Por Yan Kubiak Canquerino - Colaborador da Academia Médica
As doenças inflamatórias intestinais, sendo elas a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa são caracterizadas por uma inflamação crônica localizada no TGI, tendo cada uma suas peculiaridades. O tratamento, portanto, costuma ser para toda a vida, levando a uma significativa morbidade.
Nesse artigo serão falados sobre as opções terapêuticas, porém é importante salientar que podem existir pessoas que ainda assim não respondam a elas. Os avanços obtidos nos últimos tempos, principalmente em relação à medicina personalizada e a anticorpos altamente específicos, são a esperança na vida das pessoas acometidas por essas doenças, auxiliando e conferindo uma qualidade de vida muito melhor comparado há alguns tempos atrás
Se você tem acompanhado as últimas publicações aqui na Academia Médica sobre o Maio roxo vai perceber que esse artigo trata-se de uma continuação dos outros textos nos quais foram abordados outros aspectos sobre as doenças inflamatórias intestinais, portanto se está chegando aqui agora, nesse texto iremos falar especificamente sobre as opções de tratamento para essas doenças, mas caso queira ter uma visão mais macro sobre as DIIs, acesse também os outros textos da série disponíveis nos links abaixo.
Maio Roxo: Doenças Inflamatórias Intestinais. Você sabe identificar?
Maio Roxo- Doenças inflamatórias intestinais - como diagnosticar adequadamente?
Maio Roxo - Sintomas e Diagnóstico de Retocolite Ulcerativa e Doença de Crohn
O objetivo desse conjunto de artigos é celebrar e chamar a atenção para essas doenças que acometem as pessoas e que são extremamentes assustadoras e limitantes, cabendo a você, profissional da saúde auxiliar da melhor forma possível. Vamos lá então.
Objetivo do tratamento
Ainda hoje é difícil falar em “cura” para as doenças inflamatórias intestinais, no entanto a palavra remissão já existe e é uma felicidade em ser falada pelos(as) pacientes portadores das Doenças inflamatórias intestinais (DII). Não há um consenso na literatura acerca do que seria a remissão, mas envolve o desaparecimento de sinais clínicos, bioquímicos e a cura do tecido da mucosa intestinal. Esse é o cenário ideal desejado ao tratar um(a) paciente com alguma DII.
Opções terapêuticas disponíveis
O tratamento historicamente consagrado para a retocolite ulcerativa sempre foi os aminossalicilatos, com um eventual uso de esteroides para casos mais severos, caso ainda não houvesse resolução ainda há a opção de usar imunomoduladores como inibidores do fator de necrose tumoral alfa. Mas para demonstrar a peculiaridade que essas doenças possuem, a doença de Crohn não responde bem aos aminossalicilatos, respondendo bem à budesonida ou prednisolona em casos mais graves, e se ainda não houver remissão, assim como na retocolite, é possível utilizar antiTNFⲀ em combinação ou não com os outros tratamentos.
É ótimo que existam várias terapias à disposição, no entanto, mesmo com tantas opções, aproximadamente 30% dos(as) pacientes são irresponsivos para antiTNFⲀ e mesmo entre os(as) respondentes, 10% irá perder a resposta a droga ano após ano.
Agora vamos falar mais especificamente de cada uma das opções com um olhar mais apurado.
Os novos antiTNF
Vamos começar falando dos antiTNF, o TNF-Ⲁ é uma molécula presente na fisiopatologia da doença, explicada mais detalhadamente nesse artigo, sendo ela uma molécula pró-inflamatória, se conseguíssemos bloquear sua ação de alguma maneira, assim impedindo com que ocorresse um aumento da inflamação no intestino da pessoa.
