia crônica persistente em pacientes que desenvolvem sintomas de dor crônica persistente 3 meses após um episódio de lombalgia aguda.
A análise do transcriptoma engloba o estudo do conjunto completo de todas as moléculas de RNA expressa da célula. E a partir dessa análise, os resultados obtidos pelos autores sugerem que os processos imunológicos ativos conferem adaptação no estágio da dor aguda, e o comprometimento dessas respostas inflamatórias em indivíduos com lombalgia aguda aumenta o risco de desenvolver dor crônica.
Essas respostas inflamatórias adaptativas são intrinsecamente conduzidas pela transcrição, provavelmente modificadas por fatores genéticos e ambientais, e podem ser inibidas por esteroides e AINEs. Essas respostas são transitórias, o que provavelmente é a principal razão pela qual foram ignoradas anteriormente. Os dados sugerem que os efeitos a longo prazo dos anti-inflamatórios devem ser mais investigados no tratamento da lombalgia aguda e provavelmente em outras condições de dor.
Os pesquisadores replicaram seu achado em uma coorte independente de pacientes com outra condição de dor musculoesquelética, disfunção temporomandibular (DTM). Em seguida, usaram modelos de dor de roedores para elucidar o mecanismo que medeia a transição da dor aguda para a crônica. E, por último, analisaram uma grande coorte humana (UK Biobank) para investigar a relação entre dor nas costas e o uso de anti-inflamatórios.
Segundo o artigo, há evidências crescentes que sugerem que a fisiopatologia da dor crônica envolve uma interação complexa entre os sistemas nervoso e imunológico; ou seja, a dor crônica é um distúrbio neuroinflamatório mediado por células neuronais e não neuronais. Células imunes circulantes, como neutrófilos, monócitos e células T, são recrutadas para locais de dano tecidual e/ou inflamação e, muitas vezes, também infiltram os sistemas nervosos periférico e central. A ativação dessas células resulta na expressão de vários mediadores inflamatórios, incluindo citocinas/quimocinas, lipídios e proteases, que atuam tanto diretamente nos neurônios sensoriais periféricos ou centrais de segunda ordem quanto indiretamente em outras células imunes, ou locais para regular a dor. A micróglia e os astrócitos no sistema nervoso central atuam de forma semelhante, contribuindo para a sensibilização central e a dor . Acredita-se que a presença dessas células imunes e glia ativadas, periférica ou centralmente, contribua para a transição da dor aguda para a crônica.
Os resultados iniciais encontrados indicaram que pacientes que tiveram sua dor resolvida tinham milhares de genes diferentes sendo expressados ao longo do tempo, sendo que entre os tiveram dor persistente, não foram encontradas essas diferenças, sugerindo que processos biológicos ativos protegem da transição para dor crônica após um episódio de dor aguda e que a intensidade de resposta do grupo de dor resolvida era substancialmente maior do que a do grupo de dor persistente. Corroborando com esses achados, os cientistas encontraram elevação dependente da ativação de neutrófilos da resposta inflamatória no estágio agudo da dor em indivíduos com dor resolvida, que foi diminuída no momento da segunda visita. Por outro lado, os indivíduos com dor persistente não apresentaram alterações em sua resposta inflamatória.
Ao usar três ensaios diferentes de dor prolongada, mas resolutiva no camundongo os pesquisadorem confirmaram que o tratamento agudo da inflamação com o esteróide, dexametasona ou o AINE, diclofenaco - embora ambos reduzam efetivamente o comportamento da dor durante sua administração - e prolongou muito a resolução da doença neuropática, estados de dor miofascial e especialmente inflamatórios
O estudo analisou três analgésicos sem propriedades anti-inflamatórias (gabapentina, morfina e lidocaína) produziram efeitos analgésicos de curto prazo sem afetar a duração total do episódio doloroso (alodínico). Os autores mostraram ainda a dependência de neutrófilos desses efeitos, com prolongamento da dor semelhante ao esteróide sendo produzido pela depleção de neutrófilos e um bloqueio completo da alodinia produzido pela injeção periférica dos próprios neutrófilos. Em indivíduos humanos que relataram dor nas costas aguda, os cientistas descobriram que os AINEs, aumentaram o risco dos pacientes continuarem relatando dor nas costas de 2 a 6 anos depois. Os antidepressivos não foram associados à transição da dor aguda para a crônica, apesar do fato de que os pacientes que tomam antidepressivos geralmente apresentam maior dor e maior sofrimento psicológico, dois principais fatores de risco para o desenvolvimento de dor crônica, em comparação com pacientes que fazem uso de AINEs. Além disso, mesmo depois que essas duas variáveis foram incluídas como covariáveis em todos os modelos de regressão logística considerados, os achados de que o uso de AINEs aumenta o risco de desenvolvimento subsequente de dor lombar crônica não mudou. Por fim, porcentagens mais altas de neutrófilos no estado de dor aguda protegeram contra o desenvolvimento de dor crônica segundo os resultados de bioinformática e do estudo de modelo animal.
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Referência
PARISIEN, Marc; LIMA, Lucas V.; DAGOSTINO, Concetta; EL-HACHEM, Nehme; DRURY, Gillian L.; GRANT, Audrey V.; HUISING, Jonathan; VERMA, Vivek; MELOTO, Carolina B.; SILVA, Jaqueline R.. Acute inflammatory response via neutrophil activation protects against the development of chronic pain. Science Translational Medicine, [S.L.], v. 14, n. 644, p. 1-1, 11 maio 2022. American Association for the Advancement of Science (AAAS). http://dx.doi.org/10.1126/scitranslmed.abj9954.