As estatinas são uma classe de medicamentos das mais usadas no mundo para tratar dislipidemias. Elas foram aprovados pela primeira vez para pessoas com alto risco de doença cardiovascular em 1987. Em 2020, as vendas globais foram estimadas em US$ 1 trilhão.
No entanto, há um debate em andamento sobre se há ou não excesso na prescrição das estatinas: será que todos os pacientes que a tomam realmente são beneficiados com elas? Para descobrir isso, um grupo de pesquisadores publicou uma metanálise contendo 21 ensaios clínicos relevantes e analisaram os dados combinados de mais de 140.000 participantes e publicaram os resultados no periódico Jama Internal Medicine.
Duas perguntas guiaram a pesquisa: é melhor reduzir o colesterol LDL (às vezes conhecido como colesterol “ruim”) o máximo possível para reduzir o risco de ataque cardíaco, derrame ou morte prematura? Como os benefícios das estatinas se comparam quando se trata de reduzir o risco desses eventos?
Em resposta à primeira pergunta, os autores do estudo encontraram uma relação surpreendentemente fraca e inconsistente entre o grau de redução do colesterol LDL por tomar estatinas e a chance de uma pessoa ter um ataque cardíaco ou derrame ou morrer durante o período de teste. Em alguns ensaios, as reduções no colesterol LDL foram associadas a reduções significativas no risco de morte, mas em outros, as reduções no colesterol LDL não reduziram esse risco.
Esta é uma descoberta importante, de acordo com os autores porque as diretrizes clínicas expandiram a proporção de pessoas elegíveis para estatinas uma vez que os níveis de colesterol LDL “ideais” foram reduzidos gradualmente.Por exemplo, um estudo citado pelos autores estimou um aumento de 600% na elegibilidade para estatinas entre 1987 e 2016.
Em relação à segunda questão, os pesquisadores analisaram dois tipos de redução de risco: redução de risco relativo e redução de risco absoluto.
Imagine que sua chance de morrer prematuramente de uma determinada condição é de 0,2%, e existe um medicamento que reduz isso em 0,1%. Em termos relativos (redução do risco relativo), significa que a chance de morte foi reduzida em 50%, no entanto, em termos absolutos (redução absoluta do risco), a redução foi de apenas 0,1%.
Embora haja uma redução de risco relativo de 50%, é uma diferença significativa? Valeria a pena mudar para este medicamento, principalmente se houver efeitos colaterais associados a ele? A redução absoluta de risco apresenta uma situação mais real e, consequentemente, facilita a tomada de decisão das pessoas.
No estudo, os pesquisadores observaram que a redução do risco absoluto de tomar estatinas foi modesta em comparação com a redução do risco relativo. A redução do risco relativo para aqueles que tomaram estatinas em comparação com aqueles que não tomaram foi de 9% para mortes, 29% para ataques cardíacos e 14% para derrames. No entanto, a redução absoluta do risco de morrer, ter um ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral foi de 0,8%, 1,3% e 0,4%, respectivamente.
Outra consideração é que os estudos relatam resultados médios em todos os participantes incluídos, e não em um indivíduo. Claramente, o risco individual de doença das pessoas varia dependendo do estilo de vida e de outros fatores. O risco inicial de doença cardiovascular pode ser estimado usando uma calculadora online, como o QRisk, que leva em consideração uma série de fatores, como peso, tabagismo, pressão arterial, colesterol e idade.
A probabilidade de uma pessoa desenvolver doença cardiovascular nos próximos dez anos é expressa em porcentagem. Por exemplo, considere um homem de 65 anos com excesso de peso que fuma, tem pressão alta e colesterol total. Ele pode estar em alto risco de doença cardiovascular, em comparação com uma mulher de 45 anos, não fumante, com colesterol e pressão arterial levemente elevados e sem outros fatores de risco. Se um médico avaliasse seu risco de morrer nos próximos dez anos, o risco estimado para o homem poderia ser de 38%, por exemplo, enquanto o risco da mulher poderia ser de apenas 1,4%.
Agora considere o impacto de tomar estatinas para ambos. De acordo com o estudo, as estatinas reduziriam o risco relativo de morte em 9%. Em termos absolutos, o homem reduziria seu risco de 38% para 34,6% e a mulher de 1,4% para 1,3%.
Por fim, a pesquisa destaca que pacientes e médicos precisam ser apoiados para tomar decisões sobre tratamentos usando as evidências científicas disponíveis.
Tanto os pacientes quanto seus médicos precisam entender o verdadeiro impacto dos medicamentos para tomar a melhor decisão. Confiar no risco relativo, que é numericamente mais impressionante, em vez de absoluto, pode levar médicos e pacientes a superestimar os benefícios das intervenções.
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Referência
- BYRNE, Paula et al. Evaluating the Association Between Low-Density Lipoprotein Cholesterol Reduction and Relative and Absolute Effects of Statin Treatment: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Internal Medicine, 2022. Disponível em: doi:10.1001/jamainternmed.2022.0134. Acesso em março de 2022.