Um novo antiTNF que tem mostrado resultados promissores é o AVX-470, trata-se de uma imunoglobulina policlonal purificada do colostro de vacas imunizadas com TNF recombinante humano. Esse anticorpo é capaz de ter um efeito terapêutico com uma dose muito menor que os outros antiTNF usados atualmente além de possuir um peso molecular maior, permitindo com que o efeito local seja maior que o efeito sistêmico (indesejado), por ocasionar imunossupressão. Além de poder ser utilizado por via oral, ao contrário do uso via intravenosa ou subcutânea utilizada atualmente.
Outros exemplos dessa classe de fármacos são: Infliximab e Adalimumab.
Biológicos antiadesão
O primeiro medicamento antiadesão utilizado foi o natalizumab, o qual causa uma inibição não seletiva tanto na integrinas ⲁ4β7 quanto na ⲁ4β1, e devido a isso era utilizado como tratamento de segunda linha, principalmente nos EUA. Apesar de parecer um bom medicamento, ele infelizmente possui um risco elevado de desenvolver leucoencefalopatia progressiva multifocal, uma desordem neurológica muito séria, decorrente da ativação do vírus JC.
Visto esse cenário, passou-se então a buscar fatores antiadesão específicos para o intestino, ou seja, seletivos para integrina ⲁ4β7, específica dos linfócitos do intestino. E a boa notícia é que já existem drogas assim, são elas:
Vedolizumab - droga específica para a integrina ⲁ4β7, impedindo que os leucócitos passem para o intestino, uma vez que a droga bloqueia as integrinas que estão na parede dos vasos do intestino.
Etrolizumab: essa droga bloqueia a subunidade β7 da integrina ⲁ4β7 e também das integrinas heterodímeras ⲁεβ7, impedindo com que ocorra a adesão intraepitelial de células T. O ponto positivo disso é que apenas 1 a 2% dos linfócitos circulantes possuem essa última subunidade da integrina, tendo pouco efeito sistêmico.
Em relação à segurança desses fármacos, Luthra et.al realizaram uma revisão sistemática com meta-análise e chegaram a conclusão que não houve diferença significativa entre o aparecimento de infecções oportunistas e/ou malignidades em pacientes tratados com os anticorpos citados acima comparado a pessoas que tomaram placebo.
Esses foram alguns exemplos, mas existem outros fármacos com o mesmo mecanismo de ação ou similar, como: Abrilumab e PF-00547659.
Inibidores da IL12-IL-23
Essas interleucinas estão intimamente relacionadas à fisiopatologia da doença uma vez que elas podem induzir a ativação de linfócitos T (Th1), natural killer 's, ativação de macrófagos. Já a IL-23 é importantíssima para a diferenciação do linfócito em linfócito Th17, o qual produz diversas citocinas pró-inflamatórias. Ou seja, com a inibição da atividade dessas interleucinas é possível diminuir bastante a situação inflamatória intestinal, uma vez que essas interleucinas já são bem estabelecidas no que diz respeito a fisiopatologia das DII, principalmente a doença de Crohn.
Exemplo de fármacos dessa classe: Ustekimab e Risankizumab
Drogas de pequenas moléculas (tradução livre para small-molecule drugs)
Em sua maioria são compostos orgânicos formados por oxigênio, carbono e nitrogênio. A vantagem dessa classe de medicamentos reside justamente na capacidade da administração por via oral, liberando uma barreira para o(a) paciente de ir até um hospital, ou se autoadministrar ou então fazer canulações repetidas vezes para a administração de fármacos intravenosos.
Esses fármacos também tendem a ter uma meia vida bem curta, sendo vantajoso o seu uso em alguns casos, além de não ser imunogênico, comparado a maioria dos biológicos. No entanto, como nem tudo são flores, esses fármacos necessitam de uma boa administração dos horários para a ingestão e que seja de forma contínua, necessitando que lembre-se de ser ingerido de 1 a 2 vezes ao dia.
Dentre os exemplos desses fármacos estão: inibidores da JAK, moduladores do receptor esfingosina 1-fosfato, inibidores da fosfodiesterase 4.
