O suicídio entre médicos é um problema alarmante, que merece uma análise cuidadosa e atenta do sistema de saúde e das instituições de ensino médico. Como destacado em doisestudos publicados em The Lancet (2021) e National Library of Medicine (2020), as taxas de suicídio entre médicos são desproporcionalmente maiores do que as da população geral, sendo ainda mais pronunciadas entre as médicas e algumas especialidades específicas, como anestesistas, psiquiatras, clínicos gerais e cirurgiões gerais.
Existem vários fatores que contribuem para esta realidade preocupante. Dentre eles, o acesso a meios letais, a pressão constante, a carga horária extensa, o desequilíbrio entre vida pessoal e profissional e a relutância em buscar ajuda por medo das repercussões na carreira e no registro médico.
Questões estruturais no ambiente de trabalho, como excesso de burocracia, interações apressadas com pacientes e falta de tempo para autocuidado, também contribuem para este quadro. Ademais, a exposição contínua a mortes, traumas e o sofrimento humano inerente à profissão são fatores que exigem uma atenção especial.
É imprescindível ressaltar a importância da detecção e intervenção precoces. Infelizmente, muitos médicos são diagnosticados tarde demais devido ao estigma e à discriminação existentes dentro da profissão. Para combater isso, é crucial criar um ambiente onde a busca de ajuda seja normalizada e incentivada, e onde haja serviços de apoio de qualidade prontamente disponível.
O sistema de saúde e as escolas médicas têm um papel crucial a desempenhar na prevenção do suicídio entre médicos. As intervenções devem ser feitas em múltiplos níveis - desde a formação médica, com o desenvolvimento de habilidades de autoconsciência e de enfrentamento, até a reformulação dos processos de trabalho e a redução da carga horária.
As associações médicas e os órgãos reguladores também têm um papel importante. Eles podem influenciar as condições de trabalho e promover intervenções individuais e organizacionais. As políticas regulatórias devem considerar a importância da intervenção precoce e evitar a penalização dos médicos que buscam ajuda para problemas de saúde mental.
A resiliência individual deve ser incentivada, mas é fundamental entender que a solução não está apenas em fortalecer o indivíduo, mas em melhorar o sistema na totalidade. Mudanças significativas nas atitudes profissionais e nas políticas institucionais são necessárias para apoiar os médicos que possam estar precisando de ajuda.
O modelo para essa abordagem pode ser observado na figura abaixo, da publicação Mental illness and suicide among physicians (2021), que destaca os três níveis-chave em que as intervenções voltadas para a saúde mental dos médicos precisam operar: o médico individual, o sistema de saúde, as faculdades profissionais e os reguladores externos. Apesar das intervenções voltadas para os médicos serem individualmente discutidas neste texto, esse enfoque não deve ser considerado o mais importante. Pelo contrário, há evidências claras de que os médicos, enquanto grupo, não possuem déficit de resiliência e que uma maior concentração em medidas organizacionais é urgentemente necessária.
Portanto, concluímos que, para tratar efetivamente o grave problema do suicídio entre os médicos, é crucial uma abordagem multifacetada que englobe mudanças individuais e sistêmicas, incluindo apoio adequado no ambiente de trabalho, acesso a intervenções precoces e a reformulação das expectativas da sociedade sobre a profissão médica. Assim, conseguiremos avançar na preservação da vida daqueles que dedicam suas vidas a salvar outras.
Dito isso, gostaríamos de reforçar que a Academia Médica, enquanto comunidade, se orgulha em dedicar seu trabalho aos médicos. Estamos juntos nessa jornada de autorrealização, onde nossa missão é entregar conteúdo relevante e oferecer apoio na promoção da qualidade de vida pessoal, científica e profissional de nossos estimados colegas de profissão.
Compreendemos as rotinas, dificuldades e desafios inerentes à vida médica e, portanto, nos posicionamos como parceiros nessa causa, engajados em promover ambientes mais saudáveis e equilibrados, onde o bem-estar do médico é tão valorizado quanto a saúde dos pacientes que ele atende.
Estamos aqui para lembrá-los que vocês, enquanto médicos, não estão sozinhos nessa caminhada. Juntos, podemos trabalhar para combater a epidemia silenciosa do suicídio médico e construir um futuro mais saudável e promissor para toda a comunidade médica. Não apenas por uma questão de dever profissional, mas porque valorizamos cada vida, especialmente aquelas dedicadas a preservar a saúde e o bem-estar de outras pessoas.
Mental illness and suicide among physicians (2021) DOI:https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)01596-8
Leia também:
- Webinars gratuitos. Reflexões vitais SOBRE A MORTE. Academia Medica
- Aprimorando a carreira em saúde: A importância vital do Lifelong Learning e Networking
- A Transformação Mental do Médico
- É preciso cuidar de quem cuida! A saúde mental dos médicos brasileiros
-
Combate à Violência em Ambientes de Saúde: O Projeto LEGADOS da Academia Médica
Referências:
- Ventriglio, A., Watson, C., & Bhugra, D. (2020). Suicide among doctors: A narrative review. Indian journal of psychiatry, 62(2), 114. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7197839/
- Harvey, S. B., Epstein, R. M., Glozier, N., Petrie, K., Strudwick, J., Gayed, A., ... & Henderson, M. (2021). Mental illness and suicide among physicians. The Lancet, 398(10303), 920-930. https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)01596-8/fulltext