Transplante de células tronco
Cada vez mais têm existido evidências que direcionam o uso de células tronco para tratar DII para um desfecho positivo. Trata-se de uma alternativa para a imunomodulação nas DII. Apesar disso, os resultados divulgados em testes clínicos ainda são inconsistentes.
As células tronco que podem ser utilizadas provém de duas fontes e são de duas naturezas diferentes:
As células tronco hematopoiéticas são células multipotentes isoladas de medula óssea, cordão umbilical e sangue periférico, tendo o poder de se diferenciar em células sanguíneas e/ou células do sistema imunológico. Podendo restabelecer o equilíbrio no intestino danificado.
As células tronco mesenquimais, as quais são também células multipotentes encontradas na medula óssea, cordão umbilical e tecido adiposo. As células mesenquimais possuem a capacidade imunomodulatória, sendo capaz de diminuir a responsividade inflamatória a partir da inibição da proliferação e função de Th1 e Th17, figuras importantes na fisiopatologia, isso ocorre a partir da formação de linfócitos T regulatórios.
Os estudos mais recentes nessa área têm utilizado transplante autólogo de células hematopoiéticas, os resultados dos testes clínicos podem ser analisados com mais cautela aqui.
Transplante de microbiota por fezes
Chegamos a um tratamento, digamos, um pouco diferente, não é?
Mas lembremos-nos que é em prol de um bem maior, e no dia que juramos(juraremos) o que Hipócrates escreveu (na verdade nem foi ele, entenda), dissemos que faríamos tudo para auxiliar da melhor forma a pessoa necessitada.
O transplante de fezes já foi bem sucedido em casos para tratar C. difficile e desde então também se tornou um potencial tratamento para DII. Mas o que justifica isso?
Sabe-se que a microbiota de pacientes com DII possui uma população composta por microorganismos mais patogênicos, diferentemente da microbiota de pessoas saudáveis além do que as pessoas com DII possuem uma diminuição de carga de bactérias na região com inflamação ativa.
Em relação à resposta a essa terapêutica, os pacientes com doença de Crohn tendem a responder melhor em relação à remissão do que os pacientes com retocolite (61% vs 22%). O estudo em questão também mostrou que houve uma correlação positiva em relação a de quem veio a doação, indiciando que possam existir cepas específicas que tendem a melhorar a homeostase intestinal.
Efeitos adversos encontrados com essa terapêutica incluíram febre transitória, e vômito pós infusão duodenal. Uma vez que a técnica é realizada com a entrega do material por um tubo nasoduodenal.
Outro ponto importante a ser levantado no que diz respeito a essa terapêutica diz relação aos custos envolvidos com as endoscopias, além da necessidade de um esforço grande por parte do(a) paciente que terá que ser submetido(a) a um tratamento contínuo.
Chegamos ao final desta jornada, meu respeito a você que chegou até aqui, se anotou tudo, melhor ainda, lembre-se que pode consultar esse material de qualidade sempre que precisar, não tem tudo, mas é um bom começo para entender algumas coisas e se inteirar mais sobre o assunto.
Até hoje, você pôde perceber que existem vários tratamentos diferentes à disposição, no entanto mesmo assim nem todos estão bem estabelecidos, ou não apresentam uma segurança boa, além do que nem todos funcionam para todos(as) os pacientes, portanto, tanto eu quanto você sabemos que uma das únicas certezas que temos na ciência é de que não podemos bater o martelo sem voltar revisitar nossas opiniões e decisões em algum momento, ou seja, esperamos que isso se torne um cenário que saia do mundo das ideias e venha para o mundo real.
Caso tenha interesse e esteja gostando dessa série que faz parte do maio roxo, podemos falar um pouco sobre as expectativas futuras para essas doenças
Deixo ainda algumas sugestões de leitura sobre assuntos relacionados!
Maio Roxo: Doenças Inflamatórias Intestinais. Você sabe identificar?
A revolução intestinal: microbiota, tecnologia e perspectivas do futuro
Referências:
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